Black Friday conquista portugueses. Mas quanto vale o fenómeno?

Importada dos EUA há três anos, a Black Friday já ocupa tempo de antena nas TVs e enche as cidades de anúncios. Seja em casa ou nos shoppings, os portugueses estão a aderir em massa à tendência.

Foi há três anos que os efeitos da Black Friday se começaram a sentir mais em Portugal. Nessa altura, surgiram as primeiras campanhas nas televisões e anúncios nas ruas. Por arrasto veio a Cyber Monday, uma segunda-feira dedicada ao e-commerce, inaugurando no país duas iniciativas de descontos e promoções nascidas nos EUA. As marcas aderiram e investiram. Os portugueses, permeáveis às tendências lá de fora, tomaram estas ideias como suas.

O crescimento das vendas registado pelas principais retalhistas nesta semana de descontos tem sido na ordem dos dois dígitos por ano. E o conceito da Black Friday, que começou como uma iniciativa de 24 horas de promoções, acabou por ser alargado. Não tardou até as marcas perceberem que a oportunidade era bem maior, pelo que, com os anos, deixou de fazer sentido falar-se num dia de promoções para falar numa semana de descontos. A Black Friday, que oficialmente decorreu esta sexta-feira, já não é só à sexta-feira. Agora, é quando uma marca quiser.

“Se significa consumo, as nossas marcas são criativas. E nós, portugueses somos particularmente permeáveis à influência e tipologia do consumo norte-americano”, explica Ana Paula Cruz, professora do IPAM e planeadora estratégica da Adpress, uma empresa de marketing e comunicação com sede no Porto. “A Black Friday e a Cyber Monday já se estão a diluir uma na outra. Estamos a falar de um período que antecede as compras do Natal e é normal que se queira dar mais um empurrão à compra”, continua. Por esta altura, basta uma visita a um qualquer centro comercial ou loja online para ver que os descontos, em alguns produtos, podem chegar aos 50%, valores que piscam o olho às carteiras dos portugueses.

Excluindo os “falsos descontos”, como é que se chega a estes valores? Sacrificando as margens. Nesta semana de promoções, as marcas aproveitam a tração do lado do consumo para venderem em maior quantidade, com menos retorno líquido por produto. Se vale a pena? Há de valer: “Acredito que esse esforço de investimento tem de ter retorno. Caso contrário, as marcas já teriam desistido. Se se investe mais para que as pessoas se sintam mais atraídas pela compra nesta altura, o natural é que comprem mais”, sublinha Ana Paula Cruz.

Falar com Pedro Falé, diretor comercial da Fnac, é entrar pela porta dos bastidores da Black Friday e da Cyber Monday adentro. A par com a Worten, foi uma das primeiras empresas a cavalgar esta onda. Para este ano, a conhecida empresa de eletrónica de consumo e de livros reforçou o investimento em publicidade em 30% (a maioria no digital), com grandes descontos diretos nos mais variados produtos. E, para explicar o que significam esta semana de promoções no mercado português, Pedro Falé arrisca revelar um número: em 2017, a faturação nesta semana da Black Friday/Cyber Monday representou 35% de toda a faturação da Fnac no mês de novembro. Escusado será dizer que, na semana imediatamente a seguir à Black Friday, há “uma ressaca ao nível das vendas”, na qual o apetite dos portugueses pelas compras é bem menor.

Em 2017, a faturação nesta semana da Black Friday/Cyber Monday representou 35% de toda a faturação da Fnac no mês de novembro.

Pedro Falé

Diretor comercial da Fnac

Outro dado interessante é que a maioria das compras, pelo menos na Fnac, não são feitas na sexta-feira. No ano passado, o dia preferido dos portugueses foi o sábado, facto que reforça a ideia de que o conceito da Black Friday já evoluiu para uma “Black Week”. “Em 2017, o sábado superou a sexta-feira, até por uma questão de conveniência para o cliente. Há muita gente que trabalha na sexta-feira”, reconhece Pedro Falé. Não quer isso dizer que muitos não tenham preferido aproveitar a oportunidade a partir do conforto de casa, escondidos por detrás do ecrã do telemóvel, do computador ou do tablet.

Ainda são em menor quantidade, garante o diretor comercial da Fnac: no ano passado, o volume das vendas online no total das vendas da Fnac durante a campanha “rondou” os 30%. A percentagem tende a crescer e, este ano, com o e-commerce a ganhar força entre os portugueses, o número deverá ser bem maior, reconhece Pedro Falé.

