Os portugueses no mundo: um grande Império?

Os portugueses são tendencialmente muito orgulhosos da sua História.

Quando encontro um português por esse mundo fora e digo que sou historiador económico, rapidamente a conversa é levada para as imensas terras que supostamente conquistámos… o mundo era nosso, descobrimos tudo e mais alguma coisa e, a certa altura, tínhamos um império enorme! E Portugal ficou muito rico por causa de tudo isso!

Só há um problema: nada disso aconteceu.

A narrativa é falsa, e quem nela acredita é, sem o saber, vítima de propaganda, vinda bastante de trás mas com enorme dificuldade em desaparecer.

Vamos por partes. A primeira coisa a compreender é que Portugal nunca teve um império terrestre. Nem podia ter tido.

Há possíveis excepções? Sim. Talvez o Brasil e certas partes de África, no último caso já no século XX. Mas em ambos os casos a presença concentrou-se na costas e no interior foi sempre muito limitada. No caso do Brasil a população Europeia só atinge um número significativo com a corrida ao ouro (que se localizava no interior), no século XVIII; mas não é isto que as pessoas têm em mente quando falam de um “grade império”.

Vou aqui falar do período 1500-1800, por ser neste período que incidem os maiores mitos.

Neste período, a Europa não estava muito à frente da Ásia, em termos de riqueza, nem em termos científicos ou tecnológicos. Aliás, até há uma tese muito famosa, de Kenneth Pomeranz, segundo o qual, mesmo em 1800, as partes mais ricas da China eram tão ricas como as partes mais ricas da Europa (“A Grande Divergência” – este livro já está traduzido em Português). Também vale a pena explorar o site dedicado a estes assuntos, de Bin Wong e Pomeranz, disponível aqui.

Em relação a 1800, é hoje certo que esta tese é exagerada. Mas em relação ao período 1500-1700 é plausível. Aliás, os primeiros viajantes portugueses a chegar à China (como por exemplo Gaspar da Cruz) elogiavam o nível de vida dos chineses, em comparação com aquilo que conheciam de Portugal (e estes ensaios estão disponíveis, por exemplo, na edição de Charles Boxer).

Veja-se em baixo a comparação do navio do início do século XV utilizado por Zheng He, ao serviço da dinastia chinesa Ming (que atingiu a costa de Moçambique), com a nau São Gabriel, de Vasco da Gama (uma nau, porque a caravela da armada, São Miguel, ainda era mais pequena). Aqui fica um link com mais informação para quem queira saber mais. Notem, no entanto, que no século XVI, quando Portugal chegou à China, eles já não sabiam construir estes navios.

Ainda por cima, mesmo que a Ásia estivesse um pouco atrás, em termos de riqueza por pessoa, tinha uma população muito maior que a europeia – mais de 350 milhões em vez dos 75 milhões que existiam na Europa por volta de 1600. O tipo de rácios populacionais que existem hoje não são de agora.

Isto é importante para perceber porque é que Portugal nunca poderia ter tido um império terrestre na Ásia. O que Portugal teve foi um “império” marítimo, apoiado pelas duas tecnologias militares nas quais a Europa tinha, de facto, superioridade sobre outras civilizações: a construção de embarcações militares com canhões prontos a afundar quem quer que fosse (por exemplo, no Índico isso incluía quem não pagasse o “cartaz”, ou seja, quem não cedesse ao que, na prática, não era mais que extorsão por parte dos portugueses), e a construção de fortalezas. Eram apenas estas duas tecnologias, as quais, evidentemente, se apoiavam mutuamente, que permitiam uma superioridade militar marítima. Qualquer invasão terrestre seria rapidamente suprimida.

