A próxima reforma da PAC: o triunfo da tecnicidade

O ponto de partida é redutor, e ainda agora a festa começou. A experiência mostra que o Conselho tende a decidir por mais cortes. Garantir agora o que quer que seja é vender uma ilusão.

No fim desta semana a Comissão Europeia (CE) deverá aprovar as propostas para a nova Política Agrícola Comum (PAC) para o próximo quadro pós 2020. Tendo em conta a importância que os apoios da PAC têm na existência e modernização das explorações agrícolas, é normal que estas semanas que aí vêm sejam de particular atenção para os agricultores.

Têm estado em circulação projetos de texto ainda confidenciais. Mas, como confidencial em Bruxelas, significa amplamente divulgado, já é possível ter uma noção do que aí vem e comparar com reformas anteriores.

O primeiro elemento a considerar é o contexto em que se vão tomar decisões. Em linha com a reforma de 2013, e diferente das anteriores, é a conjuntura negocial. Vamos ter outra vez em simultâneo, a discussão da PAC e a discussão do Orçamento da União Europeia (UE). Ou seja, enquanto os ministros de Agricultura vão estar a discutir as medidas da PAC no Conselho de Ministros de Agricultura da UE, os primeiros-ministros estarão noutra instância a discutir o Orçamento da PAC e das outras políticas da UE. Os últimos decidirão o futuro dos primeiros.

A conjuntura da futura aplicação desta reforma também é semelhante à da reforma de 2013. Lá para 2021, ou provavelmente mais tarde, quem estiver no Governo terá de aplicar o primeiro pilar da PAC, em particular os pagamentos diretos (basicamente apoio ao rendimento), em simultâneo com o arranque do futuro Programa de Desenvolvimento Rural.

E também são semelhantes alguns elementos em conteúdo desta reforma, que são repetentes de reformas anteriores, como o famoso capping ou o teto máximo de ajudas que uma exploração pode receber, o pagamento redistributivo ou as majorações para jovens agricultores.

E a partir daqui começam as particularidades e as diferenças nesta reforma, algumas inéditas:

Primeiro, começa com menos dinheiro à partida. Desta vez, e ao contrário das vezes anteriores, a proposta da CE para o orçamento do próximo quadro 2021 a 2027 é de reduzir o orçamento da PAC. Enquanto no quadro anterior, o comissário Ciolios, conseguiu manter o orçamento da PAC, tendo em troca introduzido o ambiente no coração da Política através do greening, o atual comissário, teve de ceder a reduzir o orçamento da PAC, para responder às pressões orçamentais criadas pela saída do Reino Unido e pelo crescimento de novas políticas como a Juventude e a Investigação. O ponto de partida é redutor, e ainda agora a festa começou. A experiência mostra que o Conselho Europeu tende a decidir por mais cortes. Garantir agora o que quer que seja, e em particular aumentos, é vender uma ilusão aos agricultores.

Segundo, a componente ambiental voluntária (atual greening) passa a ser definida pelo Estado membro, e não pela UE. Ao contrário do que aconteceu na reforma de 2013, com a introdução do greening, em que se introduziram a nível da UE três medidas chave para incentivar a alternância de culturas, pousio, e áreas de interesse ecológico na exploração, agora há um “reenvio” da definição de medidas ambientais para cada país. A definição das medidas (antigo greening), passa agora a ser da responsabilidade de cada Estado membro, e a aprovação é feita pelos serviços da CE.

Este reenvio de responsabilidades para cada Estado membro, que alguns chamam de descentralização, e outros apelidam de renacionalização, é uma oportunidade ou uma ameaça para Portugal? Na verdade, é os dois. É uma oportunidade, porque cria o espaço para Portugal desenhar e propor à CE medidas mais adaptadas à sua realidade. A título de exemplo, Portugal poderia propor um apoio a baldios ou montados com presença manifesta de matos como elementos integrantes do ecossistema, algo que não é possível agora com a legislação Europeia.

Mas também é uma ameaça, porque a aprovação das medidas será feita pelos serviços da Comissão Europeia, e não pelo Conselho de Ministros da UE, muitas vezes longe da realidade da nossa agricultura. Basta, como já aconteceu no passado, ter um funcionário do norte de Europa que considere uma pastagem em regime extensivo com árvores uma floresta, para termos um problema. Ainda mais é ameaça se tivermos em conta que as obrigatoriedades ambientais para os restantes pagamentos vão aumentar (condicionalidade reforçada). Nestas condições, ganharão protagonismo as administrações nacionais e os serviços da Comissão Europeia, em detrimento do papel político dos ministros, do comissário e mesmo do Parlamento Europeu, ou seja, ganhará a tecnicidade.

Terceiro, inicia-se a fusão dos dois pilares da PAC. Essa fusão seria ótima se se transferisse a simplicidade do primeiro para o segundo, eliminando a complexidade deste último. Infelizmente o que se vai passar é o oposto. O primeiro pilar — que consiste em medidas da CE diretas aos agricultores, anuais, com financiamento comunitário a 100% — passará agora a ter um sistema de plano e aprovação da CE em conjunto com o processo de aprovação do Programa de Desenvolvimento Rural (segundo pilar). A realidade das avaliações ex-ante, indicadores, critérios de avaliação e monitorização, etc… chega assim às medidas mais simples.

Fazendo outra vez a mesma pergunta, isto é uma oportunidade ou uma ameaça? A resposta já se sabe e é clara. É uma ameaça. Por um lado, porque o processo de aprovação pela CE de um plano para os pagamentos diretos coloca em risco o início atempado do quadro. Os pagamentos diretos são anuais, o que não se gasta perde-se. Imagine-se o que pode custar um atraso. Por outro lado, porque os pagamentos diretos eram o refúgio das mudanças de política nacional. Agora com um sistema de programação e de gestão como o do Desenvolvimento Rural ficarão com certeza mais suscetíveis de mudanças e de imprevisibilidade.

Como é que Portugal se deve posicionar neste contexto? Na negociação da reforma, Portugal deve defender que a aplicação das regras de aprovação da CE se mantenha restringida o mais possíveis às medidas do Desenvolvimento Rural. Na futura aplicação da reforma, deve começar já ontem a prepará-la. O exemplo a seguir deve ser o do PDR 2020, aprovado em 2014 ainda antes do arranque do quadro em 2015, e em que Portugal foi o quarto Estado Membro a aprovar o programa, o que aliado a um programa de transição conseguiu uma execução excecional e atraiu muito investimento; o exemplo a não seguir é o do Proder, que foi o último programa da UE a ser aprovado.

A história também nos traz lições. Quando se criou a PAC com o Tratado de Roma, com a Europa a seis países, criou-se um fundo de apoios para a modernização da agricultura, muito a pensar em Itália, que tinha uma agricultura necessitada de infraestruturas e com um número elevado de pequenas explorações. No entanto, esses fundos necessitavam de uma máquina administrativa capaz de os aplicar, que Itália não tinha. A ironia foi que quem mais utilizou esses apoios foi a Holanda, que tinha uma administração muito mais organizada. Portugal já provou ser capaz das duas prestações, estar na primeira liga dos países da UE, ou estar no último. Se voltar a pertencer à primeira, poderá, eventualmente, conseguir uma política agrícola mais à nossa medida, se for a segunda, verá com certeza os fundos a passar pela janela.

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