A “cama de espinhos” dos Transportes

O sistema de transportes em Portugal precisa de uma visão de longo-prazo, estável e que otimize os recursos existentes e os novos recursos que possam ser captados.

Há um episódio do “Yes Minister” sobre o setor dos Transportes chamado “bed of nails”. O ministro Jim Hacker é chamado ao Nº 10 e é nomeado “Transport Supremo” (ou seja, responsável pela politica de transportes do UK). Quando chega ao ministério, diz ao Sir Humphrey Appleby que foi nomeado para aquele lugar, a que Sir Humphrey pergunta: “Então, quais são as boas notícias?”. O ministro responde “estas são as boas noticias”, perguntando “não acha que precisamos de uma política de transportes”?, a que Sir Humphrey responde: “Se por nós significa o Reino Unido, sim precisamos; Se por nós significa você, eu e este departamento, precisamos tanto disso como de uma abertura no crânio”.

O ministro não percebe o motivo pelo qual Sir Humphrey não está nada satisfeito, ao que este lhe explica que essa nomeação demorou semanas, que ninguém a quis, e que o “Transport Supremo” é na gíria conhecido pelo “pateta dos transportes”. E que a razão para isso é que formular uma política nacional de transportes é um desastre politico, quem o fizer ganha um voto por cada dez que perde (isto porque terá de tomar decisões, favorecendo algumas opções versus outras, satisfazendo algumas pessoas, mas enfurecendo todas as outras). O ministro argumenta que, mesmo assim, se suceder, será uma grande vitória para ele, ao que Sir Humphrey responde que se suceder só se vêm resultados após dez anos, e que ele não recolherá nenhuns louros por isso. O ministro tenta um último argumento. “Se eu suceder, isto pode ser as minhas ilhas Falkland – Malvinas”, ao que Sir Humphrey responde “sim, e você será o general Galtieri”.

Recordei este episódio a propósito do estado em que se encontra o setor dos transportes em Portugal. Tirando as autoestradas (e isso resulta do facto de muitas autoestradas não terem trafego suficiente que as justifiquem – o que significa que se investiu muitos recursos em ativos de baixa eficiência), parece que todos os outros setores estão numa situação muito difícil.

A ferrovia é o caos que se vê. Muitos comboios parados e com horários suprimidos. Viagens mais prolongadas. Greves. E no comboio urbano uma situação muito difícil na linha de Sintra, mas explosiva na linha de Cascais. A linha de Cascais é neste momento um risco elevado para quem nela circula. A isto junta-se o caos no metropolitano de Lisboa, com atrasos, permanentemente cheio, tornando-se um problema nas horas de ponta de manha e tarde.

O aeroporto de Lisboa apresenta falhas ao nível do tempo que se demora a embarcar/desembarcar. Isto resulta do elevado crescimento dos últimos anos. Do novo aeroporto no Montijo há apenas ainda boas intenções e projetos, mas, ao fim destes anos todos, a Força Aérea ainda nem sequer saiu de lá. Pior, ainda nem sequer se sabe para onde vai a Força Aérea.

Naturalmente, isto envolve dois dos ministros mais incompetentes deste governo (Defesa e Transportes, que junto com o da Educação, Saúde, Ensino Superior. Ambiente e Administração Interna compõem o lote de piores ministros deste governo).

A TAP, onde o Estado recuperou 50% do capital sem que se perceba a razão estratégica e os contornos do negócio, tem cada vez mais atrasos e uma ponte aérea Lisboa-Porto que simplesmente é caótica nos horários.

Nos portos, não vemos qualquer avanço, sem que se perceba qual a visão estratégica para o conjunto dos portos nacionais e para o único porto de águas profundas (Sines).

Tudo isto ocorre não porque não haja recursos. Naturalmente, os recursos são escassos e haverá restrições. Mas o que existe é uma má alocação de recursos. Por uma razão simples. Nunca a nível politico se definiu para o médio e longo prazo uma visão estratégica para o setor dos transportes.

E essa visão estratégica passa por responder a uma pergunta: Quais os propósitos que o sistema de transportes deve servir em Portugal?

A meu ver, o sistema de transportes deve ser construído em torno de três objetivos centrais:

  1. Garantir uma mobilidade eficiente e sustentável do ponto de vista ambiental de pessoas e mercadorias dentro do país (ou seja, que as pessoas e as mercadorias circulam dentro do país com a melhor relação custo-benefício).
  2. Garantir que as exportações de bens produzidos em Portugal são transportados também com a menor relação custo-benefício.
  3. Garantir que quem chega a Portugal como turista (particular e negócios), faz a sua entrada da forma mais eficiente possível, tendo depois a mobilidade interna descrita no ponto 1.

Ou seja, focar de forma sustentável o sistema de transportes em três vetores: 1) pessoas e carga dentro de Portugal, 2) carga para fora de Portugal, 3) entrada de turistas em Portugal. Estes três vetores estratégicos devem ser operacionalizados em torno dos seguintes princípios:

  • A) Políticas de preços que não subsidiem transportes que não tenham externalidades positivas.
  • B) Descentralização, ao nível regional/local, de parte das competências.
  • C) Concorrência entre público e privado, concessionando parte substancial do sistema de transportes ferroviário, sobretudo na malha urbana de Lisboa e Porto.
  • D) Aposta na mobilidade e na digitalização, ou seja, usar as novas tecnologias (Apps, “information mobility”, pagamento eletrónico, gestão de tráfego, inteligência artificial, etc.)

No ponto C realço o caso da Fertagus. Com o contrato a terminar em 2019, há quem defenda que a linha da Fertagus seja entregue à CP, voltando à esfera pública. Isto é desconhecer completamente a realidade. Só uma cegueira ideológica pode justificar uma posição destas. A Fertagus não é apenas a melhor linha de comboio urbano da região de Lisboa. É também uma concessão que desde 2010 não recebe um euro de dinheiros públicos. E que teve um apoio na renegociação de 2004-2005 de cerca de 100 M€, mas cujos benefícios financeiros para o Estado (na partilha de receitas) já cobriram mais de 2/3 desse valor desde então.

Já no ponto D, sugiro que olhem para o que a empresa da Brisa chamada “A to Be” está a fazer, revolucionando o setor (mais uma vez, já que a Brisa foi pioneira na portagem eletrónica com a Via Verde no início dos anos 90).

O sistema de transportes em Portugal precisa de uma visão de longo-prazo, estável e que otimize os recursos existentes e os novos recursos que possam ser captados. Tudo aquilo que não tem tido, sobretudo nos últimos três anos.

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