“Para recuperar a capacidade democrática do nosso país sobre a economia e a finança, é urgente preparar o país para o cenário da saída do euro ou mesmo do fim do euro”.

Esta frase podia ter sido dita por Marine Le Pen, mas foi dita (e escrita) pela líder do Bloco de Esquerda há duas semanas.

Ora, isto levanta uma questão importante: a deputada Catarina Martins acha que o Euro vai acabar, ou, segunda hipótese, mesmo que o Euro não acabe, entende que Portugal deve sair da moeda única?

Se é a primeira hipótese, então convinha que a deputada Catarina Martins diga como vê o fim do Euro. Eu vejo algumas ameaças, mas sinceramente, não consigo descortinar, a 5 anos, nenhum “cisne negro” que possa resultar no fim da união monetária. Mas seguramente a senhora deputada refletiu muito sobre este tema, e irá, muito brevemente, dizer-nos o que pensa sobre o assunto. E basta responder a três perguntas:

  1. Porque vai o Euro acabar?
  2. Como acha que se processará o seu fim?
  3. Como deve Portugal atuar?

Se é a segunda hipótese, em que a senhora deputada entende que Portugal deve abandonar o Euro, então convinha perguntar o seguinte:

  1. Qual a legitimidade democrática dessa decisão, quando todos os estudos e sondagens dizem que a larga maioria dos portugueses são favoráveis ao Euro? Através de um referendo? Mas não vê que esse referendo colocaria Portugal numa situação de enorme fragilidade?
  2. Defende que Portugal negoceie a sua saída com os restantes membros? Se sim, como? A que custo? Com que benefícios? Como vê a posição negocial dos restantes países?
  3. Ou defende que Portugal pura e simplesmente saía do Euro, de forma unilateral? Se sim, com que argumento? E com que consequências? E com que benefícios?

Repare-se que aquela frase não foi dita num qualquer comício, fruto de uma exaltação momentânea. Sabemos como por vezes momentos de massas podem levar a que as pessoas digam coisas que não fazem sentido. Recordo-me de um professor de Economia, num comício, afirmar que “só o trabalho gera valor, o capital nada faz”. E ainda deu como exemplo uma metáfora, usando dois coelhos (“que se forem macho e fêmea reproduzem-se”) e duas notas (“se puserem duas notas de cem numa caixa, acham que saem notas de vinte?”). Isto dito numa aula do 1º ano de Economia geraria a galhofa geral. Dito num comício passa.

Não, a frase foi escrita, o que significa que podemos assumir que, tratando-se de pessoas sérias, o Bloco de Esquerda ou acha que o Euro vai acabar, ou defende a saída de Portugal, mesmo sem o fim da moeda única.

Mas quais seriam as consequências de uma saída de Portugal da zona Euro, sem que esta terminasse?

Seria um processo extremamente complexo e difícil. Teríamos de fechar as fronteiras, proibir os levantamentos de dinheiro, terminar com a liberdade de capitais, intervencionar a banca e manter a ordem pública. Só que, como o processo não seria feito de um dia para o outro, a fuga de depósitos e capitais seria elevadíssima. E provavelmente sem qualquer apoio do Banco Central Europeu.

E como pagar as importações sem moeda externa para o fazer? Sabem qual seria o primeiro produto a acabar nos supermercados? O pão, dado que Portugal importa quase 100% dos seus cereais dos EUA e da Ucrânia.

Além da monstruosa tarefa de emitir moeda (retirar os euros de circulação, coisa quase impossível, porque toda a gente amealharia os seus euros), bem como a de alterar toda a legislação e contratos. Mudar todos os sistemas de pagamento, desde os centrais dos bancos até à máquina de venda de bilhetes na estação dos comboios.

