Os números esquecidos
A arte da prestidigitação prende-nos o olhar num lado, quando o que realmente interessa se passa noutro. É este o orçamento para 2019.
Este orçamento não é um passe de magia, mas o debate focou-se no menos relevante: aumento de pensões e salários; uma política mais ou menos eleitoralista para vencer eleições no próximo ano. Esqueceu a produtividade. Omitiu a demografia. Obviou o parco crescimento do PIB per capita na última década e meia.
Os premiados deste orçamento são os funcionários públicos e os reformados. Em sentido contrário, as empresas. Mas pergunta-se: alguém contesta que uma folga orçamental seja usada para aumentar pensões baixas? Depois de uma década sem aumentos, qual o político que ousa desaproveitar um aconchego a 700 mil funcionários públicos? Seria inábil não seduzir as duas maiores famílias do grande colégio eleitoral.
A classe média por conta de outrem, aquela que pagou os efeitos da crise com desemprego, invulgar aumento de impostos e corte de salários, ficou à margem. Mas fazer política é fazer opções. A alternativa seria baixar a carga fiscal, aquela que aumentou o triplo da média europeia entre 2012 e 2017, e dar um sinal transversal à economia. Uma mensagem a pensar na competitividade e no fim de uma certa gulodice do Estado.
O que fica é o futuro: a despesa sobe 2,5 mil milhões e será sempre um encargo nos anos vindouros. Tudo o que é conjuntural e volátil – receitas oriundas do turismo, das exportações e do aumento da actividade económica – cresce 3,5 mil milhões de euros. It’s the economy, stupid! Mesmo se há Brexit à porta, Itália em modo histérico, guerra comercial de Trump à China e petróleo forte. No fundo, uma recessão internacional que se insinua e que só ainda não anunciou a data oficial com festa de inauguração.
Mas olhemos para o outro lado, para mão que, com desvelo, ilude a realidade e faz esquecer alguns rácios. O que impressiona, apesar de todo o sucesso de um turismo que transformou o centro das cidades de Lisboa e do Porto – e que já pesa um quinto nas exportações -, é que a abertura comercial portuguesa é ainda deficiente quando comparada com outros países europeus de igual dimensão.
O que preocupa é que a taxa de poupança das famílias portuguesas é das mais reduzidas no espaço da União e, sobre isso, nem um incentivo no Orçamento. Seja para empresas ou famílias.
O que espanta é que a demografia encaminha-nos alegremente para os mais envelhecidos na vetusta Europa. E nem uma ideia de como reverter este esclerosamento social e económico, funesto se pensarmos nos custos de saúde e na incapacidade de termos quem gere rendimentos para suportar quem já se reformou.
O que angustia é que desde 2004 a produtividade cresceu apenas 2%. Contas feitas, o crescimento económico português resultou maioritariamente da descida do desemprego, de estar mais gente a trabalhar, sem que isso signifique produzir melhor, com mais valor ou de forma competitiva.
Não podemos ficar surpreendidos por Portugal estar a cair no ranking europeu quando o presente é prioritário face ao futuro. Sobre riqueza, é melhor determo-nos em Goethe: “ Não podemos possuir o que não compreendemos”.
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