Justiça espanhola

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • 6 Novembro 2017

Tentar reduzir o conflito catalão a uma questão judicial é tão errado quanto considerar que os tribunais espanhóis não deveriam actuar nesta matéria.

Carmen Lamela, juíza da Audiência Nacional espanhola, foi particularmente dura na prisão preventiva sem fiança que impôs aos oito membros do antigo governo da Catalunha detidos (em Espanha) na semana passada, no âmbito das acusações suscitadas pela declaração de independência desta região.

A sua decisão e o comportamento do poder judicial espanhol contrastam de forma evidente com a actuação da justiça belga que, ontem, permitiu aos cinco membros do mesmo governo, que se encontram em Bruxelas, permanecer em liberdade com obrigação de se apresentar sempre que as autoridades o requeiram. A juíza do tribunal madrileno aceitou de forma acrítica as teses da Procuradoria espanhola e não aceitou o requerimento dos advogados dos arguidos para adiar a decisão para preparação da defesa, ao contrário do conselheiro do Tribunal Supremo responsável pela instrução dos eventuais crimes cometidos pelos membros da mesa do parlamento catalão.

A justiça belga conseguiu olhar para a matéria de facto e para o pedido da Audiência Nacional e decidir acerca da forma como os suspeitos deveriam aguardar pela decisão sobre a ordem europeia de detenção com uma clara vantagem em relação à sua congénere espanhola: os mais de 1.500 quilómetros que separam Bruxelas de Madrid. O ambiente na capital espanhola, por estes dias, está muito tenso e os juízes parecem ter-se esquecido de que têm de manter a equidistância em relação a espanhóis e catalães, por muito espanhóis e nada catalães que se sintam. A forma como os antigos membros do governo catalão foram transportados, algemados com as mãos atrás das costas e sem cinto de segurança e como foram alvo de chacota por parte de polícias espanhóis dão que pensar. Sobretudo quando sabemos que as autoridades belgas não consideraram sequer necessário algemar Carles Puigdemont e os outros quatro consellers “por não constituírem um perigo para a polícia” (é essa a função das algemas).

A Associação Progressista de Procuradores, entretanto, manifestou que não concorda com a acusação de rebelião (que motiva a dimensão das penas que viabilizam estas detenções preventivas) por não identificar qualquer violência na acção do governo e do parlamento catalães a favor da independência. A Associação Juízes pela Democracia, que agrupa os juízes progressistas espanhóis, por seu lado, afirmou em comunicado ter dúvidas sobre o respeito pelos direito dos arguidos. Nada disto será muito estranho no país europeu em que os cidadãos têm mais suspeitas sobre a politização das nomeações de juízes e onde parece continuar a haver (segundo um relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho da Europa) uma justiça politizada.

Tentar reduzir o conflito catalão a uma questão judicial é tão errado quanto considerar que os tribunais espanhóis não deveriam actuar nesta matéria. Obviamente, uma declaração de independência ilegal e inconstitucional de uma parte do território não poderia ser ignorada pelos sistemas político e judicial de um Estado. O problema está, porém, na forma como o Estado está tentar fazer uma interpretação extensiva de crimes para que seja projectada uma imagem de punição exemplar. No momento em que as autoridades espanholas pareciam ter a situação catalã controlada graças a uma acertada marcação de eleições autonómicas para o dia 21 de Dezembro, os falcões madrilenos falaram mais alto e a procuradoria-geral enveredou por uma estratégia dura que, na prática, servirá para dar coesão a um nacionalismo catalão que, há poucos dias, parecia dividido e debilitado.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • Presidente da Câmara de Comércio Portugal – Atlântico Sul e professor universitário

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