O elogio da forma no processo legislativo

  • Gonçalo Sampaio
  • 10 Janeiro 2018

O advogado defende que não está em causa a legitimidade dos deputados para reverem a lei do financiamento partidário. Mas a forma como o processo político decorreu

Há dias, o Presidente da República informou, através do site da Presidência, e cito, que “decidiu devolver, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII, respeitante ao financiamento partidário, com base na ausência de fundamentação publicamente escrutinável quanto à mudança introduzida no modo de financiamento dos partidos políticos”. Numa frase simples, o Presidente da República vetou este diploma que tanta polémica tem levantado na nossa opinião pública.

Fê-lo não por causa do conteúdo, mas sim pela forma como o diploma foi aprovado. Ou seja, o Presidente mostrou um cartão vermelho ao Parlamento, não por aquilo que os deputados fizeram (uma revisão legislativa), mas por aquilo que os deputados não fizeram (uma revisão legislativa feitas às claras). O que o Presidente censurou foi a forma e a forma, neste caso, foi tudo.

“À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. A importância da imagem que se transmite na vida pública é tão mais importante quanto mais democrática é a sociedade. Não está em causa a legitimidade dos deputados para reverem a lei do financiamento partidário. Mas a forma como o processo político decorreu levanta – mesmo que não seja verdade – uma suspeição: a de que a revisão da lei foi feita visando o benefício próprio e não o bem-geral…

Vem esta introdução a propósito do processo de revisão do Código da Propriedade Industrial, na qual participei na qualidade de presidente do Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual. Sabendo que o Governo, através do ministério da Justiça, ia desencadear uma revisão do referido código – até pela necessidade de transposição de diretivas comunitárias –a AIPPI, entre outras, tomou a iniciativa de sugerir a criação de um grupo de trabalho que pudesse contribuir para termos o melhor resultado final possível.

É este código que, entre outras matérias, regula a proteção de marcas e patentes, ou seja, de activos económicos de elevadíssimo valor acrescentado para a nossa economia. O governo não só aceitou a sugestão, como se empenhou para o seu sucesso, reunindo cerca de 20 entidades, promovendo reuniões e elaborando atas das mesmas que foram devidamente validadas. Estão as entidades todas de acordo com a totalidade do conteúdo do novo Código?

Seguramente que não e ainda pode ser melhorado, mas há unanimidade no reconhecimento de que este processo decorreu com transparência, com lisura, e, sobretudo, com a possibilidade de ser escrutinado e sindicado. De se perceber, em todos os momentos, que entidades pugnaram por que medidas, com que sentido e objetivo.

Neste grupo de trabalho participaram associações sectoriais, mas também entidades como a CIP, a CCIP, ou a Ordem dos Advogados. A redação final da proposta do novo Código será enviada para o Parlamento, quando o governo entender oportuno, onde ainda haverá lugar para discussão e margem para introduzir melhorias. Os deputados terão, seguramente, acesso às atas das reuniões, poderão perceber o racional das alterações, terão todos os elementos para cumprirem de forma informada os seus deveres e responsabilidades políticas.

Do lado da AIPPI, subsistem ainda vários aspetos que nos suscitam reservas e com os quais não concordamos. E por eles não deixaremos de lutar e alertar. Desejamos um modelo que proteja mais e melhor quem, por exemplo, submete uma patente, um processo necessariamente moroso, custoso e complexo. Entendemos que se devia ir mais longe na proteção do agente económico, contemplando uma maior qualificação nas entidades intervenientes, para salvaguarda dos seus direitos.

Mas uma coisa é certa: a forma como decorreu todo o processo até este ponto foi correcta e dá força à versão que vier a ser aprovada. A prática generalizada de processos políticos abertos, verificáveis, escrutináveis e transparentes oferece qualidade à nossa democracia, dignifica a nossa classe política e dá força às decisões que são tomadas.

  • Gonçalo Sampaio
  • Advogado da J. E. Dias Costa

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