De má-fé

Os pagamentos do Estado em atraso estão a aumentar. Pôr o Estado a pagar a tempo e horas faria mais pelo investimento em Portugal do que quaisquer palavras ocas vindas de políticos.

Este ano, pela primeira vez desde 2011, tudo indica que voltaremos a assistir ao crescimento dos pagamentos em atraso, isto é, há mais de 90 dias, por parte do Estado. Trata-se de um problema grave, com impacto negativo na tesouraria e na vida das empresas, desfavorável ao clima de confiança sem o qual se vai penalizando o investimento em Portugal.

Um Estado de má-fé é meio caminho para um estado de anarquia. Por isso, é tão importante a segurança institucional associada aos valores da confiança e da previsibilidade contratuais.

Ao invés, ao incumprir os seus compromissos contratuais, o Estado é o primeiro a corromper os princípios éticos sem os quais uma economia não irá prosperar. E na verdade, se as administrações públicas, que representam quase metade do PIB, são as primeiras a dar o mau exemplo, o que se pode assim esperar, ou até mesmo exigir, dos demais agentes económicos?

Bem sei que vivemos na era do imediato. Vivemos numa época em que mais vale um “soundbyte” bem colocado do que um argumento bem desenvolvido. É a retórica em prejuízo da dialéctica. Tentar contrariar esta tendência pode não conquistar muitos “likes”, mas poderia contribuir para remover a apatia em que frequentemente caímos. Criando uma vaga de fundo que censurasse impiedosamente o Estado. Que tornasse o Estado permeável à opinião pública. Que fizesse racional uma maior participação dos cidadãos. Cidadãos soberanos, e não súbditos.

Segundo dados da Direcção-Geral do Orçamento, no final de 2011 a dívida a fornecedores do Estado português era de 5.783 milhões de euros. Destes, 5.263 milhões (91% do total) correspondiam a pagamentos em atraso há mais de 90 dias. Quatro anos depois, no final de 2015, o valor havia baixado para 2.192 milhões de euros, dos quais 921 milhões em atraso (42%). E este ano, à data de Setembro, a dívida do Estado a fornecedores situava-se em 2.359 milhões de euros, dos quais 1.120 milhões por pagar há mais de 90 dias (47%). Um aumento da dívida não financeira face ao final de 2015 e, sobretudo, do rácio de atrasados face à dívida total.

É certo que o acréscimo de atrasados registado em 2016 tem estado essencialmente relacionado com o descalabro orçamental que hoje se vive nos hospitais públicos, onde em alguns casos os prazos médios de pagamento excedem os 400 dias. Mas esta imoralidade não se circunscreve aos hospitais. Há mais situações, e casos ainda mais ultrajantes.

É o que se passa na administração local, onde se encontram dezenas de municípios com contas atrasadíssimas. Incluindo, segundo dados públicos, quatro municípios com prazos médios de pagamento – prazos médios, repito – superiores a 1.000 dias! O Estado português, que todos os dias subtrai recursos aos seus cidadãos coercivamente, é também o maior caloteiro deste país.

Assim, pôr o Estado a pagar a tempo e horas faria mais pelo investimento em Portugal, do que quaisquer palavras ocas vindas de políticos cheios de si mesmos. Um Estado de boa-fé, para variar.

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