Empresas aplaudem fim do IVA alfandegário. É uma ajuda à tesouraria

O dia 1 de março marca o fim do IVA alfandegário para as empresas que optem pelo novo regime. A medida é bem recebida por empresas e especialistas.

“Agora dormimos muito mais tranquilos e para as empresas é muito bom”. As palavras são do presidente do Conselho de Administração do grupo Rangel e referem-se às mudanças no âmbito do IVA alfandegário, que pode agora ser substituído por outro modelo. A partir deste mês, as empresas que optem pelo novo regime deixam de ser obrigadas a adiantar IVA ao Estado no momento em que importam mercadorias de fora da União Europeia. A medida, que já tinha sido implementada para um grupo restrito de bens, passa a ser generalizada. Mas é opcional e depende de alguns requisitos.

“É uma medida com a qual nos congratulamos e que vai diminuir o nosso risco de crédito”, diz Eduardo Rangel ao ECO. “No nosso caso, corríamos alguns riscos porque éramos nós que pagávamos o desalfandegamento dos nossos clientes”, explica ainda o presidente do grupo que atua na área da logística, acrescentando: “Havia sempre clientes que se atrasavam no pagamento e outros até que nem chegavam a pagar porque faliam, por exemplo, ainda que nós fossemos extremamente cautelosos”. Agora, “eliminam-se riscos e torna-se tudo mais flexível”, remata.

No caso concreto do grupo Rangel, o pagamento não era imediato na alfândega:Tínhamos uma garantia e podíamos pagar no dia 15 do mês seguinte”, refere o presidente. E os valores eram elevados: “Chegamos a ter garantia de cinco milhões de euros mensais”.

Quem também aplaude o novo modelo é a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP). “Esta medida facilita a vida às empresas e dá folga às suas tesourarias”, diz Paulo Vaz. O diretor-geral salienta que foi a ATP que sugeriu a mudança no âmbito do programa Capitalizar e aponta para os resultados de um estudo feito então, que concluía que “o fim do regime alfandegário teria um impacto na tesouraria das empresas do setor no montante de 30 milhões de euros por ano”. “Se multiplicar isto pelos diferentes setores de atividade, percebe-se que estamos a falar de um impacto significativo na vida das empresas”, nota.

Esta medida facilita a vida às empresas e dá folga às suas tesourarias.

Paulo Vaz

Diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP)

Muitas das empresas da metalurgia já beneficiavam do novo regime desde setembro, quando este foi implementando ao nível de um grupo específico de bens, explica, por seu turno o vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP). Por isso, a medida “tem um impacto reduzido” no setor, indica Rafael Campos Pereira. “Além de que existem empresas que estão a fazer importações via Antuérpia, que já beneficiava deste regime”, diz ainda. Contudo, o vice-presidente da AIMMAP assume que “obviamente” está em causa “um alívio para a tesouraria das empresas”.

Também Afonso Arnaldo, partner da Deloitte, explica que “o grande impacto positivo da medida é financeiro”. “A experiência que nós temos até ao momento é que a generalidade das empresas em que as importações têm um peso significativo estão a aderir ao regime”, conta ao ECO.

O que está em causa?

Até agora, quando as empresas importavam mercadorias de países fora da União Europeia, tinham de pagar às alfândegas o IVA relativo a essa importação, explica Afonso Arnaldo. Depois, “as que tinham direito a recuperar o imposto podiam incluir o IVA que pagaram na sua declaração periódica”, continua. Se, aí, o IVA das vendas globais fosse superior ao das compras, a empresa acabava por pagar menos imposto mas, se fosse superior, ficava com um crédito — “e aí, das duas uma: ou passa para o período seguinte ou pede reembolso”, diz. Por exemplo, em março, uma empresa “põe o imposto que pagou em janeiro a seu favor”, o que significa que este regime tem “um impacto financeiro de um mês e alguns dias”, nota o especialista.

Com o novo modelo, que é facultativo, a lógica muda. As empresas “podem aderir a um regime em que as alfândegas deixam de lhes liquidar o IVA das importações”. E, portanto, o impacto associado ao regime anterior desaparece: “Na mesma declaração, a empresa põe imposto a favor do Estado — que não teve de desembolsar — e também a seu favor, o que dá zero”. “A declaração passa a ser igual à que existe no caso de importação de bens de outro estado-membro da União Europeia”, conclui o partner da Deloitte.

O impacto é maior no caso de empresas que importam e depois exportam, frisa, por seu turno, o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Carlos Lobo. Recordando que as exportações estão isentas de IVA, o partner da EY explica que, até aqui, “quando havia importações para exportação, a administração exigia à cabeça, no momento da importação, um valor de IVA, e depois, quando havia a transformação em exportação, devolvia o montante correspondente, ou seja, tinha que se pedir um reembolso”. Amílcar Nunes, também da EY, acrescenta: “Na prática, o Estado autofinanciava-se pelo valor dos créditos até ao momento em que os contribuintes resolvessem pedir esse dinheiro de volta. Acontece que alguns não pediam porque não sabiam que podiam pedir, alguns tinham receio de pedir e eventualmente outros pediam mas o processo demorava muito tempo”.

E o sistema podia originar “desvios de comércio”, nomeadamente para Espanha, que já tem este modelo “há bastante tempo”, salientam os fiscalistas. Por tudo isto, a mudança de regime era solicitada pelos operadores. “Mesmo quando fui secretário de Estado tentei aplicá-lo, mas em termos informáticos ainda não havia maturidade ao nível das alfândegas para a sua aplicação, porque isto implica um controlo” e uma “máquina informática bem robusta”, refere Carlos Lobo.

O impacto também é sentido do lado dos despachantes. “Muitas vezes o pagamento do IVA não era direto no momento da importação” porque os despachantes utilizam uma garantia que “assegura que o pagamento daquele IVA ao Estado ficaria sempre salvaguardado”, adianta ainda o fiscalista. Sem IVA a pagar, “deixa de se justificar a garantia”, acrescenta.

É uma medida com a qual nos congratulamos e que vai diminuir o nosso risco de crédito. A partir de agora, o desalfandegamento não é liquidado na alfândega, mas sim pago na contabilidade das empresas. No nosso caso, corríamos alguns riscos porque éramos nós que pagávamos o desalfandegamento dos nossos clientes.

Eduardo Rangel

Presidente do conselho de administração do grupo Rangel

O novo sistema tem várias vantagens: “Em termos de custos de cumprimento, de encargo financeiro para o sujeito passivo, de volume de trabalho para a administração tributárias e de competitividade com outras jurisdições, nomeadamente com Espanha”, notam os especialistas da EY.

O fiscalista Tiago Caiado Guerreiro também vê muitos pontos positivos: “Aumenta a competitividade das empresas, diminui o sobre-endividamento das mesmas, facilita várias operações comerciais, é uma medida positiva que gerará mais receita para o Estado através do crescimento induzido nas empresas”, nota.

Quem pode aderir?

Para aderirem ao novo modelo, as empresas têm de estar abrangidas pelo regime de periodicidade mensal (quem está no regime de IVA trimestral só pode alterar para o mensal em janeiro) e contar com a situação contributiva regularizada. Além disso, têm de praticar exclusivamente operações sujeitas e não isentas ou isentas com direito à dedução. Se quiserem optar pelo novo regime, têm ainda de fazer o pedido à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), no Portal das Finanças, até ao 15.º dia do mês anterior àquele em que pretendem que ocorra a aplicação do novo modelo.

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