Pobre Brasil

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • 25 Maio 2017

A destituição de Temer não é um dado adquirido e as suas consequências são imprevisíveis.

Quando pensamos que o Brasil “tocou no fundo”, descobrimos sempre que a queda pode ser ainda maior. No início de 2015, tornava-se evidente que a economia brasileira estava em queda e que o longo ciclo de crescimento e de distribuição da riqueza chegara ao fim. O ano seguinte foi o da crise política, com a destituição de Dilma Rousseff a pôr a nu a falência do sistema político brasileiro e a incapacidade de auto-regeneração das instituições.

Em paralelo, a “Lava-Jato”, a mais vasta operação policial e judicial da história da democracia brasileira, ceifava os vários partidos do país e tornava oficial o que há muito era informalmente dado por adquirido: a corrupção está profundamente enraizada na gestão pública brasileira, tem relações íntimas com as grandes empresas privadas do país e é politicamente transversal. Num primeiro momento, os procuradores baseados no estado de Curitiba pareciam estar sobretudo concentrados no Partido dos Trabalhadores e no seu líder histórico, o antigo presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Dilma Rousseff foi, entretanto, substituída por Michel Temer que alterou a base política de apoio do governo, procurando implementar um plano de reformas considerado pelos sectores liberais como essencial à recuperação económica. A popularidade de Temer foi, desde o início, inferior à de Dilma, mas a grande aposta dos que o apoiavam residida na sua capacidade de fazer aprovar medidas que revertessem, num curto espaço de tempo, a inflação e que restituíssem alguma credibilidade ao Brasil nos mercados. Nada disto funcionou: as reformas estão dependentes das mesmas instituições políticas que trouxeram o Brasil até esta crise e têm elevados custos políticos para deputados e senadores que as aprovem, o que, na prática, as congela.

Paralelamente, a “Lava-Jato” continuou o seu curso, como um elefante numa loja de cristais, e foram surgindo escândalos atrás de escândalos, à medida que as investigações avançavam. A “delação premiada”, um controverso (mas eficaz) instrumento jurídico que permite permutar anos de prisão por colaboração com a justiça, incentivou vários empresários a expor os esquemas de financiamento com os quais, durante anos, alimentaram as arcas dos partidos e as contas no exterior dos políticos. Foi preciso muito pouco para que o próprio Temer fosse arrastado para o furacão e para que fossem postos a nu os esquemas do seu Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

A destituição de Temer não é um dado adquirido e as suas consequências são imprevisíveis. Neste momento, a Constituição brasileira não permite uma eleição directa do presidente por estarmos relativamente perto do fim do mandato e uma alteração constitucional parece muito difícil no actual clima de confronto entre partidos. Por outro lado, uma eleição indirecta poderia servir para deteriorar ainda mais a confiança nas instituições e agravar o estado comatoso em que o Brasil se encontra, acelerando um cenário semelhante ao da Argentina que, entre 19 de Dezembro de 2001 e 1 de janeiro de 2002, viu cinco pessoas passar pela presidência.

Com o Estado e os processos de tomada de decisão das grandes empresas paralisados (algumas têm mesmo a sua actividade interdita em determinados países pelas regras de concursos públicos relativas à transparência) e as reformas suspensas só existe uma certeza: este não será o ano da recuperação económica brasileira. Uma vez mais, o gigante foi adiado.

Nota: Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • Presidente da Câmara de Comércio Portugal – Atlântico Sul e professor universitário

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