Mas vamos admitir que a transição se fazia, e o “novo Escudo” entrava em circulação, valendo cada euro 200 “novos escudos”, para repor aproximadamente o câmbio do Euro decidido em 1999. Claro que não sendo o “novo Escudo” uma moeda aceite internacionalmente, a sua desvalorização seria brutal. Arrisco dizer talvez 70%-80% no primeiro ano. Ou seja, ao fim de um ano, 200 “novos escudos” já não comprariam um euro, mas sim 20 ou 30 cêntimos. Uma brutal redução dos rendimentos e das poupanças dos Portugueses. Os Portugueses mais velhos, que viveram o final dos anos 70 e início dos anos 80 sabem do que falo. De como não era possível “passar Badajoz”, porque a moeda deixava de ter valor.

Também não é claro o que aconteceria aos nossos empréstimos com o exterior. Se permanecessem em euros, com a brutal desvalorização do escudo, teríamos muita dificuldade em pagar, e entraríamos em incumprimento. Se passassem para escudos, a perda dos investidores também seria muito elevada. Em todo o caso, esperavam-nos muitos anos pela frente sem crédito, com uma moeda muito fraca, que tornaria as importações proibitivas.

E não se acredite que isso tornaria as exportações mais baratas. Recorde-se que 50% do que exportamos implica importações. E depois o custo do capital dispararia, bem como os custos de transação entre o “novo Escudo” e o Euro. Além disso, ao desvalorizar a moeda, os trabalhadores reclamariam aumentos salariais que, no limite, neutralizariam esse efeito. A única hipótese de tal não acontecer era uma flexibilização total do mercado laboral, por forma a ajustar os salários reais. Não é isso que o Bloco espera, pois não?

E as taxas de juro só não “explodiriam” se o governo se comprometesse com excedentes externos e orçamentais elevados, por forma a atrair divisas estrangeiras. Uma “austeridade” muito superior à da Troika.

Por último, qual seria a posição de Portugal na União Europeia, saindo do Euro? Acreditam que os restantes 18 países da zona Euro estariam dispostos a continuar a aceitar Portugal e a negociar com o nosso governo?

Mas devemos mesmo ao Euro a estagnação da economia Portuguesa dos últimos 15 anos? Na realidade, a participação na moeda única trouxe um conjunto de benefícios económicos e financeiros, que não soubemos potenciar: uma brutal redução dos custos de financiamento, a eliminação de custos de transação monetária em 70% das nossas exportações e um nível de inflação baixo. Mas também benefícios políticos: a independência do Banco Central e o não controlo pelo poder político da política monetária. A emissão de moeda nas mãos dos políticos nacionais é o caminho para o desastre.

Entretanto, a deputada Catarina Martins deu uma entrevista ao jornal “i”, em que afinal parece que a austeridade ainda não acabou e que afinal a venda do Novo Banco já está tudo bem. Parece-me que esta história da saída do Euro, tal como a “reestruturação da dívida pública”, são como a história do “Pedro e do Lobo”. São uma fábula, em que para manter uns papalvos entretidos, se grita pelo “lobo”, mas sem nunca se explicar ou avançar para tal.

Convinha dizerem de facto o que querem, e explicarem que consequências estas “brincadeiras” teriam. E neste assunto da saída do Euro, bem como no da reestruturação da dívida pública, convinha que passassem das palavras, e apresentassem os estudos. Já vai demasiado tempo a falar do assunto para o ter estudado.

No fundo, seria transformar Portugal na Venezuela da Europa. Na semana passada, o governo da Venezuela (além do golpe de Estado em curso) proibiu as padarias de produzir bolos. Parece que a causa é a escassez de farinha, necessária para produzir pão. Qualquer economista sério dirá que é o falhanço do modelo socialista (na Venezuela e em qualquer outro lugar). O Bloco e o PCP dirão que é uma medida de saúde pública para combater a obesidade e a diabetes.

Que o PS (um partido Democrático e Europeísta, de Soares, Zenha ou Medeiros Ferreira), ande atrelado a esta gente, apenas diz do estado a que chegámos. E não me canso de citar Maquiavel: “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”.

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Sair do Euro?

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