Concorrência com as fintech “vai ser virtuosa, mas vamos ganhar”

A banca está preparada para concorrer com as fintech, numa relação que será de cooperação e parcerias para responder a todos os clientes, garante a APB e a SIBS. Mas há desafios.

A banca está preparada para concorrer com as fintech, numa relação que será, no entanto, de cooperação para responder a todos os clientes. Esta é a posição do presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), Fernando Faria de Oliveira, e da CEO da SIBS, Madalena Tomé, numa entrevista ao ECO antes da conferência Banking Summit, que as duas entidades vão organizar na próxima semana com o mote a “revolução digital da banca”.

Haverá cooperação, mas também concorrência. E, claro, há desafios. A digitalização do setor bancário vai envolver “investimentos enormes” por parte dos bancos, que vão ter de concorrer com tecnológicas financeiras que, ao contrário dos bancos, não vão cobrar as tradicionais comissões. Isto para além do impacto que terá no número de balcões e trabalhadores.

A digitalização está a acontecer, mas vai ser uma realidade num futuro próximo. Nesta transformação da indústria financeira, o presidente da associação que representa os bancos portugueses garante que as instituições financeiras “vão concorrer [com as fintech] e vão ganhar”.

Já se estão a dar os passos necessários para que sejam aplicadas as mesmas regras aos bancos e às fintech?

Faria de Oliveira (FO): Sem dúvida. Quer a nível da Comissão Europeia, quer a nível dos supervisores, e no caso concreto do nosso país, do próprio Banco de Portugal, estão a ser elaboradas ações no sentido de assegurar que em relação à nova era de funcionamento do sistema financeiro sejam aplicadas as mesmas regras a todos os players do mercado: bancos, fintech, grandes empresas tecnológicas. Todos aqueles que vão funcionar no âmbito do sistema financeiro devem estar sujeitos, de facto, ao mesmo tipo de tratamento em termos do cumprimento das regras.

Madalena Tomé (MT): Acrescentaria que esse é um desafio também para os próprios reguladores, porque na prática o espaço é cada vez mais global. Também ao próprio nível da União Europeia, e até comparando com players mais globais, é importante que todos tenham as mesmas regras e que os reguladores e supervisores estejam articulados de maneira a fazerem com que entidades com origens diferentes sejam também cumpridoras das mesmas regras.

Os bancos veem esta relação como uma cooperação ou uma ameaça?

FO: Penso que haverá as duas possibilidades. Vamos ter seguramente novos participantes no mercado, alguns até podem ser novos bancos, mas também podem ser empresas de tecnologia muito avançada e startups fintech. Para o sistema bancário, é virtuoso que haja este tipo de concorrência. E também consideramos que, em relação às startups tecnológicas fintech, a colaboração com o sistema bancário é também muito virtuosa. Porquê? Sem dúvida que, no ADN dos bancos, a inovação tecnológica sempre esteve presente.

MT: Na SIBS, exatamente por sermos o resultado de um modelo cooperativo e de cooperação com os bancos, e de termos nascido há 30 anos como uma startup e hoje em dia sermos uma fintech com projeção, somos acérrimos defensores de um modelo desses. E acreditamos que esse é o caminho também para esta nova vaga de fintech e startups que está a surgir. É desta cooperação que surge um maior ritmo de inovação e desenvolvimento, com startups que são muitas vezes focadas em âmbitos muito concretos, e que vêm trazer alguma aceleração aos próprios bancos nessa matéria.

Faria de Oliveira, presidente da APB.Paula Nunes/ECO

Que parcerias é que podem ser feitas entre a banca e estes novos operadores?

FO: Já existe muita colaboração entre bancos e fintech, e os bancos são os primeiros interessados em que se criem plataformas onde seja facilitado o diálogo entre bancos e fintech, e outro tipo de plataformas. Porque, hoje em dia, os bancos vivem muito desta inovação que é poder distribuir e vender serviços ou produtos desenvolvidos por outras entidades. O futuro vai encaminhar-se no sentido de os bancos se transformarem em plataformas ou, conjuntamente, criarem plataformas onde se vendam produtos de várias origens.

MT: Sendo parceira dos bancos nos sistemas de tecnologia e de fintech desde sempre, a constituição desta plataforma de open banking vai ser obviamente um projeto muito importante em 2018. Também há muita coisa a acontecer no setor dos pagamentos, com os pagamentos instantâneos. Fruto desta cooperação entre os bancos e a SIBS, temos atualmente um dos sistemas de pagamentos mais moderno do mundo. Portanto, vamos estar presentes em todas as evoluções que a PSD2 proporcionar. Uma área que vem com todo este tema da eficiência e da inovação é também o tema da cibersegurança. Estamos também a reforçar os serviços de antifraude e de segurança, que vão ser muito importantes para todos estes novos serviços digitais, sempre numa lógica de proteção dos consumidores.