Tonio Andrade conta de forma soberba, em “Lost Colony”, a história da defesa holandesa da ilha de Taiwan quando foi invadida pelo pirata Koxinga, que continuava a apoiar os Ming depois do golpe de estado Qing na China. Há duas coisas importantes a perceber aqui. Em primeiro lugar, os holandeses só foram desalojados por causa de algo que se tinha passado na China a nível político e que nada tinha a ver com os europeus. Ou seja, os europeus na Ásia eram actores passivos no filme principal. Em segundo lugar, quando os chineses invadiram, a tecnologia militar europeia serviu de pouco, especialmente em combate terrestre, onde uma divisão de mosquetes, com a sua lenta cadência de tiro, foi rapidamente massacrada por um enxame de chineses com setas e catanas. A fortaleza foi, efetivamente, capaz de resistir algum tempo, apenas por ser um contexto marítimo e porque os chineses não tinham pressa (nem aquele era o exército principal, longe disso), mas acabou por cair com alguma facilidade.

Também no Japão, os portugueses foram expulsos com relativa facilidade, logo que o imperador tomou essa decisão. A última armada diplomática, enviada por Macau no final do século XVI com o objectivo de melhorar as relações políticas, de modo que o comércio pudesse retomar, foi rapidamente capturada e todos os seus participantes executados.

A presença portuguesa limitava-se, por isso, a pequeníssimos territórios junto da costa, constituídos pelas fortalezas e pouco mais. E mesmo a existência desta dependia do equilíbrio de poderes locais (Índia) ou da tolerância e boas relações (China e Japão, enquanto durou). Quem já esteve em Macau terá visto as portas, que os locais podiam fechar se quisessem, matando os portugueses à fome. Os portugueses estavam à sua mercê.

Algo parecido passava-se com os espanhóis em Manila, nas Filipinas. Aliás, os espanhóis, em êxtase depois da sua “conquista” da América Central e do Sul, pensaram até, inicialmente, em tentar “conquistar” a China, um plano que rapidamente abandonaram quando perceberam a escala do que estava em causa – e a falta de ajuda dos “germes” que tinham sido essenciais no caso americano.

No século XVI, os portugueses conseguiram conquistar Ormuz (por Afonso de Albuquerque, em 1507), controlando assim a entrada no Golfo Pérsico. Mas, para poderem ter o monopólio do transporte de especiarias para a Europa (ou seja, para aumentarem tremendamente o custo do transporte terrestre), precisavam de controlar também Aden (atualmente no Iémen), controlando assim o Mar Vermelho. Sempre em guerra com os Otomanos (por vezes apoiados por Veneza), os portugueses nunca conseguiram controlar este porto por mais do que pouco tempo. Falharam.

mapa

O livro de Sanjay Subrahmanyam, centrado no caso da Índia, mostra bem como Portugal era tantas vezes pouco mais que um peão num mundo de actividade que existia na Ásia (a primeira edição deste livro existe traduzida em português).

Como já mencionei, durante este período só no Brasil, já em pleno século XVIII, Portugal colonizou o interior, mas apenas pequenas áreas e num contexto muito específico relacionado com a extração e transporte do ouro. Até lá, só uma fina parte da costa estava ocupada (e foi por pouco que os holandeses não desalojaram os portugueses da Baía de forma permanente).

Em resumo: nunca existiu império territorial. E mais: Portugal nunca ficou rico devido a quaisquer impérios. Mesmo quando o império mais importou para a economia portuguesa – no século XVIII e não no XVI – o seu impacto foi apenas moderado. Sem o império, o rendimento per capita do país teria sido, já no século XVIII, um quinto ou um quarto mais baixo, no máximo. Antes, o impacto foi ainda menor. Não é negligenciável, mas não foi suficiente para travar o atraso que se instalava relativamente à fronteira europeia.

E mais, com a inevitável perda do Brasil que aí viria, o Império era um motor de crescimento com os dias contados. (Mais tarde a aposta em África seria uma desilusão ainda maior.) Portugal iria ficar para trás durante o século XIX, e teríamos de aguardar pelos meados do século XX para começar a convergir para os níveis de rendimento da Europa Ocidental.

  • Senior Lecturer (Associate Professor), Department of Economics, University of Manchester

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