Aumentos na Função Pública pagos pela própria Função Pública

Pode um Orçamento não ser despesista e ao mesmo tempo ser eleitoralista? Pode. Governo vai usar dinheiro das progressões para aumentar salários na Função Pública.

É difícil olhar para a meta do défice de 0,2% para o próximo ano e dizer que o Orçamento para 2019 será despesista. Não será e é mérito de Mário Centeno. Se os mercados nos penalizarem por causa do Orçamento, não será por causa do nosso, será quanto muito por causa do italiano.

Mas pode um Orçamento conservador ser eleitoralista? Pode. E este está a ser feito claramente a pensar nas europeias e legislativas de 2019. Um bom exemplo é o que se está a passar na Função Pública.

Negação

Primeiro não havia dinheiro. Há dois meses, na inauguração das obras de requalificação do IP3, António Costa foi claro: “Quando estamos a decidir fazer esta obra, estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos”.

Mas e se houvesse uma folgazinha? Nesse caso, “é mais importante contratar mais funcionários públicos do que aumentar os salários”, referiu o primeiro-ministro em entrevista ao DN.

Malabarismo

Depois desta fase de negação, o Governo passa para a fase que os sindicatos apelidaram de “malabarismo”. Apresenta uma tabela com as despesas com pessoal na Função Pública e diz que “em média, os atuais trabalhadores da Administração Pública terão um aumento ao longo de 2019 de mais 3,1% face a 2018”.

Tentar “vender” o descongelamento das carreiras como “aumento” salarial na Função Pública é aquilo que em linguagem orçamental mais brejeira se chama de chico-espertice. O problema é que além das progressões, o Governo inclui nesta média outras medidas discricionárias que foi tomando para agradar a alguns lobbies da Função Pública, como os enfermeiros. A média tem sempre esta coisa chata; se um funcionário público come dois bifes e o outro não come nenhum, em média, cada um deles comeu um bife.

Dois em um

Percebendo talvez que os funcionários públicos não são idiotas e que não compram gato por lebre, ou progressões por aumentos, o Governo cedeu e aparentemente está a negociar no seio da Geringonça aumentos salariais para 2019. Desta predisposição para negociar aumentos salariais surge a seguinte questão:

Se o Governo está a fazer o descongelamento das progressões de forma faseada até ao final de 2019, com o argumento de não ter disponibilidade orçamental, então onde é que vai buscar dinheiro para os aumentos? Partindo do princípio que encontrou alguma folga orçamental perdida algures numa gaveta do Terreiro do Paço, não faria mais sentido usar esse dinheiro para acelerar o descongelamento das carreiras?

O Governo não o faz porque assim pode ir para eleições com duas bandeiras em vez de uma. Com o mesmo dinheiro, pode fazer campanha e dizer que está a descongelar progressões e a aumentar salários, mesmo que esse aumento esteja a ser feito à custa do dinheiro das progressões.

Descongelamento só em 2020

Como se isto tudo já não fosse grave o suficiente, o Governo resolveu apresentar esta quarta-feira aos sindicatos uma nova proposta que atira o descongelamento das progressões para o final de 2020, em vez do final de 2019 como estava previsto.

Por exemplo, um funcionário que ganhasse o direito a progredir em janeiro de 2019 iria receber 50% do valor da progressão nesse mês (graças às duas fases que já passaram em 2018), 75% em maio e 100% em dezembro de 2019. Agora, com esta nova proposta, o contador para aqueles que mudam de posição remuneratória em 2019 regressa a zero. Mantém-se o faseamento e o pagamento do descongelamento em quatro prestações, mas em vez de terminar em 2019 só termina em dezembro de 2020.

O Governo previa gastar 487 milhões de euros em 2019 com o descongelamento das progressões. Caso esta medida avance, António Costa vai buscar aos 487 milhões de euros os 50 a 80 milhões que precisa para aumentar a Função Pública em 2019. Resumindo, dá com uma mão e tira com a outra e, com ambas as mãos, levanta duas bandeiras em vez de uma em campanha eleitoral.

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