Mas, em termos de segurança, que medidas é que estão ser tomadas?

MT: O que está a ser feito também com base nestas novas soluções digitais é reforçar aquilo que são os algoritmos de deteção de fraude. E depois, também muito importante, garantir a interceção atempada das transações e uma visão unicanal. Hoje em dia, os clientes deixam uma pegada digital muito completa em vários canais: o multibanco, o home banking, os telemóveis. Cada vez mais, conseguir ler toda essa informação e atuar em tempo real sobre ela é muito importante. Daí os algoritmos serem muito importantes, mas também as pessoas com know-how especializado para distinguirem o que é um falso alarme, ou não, e atuar em tempo real.

O que está a ser feito também com base nestas novas soluções digitais é reforçar aquilo que são os algoritmos de deteção de fraude.

Madalena Tomé

CEO da SIBS

FO: Penso que é extremamente importante compreender como é que se caracteriza o mundo digital na banca. Em primeiro lugar, aquele que é o envolvimento do cliente. Compreender claramente quais é que são os interesses e as conveniências dos clientes. Em segundo lugar, por uma capacidade de análise e pelo aproveitamento dos dados que existem em relação ao cliente. Em terceiro lugar, utilizando as tecnologias mais avançadas e, ao mesmo tempo, os processos de produção mais consentâneos. Em quarto lugar, pela capacitação dos funcionários.

Madalena Tomé, CEO da SIBS.Paula Nunes/ECO

A banca está preparada para se adaptar a estas alterações?

FO: Temos de distinguir a situação dos diferentes bancos do sistema: uns estão mais avançados do que outros. Agora, há uma coisa que é comum a todos: eleger a questão da digitalização como uma prioridade da sua agenda. E quando falamos de digitalização da banca, não estamos a centrar-nos exclusivamente na oferta de produtos e serviços novos. Estamos também a pensar em todos os aspetos em que pela via digital pode haver melhorias significativas na produtividade, na redução de custos e em ganhos de eficiência do sistema bancário. Há várias experiências internacionais que demonstram que através desta utilização, os bancos podem colher benefícios extraordinariamente significativos em termos de melhoria da rentabilidade.

Mas esta alteração não terá custos para os bancos?

FO: Haverá, desde logo, investimentos enormes na área do IT e na área digital. Depois, os investimentos em formação que também vão ter uma expressão muito significativa. Naturalmente, tudo isto representa custos. Mas os benefícios que se esperam desta transformação, que vai ser gradual, mas rápida, vão ser muito superiores. Além disso, hoje em dia, temos atitudes, comportamentos e conhecimentos da parte dos cidadãos a que a banca tem que dar resposta.

A digitalização está a promover e a criar novas necessidades de emprego. Portanto, um conhecimento muito mais especializado. Para um país como Portugal, como se tem visto, é até uma grande oportunidade porque o que se assiste cada vez mais é à especialização de serviços e de competências.

Madalena Tomé

CEO da SIBS

MT: Esse é o grande desafio da digitalização e que vai ser também um dos temas centrais da conferência, que é o facto de a digitalização trazer uma proliferação de necessidades e de pontos de contacto e até de expectativas de clientes de um patamar completamente diferente. E está a fazê-lo de uma forma muito rápida. Portanto, este custo de adaptação sobretudo para as entidades que têm já uma base de clientes e um conjunto de serviços instalados, é um esforço ainda mais complexo.

A digitalização não se vai traduzir em mais despedimentos ou fecho de balcões?

FO: Seguramente haverá uma diminuição no número de agências, mas elas não desaparecerão. Continuarão a ser muito importantes, não apenas porque permanecem os clientes tradicionais, mas porque os próprios clientes digitais podem muitas vezes necessitar das agências para entrar em contacto com os bancos, para obterem aconselhamento. Esse encerramento de agências comporta geralmente diminuição de emprego. Agora, o grande esforço que o sistema bancário vai ter que fazer vai ser exatamente na formação e na possibilidade de requalificação dos seus diferentes trabalhadores. Nesse domínio, a formação em IT tem um peso muito significativo.

MT: Hoje em dia, a digitalização está a promover e a criar novas necessidades de emprego. Portanto, um conhecimento muito mais especializado. Para um país como Portugal, como se tem visto, é até uma grande oportunidade porque o que se assiste cada vez mais é à especialização de serviços e de competências.

Tem ideia de quantos balcões encerraram no ano passado?

