Europa, Europa, para onde vais que não te vejo

José Miguel Júdice analisa, no Jornal das 8 da TVI, a situação política na Europa. Está sobretudo preocupado com o Reino Unido e com as consequências para o projeto europeu..

Há boas notícias a curto prazo da Alemanha, o oposto de Itália e confusão total do lado do Reino Unido. No entanto, as coisas podem não ser o que parecem. Porquê?

A Europa precisa de um governo estável na Alemanha como do pão para a boca. Como dizia a minha mulher na altura das eleições presidenciais dos EUA, “todos devíamos poder votar contra o Trump”. Concordo (e como teria sido diferente…). Mas também acho que todos os europeus deveriam poder votar nas eleições alemãs, pois o nosso futuro depende mais da Alemanha do que se calhar de nós próprios…

Não podemos votar, mas apesar disso sofremos as consequências. Tudo indica – e isso é bom – que a Alemanha, a curto prazo, terá um governo europeísta e que pode durar. As cedências feitas ao SPD por Merkel foram quase todas boas para a Europa e para os europeus. Mas, a médio prazo, este governo pode destruir o modelo político alemão e criar uma situação como a que resultou das eleições em Itália.

As coisas são o que são: CDU e SPD chegaram a ter mais de 80% dos votos e em setembro do ano passado ficaram-se pelos 53%. A prazo, os partidos antissistema de direita e de esquerda podem atingir a maioria, num sistema totalmente proporcional, pois o bloco central terá esse efeito. E para que não percam é provável que acabem a fazer políticas antieuropeias.

E nada disso é estranho no duopólio que dirige a Europa hoje em dia: em França só não ocorreu o mesmo efeito nas eleições presidenciais que se realizaram meses antes, visto que o sistema eleitoral permitiu a eleição de um presidente moderado apesar de uma maioria clara ter votado em partidos antissistema na primeira volta.

Em Itália, os dados são já claros: mais de 55% dos eleitores votaram em partidos populistas antissistema. E isso prenuncia o pior, não é? Talvez não seja assim.

Os eleitorados de países periféricos (neles se incluindo os chamados PIGS – Portugal, Espanha, Itália e Grécia – e a Escócia votam para protestar e reforçar peso negocial. Não votam para atingirem o que os radicais e populistas desejam. Ora, de facto, na Escócia e na Catalunha os votantes dão maioria a partidos independentistas… mas são em maioria contra a independência.

Na Grécia, votaram em referendo a favor do que seria a saída do euro, mas não se zangaram com Tsípras, apesar de ter agido contra o resultado do referendo que convocara com vontade de o perder.

Mesmo em França, Marine le Pen perdeu muitos votos devido ao medo da saída do euro pois foi levado a sério o seu programa.

Além disso, o sistema eleitoral italiano vai dificultar a junção dos populistas. A falta de uma maioria clara em Itália vai ajudar a que não haja riscos reais de saída do Euro e ainda menos da UE, apesar do que defendem o 5 Estrelas e a Lega (e de juntos terem 50% dos votos).

Por isto tudo é que estou sobretudo preocupado hoje em dia com o Reino Unido. A diferença é que, aí, houve um referendo para saída da UE que teve sucesso. Por isso, recuar é quase impossível; mas avançar no sentido do que foi a vontade popular não se consegue, pois não há condições para que a Europa ou o Reino Unido aceitem o que a outra parte deseja. Tudo está assim num impasse que é propício a aventuras, a um ano do acordo ter de estar fechado. Como (e de novo recordo Marx como há uma semana…) foi a opção pelo Império com Napoleão III: o mundo antigo já não podia voltar e o novo ainda não podia chegar.

Claro que não acho, sinceramente, que Boris Johnson (que podia ser o líder do 5 Estrelas, pois é tão bom palhaço como Beppe Grillo) se consiga coroar imperador. Mas o que pode acontecer, quando se aproximar o deadline para a saída do Reino Unido da União Europeia, a solução pode facilmente ser a pior para os dois lados.

