Graças a Deus que não se passa nada que nos inquiete

À falta de temas relevantes, esta é uma viagem rápida a vários assuntos menores que apenas servem para entreter a nossa “silly season”.

Passou um mês sobre a tragédia de Pedrógão Grande, onde morreram 64 pessoas, e temos hoje tantas certezas sobre o que se passou como na noite dos acontecimentos, que é nenhuma, porque nestas quatro semanas, assistimos a um “lavar de mãos” do poder político que, fingindo não ser nada com ele, optou por fazer perguntas, muitas, aos “serviços” e as respostas geraram uma zaragata de argumentos, desmentidos e contradições múltiplas, a PJ a ser contrariada pelo Instituto de Metereologia, a Protecção Civil que não se entende com a secretaria-geral da Administração Interna, os bombeiros discordam de todos, há denúncias graves de partidarização das estruturas locais de apoio, desconhece-se o que está a ser feito com os mais de 13 milhões de ajuda solidária para as vítimas da tragédia, não há listas oficiais de vítimas, prejuízos ou apoios já concedidos com montantes e nomes de beneficiários à frente como deveria acontecer em qualquer sítio civilizado e com respeito pelo dinheiro dos cidadãos que, na sua boa fé, tentam ajudar como podem, há familiares de vítimas a fazerem apelos e denúncias públicas sobre a inoperância dos serviços de apoio pós-tragédia, mas ninguém dá a cara por nada, o SIRESP diz que funcionou sem falhas, o primeiro-ministro diz primeiro que terão sido “falhas de menor relevância”, mas dias depois aproveita essas falhas para atacar a empresa a quem há uma década contratou o sistema, mas que entretanto mudou de accionistas, do Grupo Espírito Santo e da Ongoing para o grupo Altice, que acabam de anunciar o acordo para a compra da Media Capital, que é dona da TVI, a televisão líder de audiências, que durante o último governo socialista foi cobiçada pela antiga PT num processo nada transparente que envolveu esse mesmo governo chefiado por José Sócrates, na mesma altura em que a empresa vendeu e comprou no Brasil em operações que estão a ser investigadas pela Justiça e que provocaram a derrocada da empresa de telecomunicações, uma queda acelerada pelo “buraco” dos empréstimos ao Grupo Espírito Santo, abalo financeiro que poderia ter sido fatal se não entrassem os novos accionistas, de que o actual primeiro-ministro não gosta a ponto de ter afirmado que ele, pessoalmente, já mudou de operador de telecomunicações, numa referência inédita e nunca vista a um serviço comercial num mercado concorrencial, sujeito a regulação por um organismo para onde o actual governo acaba de nomear uma pessoa que sai directamente da regulada PT e que na década passada tinha colaborado com o mesmo governo socialista de então na negociação do SIRESP com essa mesma PT, com quem veio a colaborar logo depois, mostrando que a porta giratória entre público e privado e entre reguladores e regulados está bem, obrigado, continua bem oleada, como demonstra também a ida de mais um quadro da consultora PwC para a supervisão bancária do Banco de Portugal, como já tinha acontecido há um meses com o responsável desse serviço, sem que nada disto incomode o governo, a Assembleia da República e os deputados que na Comissão de Inquérito Parlamentar da Caixa Geral de Depósitos concluíram que não houve interferências do poder político em negócios ruinosos do banco do Estado, pois então, lá podia acontecer outra coisa quando políticos investigam políticos que não seja a conclusão que os políticos não têm responsabilidade no que corre mal, ao mesmo tempo que o Ministério Público diz que vai investigar alguns desses negócios e suspeita de ocultação de perdas na Caixa, o que não afecta a tranquilidade dos deputados no Parlamento onde a bancada do PSD tem como candidato a líder um deputado que também foi ver jogos de futebol a França a convite de privados mas justificou a falta na Assembleia da República invocando “motivo de força maior”, ao contrário do líder de bancada cessante que viajou no mesmo grupo mas preferiu justificar com “trabalho político”, assunto irrelevante para o Presidente da Assembleia da República que acha que a investigação ao Galpgate “é um mistério da Justiça”, o que não surpreende porque o mesmo responsável tinha já em tempos dito “estou-me cagando para o segredo de justiça”, o certo é que esse “mistério” levou a um “ajustamento” no governo com a saída de vários secretários de Estado, todos indicados no Diário da República como tendo saído “a seu pedido”, mesmo aqueles que não pediram nada e que disseram publicamente que tinham ficado surpreendidos com a substituição, a sorte é que o país é pacífico e até as armas supostamente roubadas dos paióis do exército estavam, imagine-se, já fora de prazo e indicadas para abate, infelizmente ninguém deu por isso na altura em que se soube do seu desaparecimento e o país passou pela vergonha internacional de nem saber cuidar das suas armas, e teve o primeiro-ministro que vir de férias para ir verificar os registo dos prazos de validade das armas e munições para descansar o país para que este possa ir, por sua vez, de férias descansado porque, graças a Deus, não se passa nada de relevante que nos inquiete e atrapalhe o nosso sossego que não seja o risco da sardinha estar ainda demasiado magrinha e a água demasiado fria nas praias do Algarve.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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