FO: Não tenho presente o número, mas houve uma diminuição.

MT: Mas, no tempo da digitalização, o importante é ter acesso e ter disponibilidade para o gestor falar independentemente do ponto de contacto. E, portanto, hoje em dia, a minha expectativa é de ter alguém com quem possa falar 24/7 no telemóvel, no balcão, em qualquer que seja o canal. Nessa perspetiva, libertar tempo para aquilo que é mais importante, para aquilo que é a relação com os clientes, esse é de facto o grande desígnio da digitalização.

Mas continua a ser necessário garantir que quem não tem acesso a esses conhecimentos, continua a ter os serviços prestados…

FO: Seguramente. A banca vai continuar, como está e com alterações.

MT: Servir todos. Esse é o grande desígnio. Porque assistimos a um cenário com clientes cada vez mais híbridos. Vão ao balcão, ligam pelo telefone, vão à internet, fazem o pagamento no telemóvel. A experiência é cada vez híbrida.

Seguramente haverá uma diminuição no número de agências, mas elas não desaparecerão. Continuarão a ser muito importantes, não apenas porque permanecem os clientes tradicionais, mas porque os próprios clientes digitais podem muitas vezes necessitar das agências para entrar em contacto com os bancos, para obterem aconselhamento.

Fernando Faria de Oliveira

Presidente da Associação Portuguesa de Bancos

A transposição da diretiva dos serviços de pagamentos (PSD2) está atrasada. Porquê? Tem noção de quando poderá ser transposta?

FO: Está quase.

MT: A PSD2 é uma diretiva relativamente complexa porque tem um conjunto de equilíbrios. É preciso garantir que os acessos que são disponibilizados a terceiros são seguros e são permitidos formalmente pelos clientes. Esse foi também um dos desígnios da PSD2. Neste balanço, quando se chegou à parte da concretização das regras técnicas foi um pouco mais complicado. A transposição deve estar para breve, mas de qualquer maneira os prazos que contam são os 18 meses. Portanto, contando para trás, devemos ter a diretiva implementada no início de 2019.

A SIBS está a trabalhar em cima da tecnologia blockchain. O que estão a fazer? Qual é o objetivo?

MT: A tecnologia blockchain tem um conjunto de funcionalidades. Estamos a estudar dois ou três casos de uso muito concretos que ainda estão numa fase muito embrionária — por isso, preferia não revelar — mas contamos ter algumas novidades brevemente. Um dos principais desafios desta entrada de novos operadores é o aumento da concorrência.

Isto vai ter impacto nas comissões, uma vez que se espera que as fintech não cobrem este tipo de encargos?

FO: Não. As duas coisas não estão ligadas diretamente.

Mas há a questão de as fintech não virem a cobrar comissões…

FO: Por isso é que existe concorrência. A vida numa economia de mercado é exatamente permitir que haja ofertas diversificadas com vantagens em muitos domínios, desvantagens noutros domínios e o cliente tem naturalmente um amplo leque de opções. Uma coisa é certa: as comissões sempre fizeram parte e sempre farão parte de um dos proveitos importantes do sistema bancário. O sistema bancário não é serviço público gratuito prestado aos cidadãos como nenhuma outra atividade económica é.

Os bancos estão preparados para acompanhar uma inexistência de comissões naqueles serviços que são mais parecidos nos dois tipos de operadores? Há a possibilidade de os bancos compensaram este tipo de encargos com o aumento de comissões noutros produtos?

FO: É algo que não tem uma resposta generalizada. Cada banco adotará a sua estratégia de negócio e definirá as vias para poder ser eficiente e rentável.

As comissões sempre fizeram parte e sempre farão parte de um dos proveitos importantes do sistema bancário. O sistema bancário não é serviço público gratuito prestado aos cidadãos como nenhuma outra atividade económica é.

Fernando Faria de Oliveira

Presidente da Associação Portuguesa de Bancos

Mas como é que, na sua opinião, os bancos vão concorrer com esta realidade?

FO: Os bancos vão concorrer e vão ganhar.

MT: O setor das telecomunicações, por exemplo, teve um movimento muito semelhante há uns anos com o surgimento das aplicações de messaging, por exemplo. A infraestrutura continua a existir e os operadores de telecomunicações continuam a ter acesso e a gerirem a infraestrutura, a fazerem investimentos nessa mesma infraestrutura. O mesmo provavelmente se passará no sistema financeiro. No caso dos pagamentos, há infraestruturas de cartões. Sabemos que no advento do comércio eletrónico e do online existem uma série de fornecedores e aplicações de pagamentos mas que funcionam sobre estas infraestruturas.

  • Rita Atalaia
  • Redatora
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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