Este texto não é sobre Gentil Martins e André Ventura

São os temas polémicos que agitam as redes sociais, e passam para imprensa e televisão por uns dias, mas que daqui a uns tempos já não interessam a ninguém.

Passou-se esta semana entre um ribombar de canhões que parecia uma guerra de trincheiras com as declarações de Gentil Martins e André Ventura. São os temas polémicos que agitam as redes sociais, e passam para imprensa e televisão por uns dias, mas que daqui a uns tempos já não interessam a ninguém. O mar está sempre lá, a espuma das ondas morre depressa. Por isso escrevo sobre três temas que passaram despercebidos mas que deviam merecer atenção.

China armada – Xi Jinping é dos mais interessantes líderes para acompanhar. Li em imprensa estrangeira que, pela primeira vez em 60 anos, a China vai enviar soldados para uma base militar no estrangeiro. No caso, no Djibuti, país do corno de África com um posicionamento estratégico que controla as rotas do Mar Vermelho, Golfo de Adem e acesso ao Canal do Suez e Mar Mediterrâneo para quem navega pelo Índico. Pagará 20 milhões de dólares de renda para, segundo os chineses, ter um centro logístico de apoio a operações humanitárias. Há um ano, a imprensa internacional anunciava que o Djibuti estava a investir fortemente em infra-estruturas (com o apoio de forte capital de Pequim) para se tornar o Dubai do continente. Há um mês, o visionário líder chinês anunciava o ambicioso projecto de uma nova Rota da Seda de obras, bens e serviços que chegaria a África. A China está a construir um novo império, com suporte em investimento, mas nunca poderemos esquecer que não há retorno para os negócios se não houver segurança. E o “Império do Meio” tem um dos mais poderosos exércitos do mundo. Agora, espalha os seus tentáculos.

Trump privatiza a guerra – Por falar em exércitos, no El Mundo (citando o New York Times), era dado à estampa que Donald Trump tem na Sala Oval a ideia de recorrer a mercenários para continuar a guerra no Afeganistão. Relembro que neste país, que foi o cemitério de milhares de russos, leiam o sublime “Rapazes de Zinco” de Svetlana Alexievich, decorre o mais longo conflito armado dos tempos modernos. O presidente americano quer agora evitar o envio de mais soldados e para isso os seus assessores convidaram Erik Prince, fundador da Blackwater, e Stephen Feinberg, da DynCorp International, para criarem um plano de acção militar. Se acontecer, será uma mudança completa de paradigma e um primeiro esboço do que poderá ser para muitos países um corte substancial nos gastos na Defesa. Por cá, temos uma narrativa ridícula sobre um assalto a paióis.

Preso o homem da “Roma Ladrona” – Em 2017, uma das melhores séries que foi exibida em Portugal chamou-se “1992”. Passou na RTP2 esta produção italiana que retratava excepcionalmente a queda da Democracia Cristã e do PSI, de Giulio Andreotti e Bettino Craxi, e que com o primado da Operação Mãos Limpas, de Antonio Di Pietro, levou à ascensão dos “novos homens” de Silvio Berlusconi e da Liga Norte. O seu líder chamava-se Umberto Bossi, que clamava exuberantemente dos púlpitos contra a “Roma Ladrona”. Pois bem, este homem “impoluto” foi preso esta semana por usar dinheiros do partido para os seus gastos privados. Sempre que via e lia sobre esta criatura, lembrava-me da personagem de uma novela brasileira, do tempo em que havia grandes novelas brasileiras, “Salvador da Pátria”, famosa por Sassá Mutema, que tinha um radialista que proclamava “Meninos, eu vi” denunciando uma série de escândalos, até que um dia com a popularidade que ganhou na rádio ascendeu ao poder e virou ele próprio corrupto. O que retiro desta história é que temos de duvidar sempre dos demagogos e dos ditos impolutos pois o poder atrai vícios, dinheiro e corrupção. É a história da natureza humana.

Sei que se escrevesse sobre Gentil Martins ou essa inenarrável figura que dá pelo nome de André Ventura este texto tinha muito mais partilhas, gerava ruído e controvérsia. Mas gosto mais do mar do que da espuma dos dias. Como escrevi no início, a espuma das ondas tem uma morte precoce.

Nota: Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

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