O modelo falhou. Qual?

  • José Gusmão
  • 18 Outubro 2016

Comecemos pelo mais simples: a recuperação de rendimentos falhou na redinamização da economia? A resposta é simples: não.

Há uma tese que está a percorrer o discurso da direita sobre o Orçamento do Estado para 2017 e que se pode resumir assim: o modelo da política económica em 2016, assente na devolução de rendimentos, falhou e o Governo, reconhecendo esse facto, ter-se-ia conformado e adotado as políticas recomendadas por Bruxelas, apostando no investimento e nas exportações.

Comecemos pelo mais simples: a recuperação de rendimentos falhou na redinamização da economia? A resposta é simples: não. No primeiro semestre de 2016, o crescimento do consumo privado foi o fator mais dinâmico da economia, compensando as dificuldades do contexto externo e a quebra no investimento. Além disso, os números medíocres do PIB e do investimento escondem uma evolução surpreendente do emprego, que pode estar relacionada com o facto de o emprego estar a ser criado em empresas que estariam a operar abaixo da sua capacidade produtiva. Uma coisa é certa: sem a política de recuperação de rendimentos, os números da economia seriam bem piores.

Já no que diz respeito às exportações, estas análises recorrem a dois artifícios:

  1. O primeiro artifício é a ideia de que a desaceleração das exportações decorre de uma perda de competitividade decorrente do recuo nas reformas estruturais, aumento do salário mínimo, etc. Este argumento esbarra em alguns factos bem conhecidos: a queda do preço do petróleo, por si só, chegaria para explicar a desaceleração nas exportações de bens através do seu impacto nos produtos petrolíferos refinados (ver Ricardo Paes Mamede aqui). Além disso, a evolução nos mercados de Angola, EUA e, com menos importância, China e Brasil, produziu quedas abruptas nas exportações para estes países. A recuperação das exportações prevista por todas as entidades decorre da previsão de uma recuperação nestas economias. Assim, o argumento da direita consiste em responsabilizar o governo pela evolução destas economias em 2015 e tomar a reaceleração na Procura Externa relevante (de 2,4 para 4,2%) como prova de uma mudança de política do governo. Mas serão repostas as reformas estruturais revertidas? Não. Será congelado o salário mínimo? Também não.
  2. O segundo artifício é já habitual. Consiste no hábito exótico da nossa direita de só olhar para um prato da balança comercial, o das exportações. Esse hábito tem motivações ideológicas. Concentrar todos os olhares nas exportações favorece a estratégia da direita de desvalorização dos salários. E, no caso particular do ano de 2016, desvia as atenções da melhoria significativa do saldo comercial de 0,7% para 1,5%, devida também, obviamente, à evolução do preço do petróleo.

Mais interessante é a questão do investimento em geral e a do investimento público em particular. Vou saltar por cima da falta de decoro exibida nesta matéria por quem presidiu ao maior colapso do investimento da nossa história democrática. Entre 2010 e 2014, o investimento caiu 11,3 mil milhões, dos quais 6 mil milhões de investimento público. Curiosamente, esta tendência só foi invertida em 2015, com um aumento do investimento público, fortemente concentrado no primeiro semestre, no que poderemos classificar como um keynesianismo de eleição. Ou, pelo menos, de campanha. Que resultou. O descaramento da direita ombreia neste domínio com os seus discursos de hoje sobre aumentos de impostos e insensibilidade social.

Mas é verdade que a questão do investimento público é decisiva e as dimensões são inúmeras: criação direta de emprego, mobilização do investimento privado e captação de fundos estruturais, promoção de serviços públicos de excelência e atração de investimento, alteração estrutural e substituição de importações. Desse ponto de vista, a diminuição do nível de investimento público operada pelo atual governo em 2016, batendo o recorde mínimo de 2015 é preocupante e não há, infelizmente, grandes mudanças a este nível para 2017.

Falemos então de modelos. Entre 2010 e 2014, o défice foi reduzido em 12,5 mil milhões de euros, cerca do dobro da quebra do investimento público e pouco mais do que a quebra de investimento total. Para usar os termos de Teodora Cardoso, qual a racionalidade económica destas escolhas? Qual a racionalidade económica de um quadro institucional que obriga uma economia recentemente empurrada para uma recessão desnecessária, com níveis recorde de desemprego e emigração em massa a promover uma redução do défice de 0,8%, atingindo um excedente primário de 2%, investimento incluído?

Tem razão quem critica o actual governo por manter o investimento público em mínimos históricos mas convém que não se fique por aí e critique o modelo que criou estas regras e engendrou uma Zona Euro de crescimento anémico, desemprego recorde e desequilíbrios externos crescentes. Foi esse modelo que falhou. Tem falhado repetidamente. Tem falhado ad nauseam. Não é preciso ser radical para o criticar. Basta simplesmente querer mobilizar o que a história económica nos ensinou para proteger o grau de civilização que a Europa conseguiu atingir. Antes de haver Euro, claro. Porque depois tem sido a barbárie…

  • José Gusmão

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