Editorial

A contra-reforma da habitação

O Governo, afinal, gosta de reformas. Mas daquelas que imobilizam, uma contra-reforma tão popular como populista.

O primeiro-ministro anunciou uma reforma no setor da habitação e, confirma-se, mais valia que não o tivesse feito. Os objetivos serão bondosos (vamos acreditar nisso), mas as propostas são, essencialmente, uma mistura entre a tentativa de regressar a um certo condicionamento do mercado imobiliário, medidas que podem revelar-se totalmente contraproducentes para os segmentos que o governo quer proteger e incentivos fiscais que não vão convencer ninguém. Reforma? Sim, daquelas que imobilizam.

Em primeiro lugar, o governo conseguiu pôr no léxico popular a ideia dos inquilinos precários na habitação, uma fórmula política simples e eficaz de mostrar que este é um governo que se preocupa com os mais desfavorecidos. Já tinha sido assim com os trabalhadores precários, agora com os inquilinos precários, como se os proprietários fossem os maus da fita por defenderem os seus interesses. Fica em causa o direito de propriedade privada, a liberdade de uso, mas o que vale isso em comparação com uns votos? E assim se justifica uma reforma, ou melhor, uma contra-reforma, daquelas que, como noutras áreas, tenta reverter o que de bom foi feito, em vez de tentar corrigir os efeitos não previsíveis do que permitiu uma dinâmica única no mercado, excecionalmente positiva, mas com danos colaterais que é necessário ultrapassar.

As medidas para o mercado habitacional – anunciadas pelo próprio primeiro-ministro – tentam impactar sobretudo o lado da procura de casas, quando deveriam incidir em acelerar a oferta de casas no mercado, precisamente para estabilizar os preços. Mas este modelo de intervenção, sabe-se, demora tempo, não produz efeitos imediatos, desde logo eleitorais. É por isso que o Governo segue o outro caminho, aquele que lhe permite falar a um eleitorado que, hoje, está sob pressão. Não por causa das mudanças da lei de Cristas, ou não apenas por isso, mas por uma coisa que o próprio governo todos os dias salienta e vende como mérito seu, o sucesso de Portugal no turismo. Este é apenas um dos paradoxos do plano. Vale, aqui, a pena citar um artigo recente de Vera Gouveia Barros no ECO. “O Monopólio a recuperar o sentido”.

Talvez a única medida apresentada do lado da oferta seja a redução do imposto liberatório sobre as rendas associadas a contratos de longo prazo, mas o historial de instabilidade política associado à ambição limitada nesse corte permitem antecipar que não será por aqui que haverá mais casas disponíveis para arrendamento no mercado. E, sem isso, os preços não vão baixar, nem sequer estabilizar. Quem acredita que nos próximos dez anos um qualquer governo, inclusive este que está agora em funções, não mudará a lei, e as condições fiscais agora seguidas?

Depois, há duas linhas de intervenção, qual delas a pior. A manutenção dos contratos congelados por mais uns quantos anos, por um lado, e a proteção dos inquilinos com mais de 65 anos. Se na primeira dispenso-me de identificar os seus malefícios, foi aliás, por medidas como esta que chegámos até aqui, a segunda é pior, e é pior para os próprios inquilinos que agora o governo tenta proteger.

Desde logo, não haverá contratos no mercado ‘a preços de mercado’ para os inquilinos com mais de 60 anos ou com a duração superior a cinco anos. Qual será o proprietário que vai arriscar não poder usar um bem que é seu, sua propriedade, porque o Estado garante um contrato vitalício aos que têm mais de 65 anos? Isto é tão óbvio que chega a ser chocante a ideia agora apresentada. Do mal, o menos, as rendas para quem já tem 65 anos poderão ser atualizadas e o Estado suportará a diferença, não fazendo dos proprietários um ‘estado social forçado’. O Estado pode e deve apoiar os mais desfavorecidos, com direito a uma habitação digna, mas deve fazê-lo sem põr em causa a propriedade individual, e os direitos dos senhorios.

Tudo somado, a contra-reforma é curta onde deveria ser ambiciosa e tenta resolver os problemas da procura quando deveria estar centrada na oferta. Assim, não vai resolver nenhum problema e só arrisca agravar os que já hoje existem.

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