Preparar, preparar, preparar

O Black Friday e a Cyber Monday significam semanas de trabalho alargadas para quem está do lado de trás do balcão, ou das lojas na internet. “A equipa de vendedores aumenta consideravelmente para este período. Temos reforços em loja que vêm da própria sede, para ajudar os colegas das lojas a vender”, aponta ainda o diretor comercial da Fnac. O objetivo é que “nada falhe” no decorrer da campanha: seja nas lojas físicas, seja no mercado do e-commerce, onde é feito um investimento para reforçar a capacidade dos servidores face à grande afluência de tráfego antecipada para estes dias.

“É uma preocupação haver um sistema que suporte o fluxo, a afluência de clientes. Procuramos que nada falhe”, indica. Um minuto com o site offline pode representar centenas (ou milhares) de negócios perdidos. Porque os clientes são cada vez mais intolerantes às falhas, e há logo outra loja qualquer à distância de um clique. Muitas vezes com os mesmos produtos no catálogo.

Mas não são só as marcas que preparam a “Black Week” com antecedência. As transportadoras também o fazem. No caso dos CTT, que detêm a maior quota de mercado em Portugal, o trabalho divide-se entre fazer as entregas das encomendas à casa dos clientes, e abastecer as lojas físicas com os produtos que vão ser vendidos. Elasticidade é a palavra-chave.

“Prevemos sempre grandes picos de tráfego e temos de ter a chamada capacidade de elastic logistics, no sentido de responder a esses mesmos picos”, aponta Alberto Pimenta, diretor de e-commerce dos CTT. “Nesta altura há uma grande pressão sobre a cadeia logística. O crescimento anda sempre na ordem dos 30% a 40% acima daquilo que é a média normal do ano, mas que, em alguns dias, pode chegar mesmo aos 50% e 60%”, atira o diretor. Para tal, a empresa não só subcontrata mais serviços como trata de fazer “recolhas mais ágeis ao longo do dia”. Isto para que não se concentrem todas “no período do final do dia”.

É tudo “para ontem”

Enquanto quem vai à loja tem de esperar em filas mas leva logo as compras para casa, quem as faz a partir da internet tem de esperar pela entrega. Ora, segundo os cálculos de Alberto Pimenta, os portugueses que compram online na Black Friday e na CyberMonday toleram, no máximo dos máximos, um tempo de espera de dois dias desde o momento em que é feita a encomenda numa loja virtual portuguesa.

A tendência é, por isso, diferente da que se verifica no Single’s Day, uma iniciativa semelhante que decorreu há duas semanas, a 11 de novembro, e que é basicamente a “cópia” chinesa da Black Friday. Como as compras vêm da Ásia, os portugueses toleram um tempo de espera superior, pelo que este é tráfego que, segundo Alberto Pimenta, “se dilui durante o mês de novembro”. Aqui, a tolerância pela espera aumenta bastante: “Se vier da China, os clientes já toleram entregas em duas semanas”, exemplificou. Como a Black Friday é mais focada no mercado interno, a entrega ao cliente final tem de ser mais imediata.

“Para nós isto já não é novo. Temos aqui um processo de aprendizagem”, garante o diretor de e-commerce dos correios. “Temos as nossas equipas operacionais bem articuladas no sentido de podermos antecipar junto dos nossos clientes quais são os tráfegos que vão esperar diariamente, e temos planos de contingência para, de forma muito elástica, responder a esses picos”, indica.

Nesta altura há uma grande pressão sobre a cadeia logística. O crescimento anda sempre na ordem dos 30% a 40% acima daquilo que é a média normal do ano.

Alberto Pimenta

Diretor de e-commerce dos CTT

Quem compra mais na Black Friday? Os millennials

Contactada, a Worten não respondeu às perguntas colocadas pelo ECO. No entanto, a marca publicou em outubro um estudo de mercado realizado em parceria com a Netsonda, que avança alguns dados interessantes, com base em inquéritos online realizados a uma amostra diversificada de cerca de 1.000 pessoas.

Dos inquiridos, 89% assumiu a intenção de fazer compras na Black Friday deste ano, e 86% da amostra disse que ia comprar artigos para si própria. Quanto aos dados demográficos, o estudo indicativo da Worten aponta que “os millennials são quem mais compra”: 64% dos inquiridos que têm entre 18 e 24 anos assumiu aderir à moda dos descontos, enquanto 55% dos que têm entre 24 e 35 anos disse fazê-lo.

E o que se compra mais? Segundo a Worten, com base em dados de 2017, cerca de 55% das compras foram de artigos de moda e acessórios, 39% de artigos de tecnologia, 21% de eletrodomésticos e 19% de perfumes e cosméticos. Para este ano, o valor médio que os portugueses tencionam gastar, segundo a retalhista da Sonae, é de 254,40 euros. O valor real, no entanto, poderá variar. E só na terça-feira será possível ter uma ideia da dimensão atual do fenómeno em Portugal.

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