Baixem o défice e deixem a economia em paz

Os governos devem, antes de mais, preocupar-se em gerir bem aquilo que depende deles: o Estado. Devem ter contas certas, preferencialmente sem défice. Se o fizerem eficientemente já não fazem pouco.

A prova de que ainda temos muito para andar está na zaragata que imediatamente se instalou entre a classe política a reclamar o mérito sobre os bons números do PIB.

Muitos governantes portugueses – passados ou presentes – e respectivas claques organizadas continuam convencidos que nada de bom acontece sem a sua acção ou, no mínimo, sem a sua permissão. Acho que é melhor contar-lhes a verdade a deixá-los continuar na ilusão de que são eles que comandam toda a economia como se fosse uma gigantesca marionete.

É que, infelizmente, muitos políticos estão mesmo convencidos do central papel do Estado para que a economia do dia a dia aconteça. Para que o pastel de nata seja fabricado, vendido e comido, as azeitonas cresçam nas oliveiras e delas se faça o azeite, o turista chegue e durma num hotel, o par de sapatos seja desenhado para ser vendido numa montra em Paris, o carro seja montado e exportado para a China ou a barragem produza electricidade para dar energia a isto tudo.

Já foi, de facto, muito mais assim do que é hoje pois vimos de um tempo em que o preço de cada qualidade de pão ou da bica eram fixados por portaria do Governo, que também definia quanto dinheiro podíamos levar para Badajoz para trazer caramelos.

Já não é, e ainda bem. Mas continua a ser preocupante a normalidade com que metade da classe política encara a tutela estatal da economia, o efeito da chamada “política económica” e o papel vital dos governos até para que o Sol nasça e se ponha todos os dias.

Mas se não se importam, os muito bons 2,8% de crescimento homólogo verificados no primeiro trimestre deste ano devem ser creditados a trabalhadores, gestores e empresários. São eles que trabalham, produzem, investem, arriscam e criam condições para que a economia cresça. E no final entregam ao Estado uma parte do produto desse seu trabalho e retorno do investimento, através de impostos, contribuições e taxas várias, o que, dentro de limites razoáveis, faz parte da normalidade de uma sociedade decente.

Então no contexto concreto actual, o contributo directo do Estado e da chamada política económica são ainda mais marginais.

Este crescimento acontece numa altura em que o governo se converteu, e bem, à necessidade de baixar o défice do Estado e o fez em parte através de um corte fortíssimo no investimento público.

Apesar de ter retirado estes recursos da economia durante o ano passado e de ter resistido à tentação da abertura da torneira dos gastos correntes, o certo é que a economia acelerou o seu passo e, melhor ainda, está a fazê-lo com uma composição saudável: com reforço das exportações e do investimento e menor contributo do consumo interno.
Os que defendem pretensas políticas keynesianas sobre estímulos públicos nem que seja “abrindo e fechando buracos” devem olhar com atenção para isto.

E em relação a uma pretensa política económica do Governo que estará a levar a este resultado, a ironia não podia ser maior.

A ideia do PS era simples: vamos devolver rendimentos mais depressa e, com isso, estimulamos o consumo das famílias e, com ele, a actividade económica; vamos dinamizar o investimento; ao mesmo tempo, temos que reduzir o défice orçamental de forma muito mais lenta para que estas contas possam bater certo.

O que está a acontecer é mais ou menos o inverso disto: a economia cresce muito mais com o contributo das exportações e do investimento do que do consumo interno; o investimento foi sacrificado; o défice foi – e bem – cortado muito mais depressa (e o corte no investimento, entre outras operações, fez com que as contas batessem certo).

Como sou pragmático, interessa-me mais o resultado a que se chega do que as narrativas construídas, sejam elas as prospectivas de há uns meses ou as justificativas de agora. Até porque, como é norma dizer-se sobre os planos de negócio, “o papel aguenta tudo o que lá quisermos escrever”. O problema é sempre a realidade. Mas devemos ir retirando alguns ensinamentos do que se passa para evitar a repetição de erros em que somos especialistas.

E o que é que devemos aprender disto tudo?

Antes de mais, que a economia é sobretudo feita por agentes privados e funciona num ambiente aberto, contexto muito pouco dado a pretensos planos desenhados a regra e esquadro para se atingir este ou aquele objectivo.

Esses agentes económicos – que somos todos nós – são influenciados, antes de mais, por expectativas que condicionam as suas decisões. Cada um deve desempenhar o seu papel e o do Estado não é, certamente, substituir-se aos agentes económicos nas suas decisões ou sequer assumir o papel de “grande líder do planeamento económico”.

Os governos devem, antes de mais nada, preocupar-se em gerir bem aquilo que deles depende directamente: o Estado. Devem ter contas certas, preferencialmente sem défice. Se o fizerem de forma eficiente já não fazem pouco pela economia, porque evitam retirar dela recursos que lhe fazem falta. Devem, portanto, ter uma política orçamental sólida e dispensarem-se de grandes elaborações sobre política económica.

Este governo começa a experimentar o bom sabor dos resultados dessa “obsessão pelo défice”, que sempre rejeitou: a economia cresce e cria emprego sem que o Estado lhe atire pazadas de dinheiro para cima, muitas vezes sem critério. E, milagre, até as taxas de juro descem consistentemente há várias semanas nos mercados.

Com as coisas neste ponto o importante agora é não atrapalharem, resistirem à tentação de mexer nas componentes do PIB e não seguirem por derivas intervencionistas que acabam sempre mal.

Nada do que se conseguiu está consolidado e a confiança mais depressa desaparece do que se constrói.

E sobretudo convém não esquecer que as maiores desgraças resultaram de más políticas orçamentais e de estímulos errados à economia. Pode parecer ingrato, mas numa economia de mercado é mesmo assim: muito do mau que acontece pode ser atribuído a governantes incompententes mas o bom vai a crédito dos agentes privados. Assim os deixem desempenhar o seu papel.

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