E é então que os dados europeus se podem complicar: é provável que, em meados de 2019, se sinta já a crise na coligação alemã e que a tentação “Alemanha acima de tudo” seja mais forte. É possível que Macron esteja enfraquecido por um mau resultado nas eleições europeias e o populismo francês a crescer. A Espanha pode continuar sem solução para a Catalunha. Os países de Leste podem estar ainda mais nacionalistas e populistas.

O meu receio é que, do lado dos países ricos da Europa, se tente recuperar o Reino Unido (através de um novo referendo), pagando para isso a diluição total do projeto europeu. Isso permitiria a Teresa May recuar e serviria para satisfazer as pulsões populistas e xenófobas.

E o receio aumenta, desde que se não esqueça que, para quem manda na Europa, um acordo com o Reino Unido que o mantenha na União Europeia é bem mais importante do que o que se passar nos países do Sul. A ver vamos, mas entretanto regressemos a Portugal.

O CDS é o melhor amigo de Rui Rio. E amor com amor se paga

Primeiro, quero recordar alguns factos: Rui Rio quer virar o PSD para a zona do PS. Rui Rio quer tratar o PS e o CDS da mesma maneira. Rui Rio sabe que o CDS quer ir sozinho a votos. Rui Rio sabe que o PS vai ganhar as eleições.

O meu querido amigo Francisco Van-Zeller (que foi presidente da CIP) disse, e cito: “os governos de esquerda sempre foram melhores para os empresários” e “se o Costa tiver a maioria absoluta despeja rapidamente o PCP e o BE. E joga sozinho”. E o líder da Jerónimo Martins (Pedro Soares dos Santos) disse a quem o quis ouvir: “Acredito muito no Dr. António Costa”.

Assunção Cristas sabe que o núcleo duro do PSD já não é o que era: nas autárquicas em Lisboa, o PSD teve 25% do voto para as freguesias, mas apenas 11% para a vereação: ou seja, quase 60% dos laranjinhas votou em Cristas. E quando não há esperança de que o voto útil faça ganhar eleições, a tendência é para votar com mais liberdade interior.

Na Primavera de 1985, as sondagens consistentemente colocavam o CDS de Lucas Pires à frente do PSD do bloco central. E se não fosse a entrada em cena de Cavaco Silva (um “mutante”, como diria Isaac Asimov), a história do sistema político português poderia ter sido muito diferente.

Depois dos factos, as evidências: A burguesia ilustrada moderada, os meios empresariais, os que não gostam da geringonça, acham que fortalecer Costa é mais racional do que fortalecer Rio. Ou seja, o mais provável é que todos pensem que o líder do PSD foi ali e já volta, derrotado.

Por isso, Rio não tem outra alternativa que não seja tentar negociar uma coligação pré-eleitoral com o CDS (até para disfarçar o fracasso). Mas o CDS, naturalmente, vai tentar um resultado nas eleições europeias que o fortaleça para negociar e para vender caro o acordo.

Este fim-de-semana, o congresso do CDS vai seguramente ser a consagração de Assunção Cristas. Ela sairá reforçada como líder, com um projeto estratégico claro (116 deputados, incluindo os do PSD), com um projeto ideológico claro (congregar tudo o que é contra o PS e a esquerda), com uma classe política mais jovem, mais moderna, mais sintonizada com os novos tempos.

E o PSD não vai ter tempo de colocar o seu instinto de sobrevivência a funcionar, defenestrando Rui Rio, como fez no Congresso da Figueira da Foz para entronizar Cavaco Silva que se apresentava tão contra a esquerda que até apoiava Freitas do Amaral para a presidência como condição para a sua candidatura a líder.

Tudo pode ser diferente? Claro que sim. Mas com os dados que temos neste momento, não acredito. Talvez por isso dentro do PSD já se diga que o CDS pode chegar a 40 deputados em 2019, quando agora tem apenas 18…

Se o PSD tiver 76 deputados, só perde 13 e ganhará as legislativas. Pois claro, não é? É só fazer as contas, como diria Guterres. Pode ser claro, mas não deve ser fácil, pois não?
A ver vamos…

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