A falsa ideia de que baixam os impostos

A ideia de que os impostos baixam na proposta de Orçamento do Estado de 2018 é, assim, um logro. Que não se caia nele.

Nos últimos dias gerou-se a ideia de que a proposta de OE2018 baixará os impostos. Trata-se, a meu ver, de uma ideia falsa. E é falsa porque na realidade os impostos vão aumentar. Aumentam em termos nominais e aumentam também em termos reais.

Analisemos, primeiro, o incremento nominal. Ora, segundo consta da página 199 da proposta de OE2018, o aumento dos impostos indirectos equivalerá a 1098 milhões de euros em 2018 (+4,6% face a 2017) e compara com uma redução de 225 milhões de euros nos impostos directos (-1,2% face a 2017). Há, portanto, um aumento líquido de 873 milhões de euros na receita fiscal do Estado.

Em cima destes 873 milhões, teremos ainda outros impostos de diferentes níveis da administração pública que vão elevar a variação positiva da receita fiscal para 1184 milhões (+2,4% face a 2017, conforme p.32).

Passemos agora ao incremento real, para observar o seguinte: não obstante o rácio da carga fiscal (aqui entendido como receitas fiscais mais contribuições fiscais em percentagem do PIB) baixar de 37,9% para 37,7% do PIB, a verdade é que a receita corrente aumenta de 42,7% para 42,8% do PIB (p.32) e, tão ou mais importante ainda, a receita estrutural aumenta de 43,0% para 43,6% do PIB (p.31). Moral da história, a receita aumenta, quer em termos nominais, avaliada em euros de 2018, quer em termos reais, avaliada enquanto receita corrente e estrutural em percentagem do PIB de 2018.

Desfeitos os eventuais equívocos quanto à evolução dos impostos em Portugal (há quem lhe chame o “virar a página da austeridade”!), observemos de seguida a evolução da despesa. Também aqui há um certo equívoco. Primeiro, a exemplo das receitas, também a despesa total nominal da administração pública aumenta – cerca de 2500 milhões de euros. Segundo, não obstante a redução da despesa total em percentagem do PIB, que passa de 44,8% em 2017 para 44,5% em 2018 (p.32), a despesa estrutural permanece inalterada em 44,9% e, mais importante ainda, a despesa primária estrutural até aumenta de 40,9% para 41,3% do PIB (p.31). Ou seja, o ciclo económico é altamente favorável e, no entanto, o Governo prepara-se para cristalizar despesa rígida (excluindo juros) quando poderia estar a reduzi-la. É o oposto do que se deveria fazer.

Ao aumentar a despesa rígida, o Governo coloca as finanças públicas numa situação de dupla vulnerabilidade: uma recessão económica ou uma crise financeira facilmente agravarão o défice (e a dívida) porque a receita reagirá rapidamente (em baixa) face a uma despesa relativamente mais rígida e, ao mesmo tempo, porque também a despesa, nesses cenários, seria ela própria agravada pelo provável aumento dos juros. A estratégia é, portanto, duplamente imprudente. Em suma, toda a melhoria do saldo estrutural provém do aumento da receita estrutural.

A proposta de OE2018 contém ainda elementos incompreensíveis. Por exemplo, se compararmos os mapas orçamentais por actividade de 2018 face ao de 2017 (o que pressupõe comparar a página 66 da proposta de OE2018 e a página 122 da proposta de OE2017), observamos que a despesa com a administração pública aumenta 1885 milhões de euros (um acréscimo nominal de 6,9%). Ao mesmo tempo, o Governo quer convencer-nos que a despesa com pessoal, depois de ter aumentado 528 milhões em 2017, vai apenas aumentar 70 milhões de euros em 2018! Isto em ano de descongelamento das carreiras na função pública, que representarão um acréscimo de despesa de 211 milhões de euros, e num ano em que as poupanças associadas à redução de efectivos está estimada nuns meros 20 milhões de euros. Está-se mesmo a ver o que vai acontecer: lá para o início da Primavera, o Governo tirará da gaveta o relatório “Estratégias Orçamentais 2017-2021” do deputado Trigo Pereira para justificar o que agora não quer assumir.

De resto, o caso da educação é paradigmático. Aqui está um sector da função pública identificado pelo executivo no exercício de revisão de despesa como sendo um sector onde o efeito demográfico (leia-se menos alunos nas escolas) e o combate ao absentismo permitiriam reduzir 40 milhões de euros à despesa (p.50). Não obstante, ao que parece, o Governo prepara-se para vincular mais 3500 professores.

O próprio exercício de revisão de despesa evidencia a sua ineficácia. Então, neste exercício (p.50) são identificadas redundâncias ou poupanças de 287 milhões de euros. Porém, estas poupanças são mais do que anuladas pelo acréscimo nominal de consumos intermédios no valor de 484 milhões de euros e pelo aumento de outra despesa corrente (não identificada) no valor de 352 milhões de euros (p.32). Ou seja, identificam-se poupanças na despesa de 287 milhões, mas, em simultâneo, acrescenta-se à despesa 836 milhões. No balanço, há um acréscimo líquido da despesa corrente, como aliás não poderia deixar de ser atendendo à evolução esperada da despesa primária estrutural.

Na verdade, a única despesa que o Governo, a espaços, parece querer diminuir é a despesa fiscal (leia-se receita fiscal que fica por cobrar em resultado de subsídios e benefícios fiscais). A proposta de revisão ao regime simplificado de IRS para trabalhadores independentes é disso um exemplo. Porque, sem prejuízo do alargamento do mínimo de subsistência aos recibos verdes, que é uma medida positiva, a verdade é que as alterações ao regime simplificado parecem motivadas pela convicção de que dali resulta despesa fiscal (ie, que os coeficientes automáticos permitem deduções excessivamente generosas face à actividade efectiva).

Concluindo e resumindo, a proposta de OE2018 revela-nos um executivo muito mais preocupado com a receita fiscal, do que com a despesa, face ao que à primeira vista seria de supor. A ideia de que os impostos baixam é, assim, um logro. Que não se caia nele.

Nota: Por opção própria, a autora não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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