A amizade entre João Galamba e Carlos Costa

“Sr. Deputado, se não sabe, vá aprender". Foi assim em 2011. Ontem, assistimos a mais uma manifestação de amor entre ambos.

No final de 2011, a Assembleia da República discutia a recapitalização da banca. O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, falava sobre o impacto do financiamento da banca na economia e estava constantemente a ser interrompido por João Galamba que o acusava de dizer inverdades. A certa altura, o governador perde a paciência com o irrequieto deputado João Galamba e atira: “Se não sabe o que é crowding out, vá aprender”.

João Galamba franziu os olhos duas vezes. Primeiro porque se calhar não sabia realmente o que era isso do crowding out. Depois porque ficou estupefacto ao ver Carlos Costa perder as estribeiras e a dizer: “Desculpe, deixa-me acabar porque isso é uma ignorância total”.

Foi o início de uma bela amizade. Ao longo dos anos, volta e meia, encontram-se no Parlamento, e Galamba nunca perde uma oportunidade de arreliar o governador.

Esta quinta-feira, Carlos Costa lá regressou à Assembleia para falar pela enésima vez sobre o porquê de não ter tirado mais cedo a idoneidade a Ricardo Salgado. Uma das razões invocadas pelo governador era a de que a amnistia fiscal que foi dada a Ricardo Salgado no RERT (regime de repatriamento de capitais) impedia, tal como a lei determinava na altura, que se agisse criminal ou contraordenacional contra o então presidente do BES.

A audição ia a meio, chega a vez de João Galamba, e o deputado do PS, bem preparado, pergunta a Carlos Costa.

João Galamba: “A retirada de idoneidade pressupõe um processo contraordenacional?”

[Carlos Costa faz um ar embaraçado e responde]

Carlos Costa: “Pressupõe um processo com audição da pessoa em causa”.

João Galamba: “Não foi isso que perguntei. Perguntei se pressupõe um processo contraordenacional?”

[Carlos Costa encolhe os ombros e diz]

Carlos Costa: “Eu aí remeto, que não sou jurista, ao nosso jurisconsulto”

[Carlos Costa olha para o jurisconsulto como que a pedir ajuda e o jurisconsulto encolhe os ombros. O governador tenta então ensaiar uma resposta.]

Carlos Costa: “Eu, no meu entender, sim, porque é preciso que haja demonstração de factos.”

Um governador do Banco de Portugal não precisa de saber tudo, porque tem uma catrefada de assessores, juristas e economistas à sua volta que sabem por ele. Mas será normal que a esta altura do campeonato, tantos meses depois do colapso do BES, Carlos Costa não saber ainda se para tirar a idoneidade a Ricardo Salgado precisava de abrir ou não um processo contraordenacional?

Era caso para João Galamba devolver a cortesia de 2011: “se não sabe, vá aprender”. E é sinal de que o governador provavelmente nunca pensou muito a sério no assunto e que Ricardo Salgado só saiu do banco pelo próprio pé quando o próprio entendeu que era insustentável manter-se do BES.

O relatório escondido

A outra tese que Carlos Costa levou à Comissão para justificar o facto de não ter obrigado Ricardo Salgado a sair é que havia um ou dois pareceres de tribunais a defender que só se podia tirar idoneidade se houvesse uma sentença transitada em julgado. Esta tese é coxa porque, se assim fosse, não precisávamos de bancos centrais para avaliar a idoneidade de banqueiros, bastavam juízes. João Galamba e Mariana Mortágua, ambos muito bem preparados, ainda fizeram questão de lembrar ao governador que os tais acórdãos por ele citados referem-se a uma lei que já tinha sido alterada antes do colapso do BES.

Claro que toda esta conversa sobre se Carlos Costa esteve bem ou mal na supervisão que fez (ou não fez) ao BES podia ser evitada se o próprio publicasse o relatório que ele próprio encomendou ao seu departamento de auditoria e que – vá-se lá perceber porquê, – nunca conheceu a luz do dia.

Na entrevista que deu há umas semanas ao ECO, João da Costa Pinto, presidente da comissão de auditoria do Banco de Portugal e responsável pela comissão de avaliação à atuação do regulador no caso BES, disse que o “colapso do grupo GES/BES, pela sua dimensão, não foi um problema súbito”. Quando foi questionado por Helena Garrido sobre a razão pela qual o relatório não veio a público, Costa Pinto encolheu os ombros: “o governador deu o encaminhamento que considerou que devia dar. Não me vou referir às conclusões do relatório.”

Esta quinta-feira, na mesma audição, Cecília Meireles do CDS-PP voltou a perguntar ao governador pelo dito relatório que avaliou o trabalho de Carlos Costa. Perante mais uma nega do governador, a deputada desabafou: “um dia hei-de ver esse relatório. Só não sei quando será”.

Esta é a razão pela qual Carlos Costa não sai do Banco de Portugal. No dia em que sair, esse relatório vai sair da gaveta.

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