FMI e S&P: a mesma análise e os mesmos avisos

Os relatórios do FMI e da Standard & Poor's coincidem na análise do que foi feito nos últimos seis anos e nos avisos para o futuro. É necessário manter a disciplina orçamental.

Na sexta-feira passada, tivemos mais uma avaliação do FMI e no final do desse dia, a notícia que a S&P tinha subido a notação de risco da dívida soberana, passando-a para a notação de “investment grade”. O relatório do FMI e da S&P são muito coincidentes na sua análise. Por um lado, descrevem bem o que se passou em Portugal desde 2010 e, por outro lado, apontam corretamente os riscos futuros e o que é necessário realizar nos próximos anos.

Devo dizer que depois de a Moody´s e a Fitch nas suas últimas decisões terem revisto o Outlook de Portugal de neutro para positivo, esperava que a S&P apenas alterasse o outlook. E que só mais tarde as agências de rating subissem a notação, se as condições atuais se mantivessem.

Esta é uma excelente notícia, mas, como veremos, há ainda muito trabalho pela frente. Sair de “lixo” costuma levar 6-7 anos, embora a Irlanda o tenha feito em três anos. A Fitch, em final de 2015, sinalizou uma subida, para depois rever em março de 2016 para baixo, devido à desconfiança provocada pela “geringonça”.

No entanto, como lembrou a presidente do IGCP, para os grandes fundos de investimento voltarem a comprar dívida portuguesa é necessário que uma das outras agências, de preferência a Moody´s, suba o rating.

Refira-se que não é sério achar que a subida de notação se deve apenas ao que ocorreu nos últimos dois anos. Recorde-se que em 2007 Portugal tinha “AA-” de notação. Depois, a notação foi sendo revista em baixa, e antes das eleições de 2011 era já de BBB (ainda “investment grade”, mas tinha descido seis notações). Logo após as eleições, desceu mais três notações (numa única revisão), passando para lixo. Só muito dificilmente se poderá entender que essa descida, ocorrida em julho de 2011, se deveu a um governo que nem um mês de funções tinha. Pelo contrário, essa descida, que nos colocou como “non investment grade” (“lixo”) foi o corolário do desastre económico, financeiro e orçamental desde 2008.

Assim, entre 2011 e 2016, o défice nominal (sem “one-offs”) desceu de um valor de 11% (em 2010) para um valor de 2.5%. O défice estrutural desceu de um valor em torno de 8% para um valor próximo dos 2%. Entre 2011 e 2015 desceu dos 8% para 2.5%, ou seja, uma descida de 5.5 pontos percentuais (p.p.). Entre 2016 e 2017, desceu menos de 0.5 p.p. Ou seja, quase 90% do esforço orçamental dos últimos anos ocorreu antes deste governo tomar posse.

Esta alteração da notação da S&P também não se deve a qualquer “virar de página da austeridade”, nem a qualquer “tempo novo”. Pelo contrário, a subida do rating ocorreu em grande medida devido a este governo ter mantido a disciplina orçamental.

O “milagre orçamental” de reduzir o défice de 3% em 2015 para 2.5% (sem medidas “one-off”) e, simultaneamente, a essa redução de 0.5 p.p. repor salários e terminar a sobretaxa (o que custou mais 0.5 p.p.) apenas foi possível com a combinação de 3 fatores: mais crescimento (quer real, quer nominal, e o nominal é determinante nas Finanças Públicas), mais impostos indiretos e menos investimentos e despesa com os serviços públicos. Em grande medida a austeridade passou de um grupo (Estado) para a generalidade dos cidadãos (utilizadores dos serviços públicos).

Ou seja, há sobretudo um efeito de “dividendo orçamental” que resulta de um maior crescimento nominal. A mim preocupa-me que esse “dividendo”, que é conjuntural, esteja a ser usado, mais uma vez, para gerar despesa estrutural (mas falarei disso em breve).

Refira-se que, como já demonstrei aqui, a austeridade não começou nem terminou com a “troika”, e também não terminou com este governo. A austeridade começou em 2010 (no chamada “PEC2”) e entre junho de 2010 e o início de 2011 (juntando-lhe o chamado “PEC3”, ou seja, o OE/2011), tivemos que a soma destas medidas ultrapassaram os 7 mil M€. Depois disso, o programa da “troika” significou mais 10 mil M€ deste tipo de medidas.

E do ponto de vista estrito, continuamos a ter austeridade, no sentido em que o grosso das medidas atrás descritas tomadas entre 2010 e 2014 (em 2015 o governo anterior já não introduziu mais medidas) mantém-se em vigor (no IVA, no corte de benefícios fiscais e em parte do corte das prestações sociais). E vamos ter durante muitos anos, dado que as Finanças Públicas continuam a ter fortes restrições quando comparadas com 2008-2009. A mais importante de todas, e que condicionará a política orçamental durante muitos anos é a da dívida pública.

A revisão da S&P baseou-se assim em quatro fatores principais: O primeiro é o crescimento económico (que tem vindo a recuperar desde 2013). Diga-se, contudo, que os últimos números do crescimento (1º semestre) foram pouco animadores. Eu sei que houve muita propaganda com um crescimento de 2.9% em termos homólogos. Mas isso é algo ilusório, dado que essa comparação homóloga é com um primeiro semestre de 2016 muito fraco. Mas, mesmo esse crescimento de 2.9% em termos homólogos é dos mais baixos da Europa. Por outro lado, o crescimento em cadeia foi de 0.3%, o mais baixo da Europa. E para isso ainda houve um efeito positivo, mas temporário, de aumento de stocks, que fez com que o investimento subisse. Sem esse efeito estaríamos já estagnados.

No total de 2017, o crescimento ainda ficará, muito provavelmente, acima dos 2% e talvez próximo dos 2.5%, mas apenas pelo bom desempenho do 1º semestre. O que estamos a assistir é que o comportamento do 1º semestre foi apenas um efeito estatístico de um mau crescimento no início de 2016 (porque os investidores desconfiaram da solução “geringonça”). Mas há uma clara “reversão para a média”, que resulta num crescimento próximo de 2%.

Como se verifica, as perspetivas de crescimento económico não são tão animadoras como se esperaria, e isso trará dificuldades, quer no campo orçamental, quer na possível subida de rating das outras duas agências.

O segundo fator foi, como vimos atrás, a consolidação orçamental. O terceiro foi a perspetiva monetária do Banco Central Europeu, mais favorável para Portugal. E todos sabemos como a política monetário do BCE tem sido critica para aguentar o país e permitir a tal estratégia politica de devolver rendimentos a algumas franjas da população.

Mas o último fator é também muito importante, dado o elevado nível de divida pública que temos, e que é a boa gestão da dívida que tem sido feita. Ou seja, a S&P veio (apenas mais uma vez) destruir todo o argumentário de quem acha que Portugal deve emitir a maturidades mais curtas e reduzir o nível de depósitos. Muitos já enfiaram a viola da reestruturação da dívida no saco. Mas agora será altura de todos concordarmos que “jogar à roleta russa” com a dívida teria resultados desastrosos.

Além do receio que a S&P mostra por um enfraquecimento do crescimento económico, ficam outros dois avisos, que outros já fizeram no passado, e que impedem aventuras orçamentais: o governo adotar medidas que prejudiquem Portugal no acesso aos mercados e uma mudança negativa na posição orçamental. Pelo contrário, temos cada vez mais a “geringonça rendida aos conservadores orçamentais”. Ainda bem, que isso permita um verdadeiro “consenso orçamental”, crítico para o futuro de Portugal.

Já o relatório do FMI refere os mesmos aspetos negativos e as mesmas preocupações, juntando-lhe a questão do setor financeiro, da dívida privada, sobretudo das empresas e da necessidade de continuar a realizar reformas estruturais, sobretudo no Estado, Segurança Social e mercado de trabalho.

O que devemos concluir dos dois relatórios, do FMI e S&P?

  1. Primeiro, que fizemos todos um enorme esforço nos últimos seis anos para sair da situação de falência em que nos defrontámos em 2011.
  2. Segundo, que a tarefa não está concluída. Pelo contrário, temos ainda 2 p.p. do PIB de consolidação orçamental estrutural, temos de reduzir a divida pública abaixo dos 100% rapidamente (ver aqui), temos de reduzir o peso do Estado e da despesa pública e continuar a reformar a economia para a tornar mais competitiva e capaz de aguentar choques externos. Num país com uma dívida pública de 130%, achar que há “folgas” no Orçamento de Estado só pode conduzir de novo aos erros do passado (falarei também disso em breve).
  3. Terceiro, que a posição de Portugal, por todos os motivos atrás descritos, continua muito frágil e que uma crise na Europa ou a nível mundial tornaria outra vez a nossa situação muito difícil.
    Por ultimo, que é tempo de pormos as ideologias de lado, e perceber que a realidade se impos. Que não há espaço para aventuras orçamentais, tendo de existir equilíbrio nas contas públicas. Que a economia não pode ser estimulada por investimento público, mas sim por um ambiente competitivo que estimule o investimento privado e a melhoria da produtividade. E que a divida pública não pode ser reestruturada nem pode ser gerida de forma arriscada.
  4. E, sobretudo, que tudo aquilo que foi “vendido” aos portugueses, durante anos, que a austeridade era uma opção ideológica, que não era possível crescer sem investimento público e que não era possível pagar a divida sem a reestruturar, não passava de uma “aldrabice” económica.

Os que antes diziam que agências de rating é que eram “lixo” e berravam contra o poder dos mercados financeiros internacionais, agora aparecem a dizer que afinal a notação das agências de rating é importante. Que tudo isto nos tenha servido para nos curar de demagogos e populistas económicos e vendedores de facilidades e ilusões orçamentais, já não se terá perdido tudo.

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