Costa, Sócrates e a dívida. O mesmo optimismo

Há sinais alarmantes. Vêem da gestão “política” da dívida pública, mas também da percepção dos mercados da disposição do Estado português de honrar os seus compromissos internacionais.

11 de Janeiro de 2017. Portugal vai ao mercado colocar dívida e paga uma taxa de juro de 4,23% para emitir bonds a 10 anos. O juro pago corresponde ao custo mais elevado desde a saída da troika e mais do dobro do que se pagava no início de 2015 com o mesmo prazo. Desde a Índia, o 1º Ministro apressou-se a desdramatizar a evolução da dívida portuguesa nos mercados internacionais, declarando mesmo que o leilão de dívida “teve condições razoáveis” e que “a evolução continuará positiva” assim que forem conhecidos os dados fundamentais da nossa economia e das nossas finanças.

12 de Janeiro de 2011. Portugal foi ao mercado e colocou obrigações a 10 anos a uma taxa de juro de 6,71%. Não obstante o custo se aproximar perigosamente da fasquia dos 7% e de Portugal se encontrar já então à beira do precipício, o 1º Ministro da altura, José Sócrates, não hesitou em afirmar que a colocação da dívida tinha sido um “sucesso” e que que esse sucesso “é a melhor demonstração de confiança na economia portuguesa por parte dos mercados”.

Estas reacções, com uma diferença temporal de 6 anos, demonstram uma preocupante similitude. Costa e Sócrates encarnam o mesmo “optimismo” na gestão da dívida pública portuguesa, não obstante os sinais dos mercados. Dir-se- á que a situação de 2017 é muito diferente da situação de 2010/2011. É verdade, felizmente. Mas a constatação deste facto não nos deve impedir de aprofundar a comparação entre estes dois momentos. E de constatar que Portugal enfrenta hoje vulnerabilidades significativas, não obstante o optimismo do discurso oficial.

A parte orçamental está melhor do que a situação catastrófica de 2010, quando o défice ultrapassou uns inimagináveis 11% do PIB. Beneficiando da redução do défice para 3% em 2015, a continuação da estratégia de consolidação orçamental, herdada da anterior governação, continua a ser, ironicamente, o melhor cartão de visita deste Governo junto dos mercados. Não obstante as tendências, patentes já no orçamento de Estado para 2017, de crescimento da despesa pública.

Quanto ao crescimento económico, os sinais são mais preocupantes. Depois da recessão económica provocada pelo desastre de 2011, a economia cresceu 1,6% em 2015. Infelizmente, o PIB crescerá menos em 2016 e, segundo as ultimas projecções, manterá essa tendência em 2017 e nos anos seguintes. E com o mundo anglo-saxónico, pós-Brexit e pós-Obama, acompanhado pela Alemanha de Merkel, a perspectivar uma forte redução da tributação sobre as empresas, é cada vez mais evidente que a interrupção da reforma do IRC foi um erro que pagaremos no futuro com menos investimento, menos exportações e menos crescimento.

Mas os sinais mais alarmantes vêem da gestão “política” da dívida pública e da percepção dos mercados da disposição do Estado português de honrar os seus compromissos internacionais. Não me refiro, obviamente, ao profissionalismo e sofisticação do IGCP na gestão “técnica” da dívida, mas ao papel que os vários políticos da geringonça têm desempenhado no último ano.

A vitória de Trump e a previsível valorização do dólar, a alteração das políticas de compra de activos por parte do BCE e o aumento da taxa de inflação na Europa deveriam ser motivos mais que suficientes para que a prudência imperasse na gestão da dívida em Portugal. Infelizmente, ao longo de 2016, os juros portugueses a 10 anos foram os que tiveram o pior desempenho de toda a zona euro, fruto de uma gestão imprudente, irresponsável e mesmo populista por parte da actual maioria parlamentar.

Quanto terá custado, em termos da percepção dos credores internacionais, a reversão de privatizações, de concessões e de reformas por parte do actual Governo? Quanto terá custado a visita de António Costa à Grécia, em Abril de 2016, para assinar com Alexis Tsipras uma declaração conjunta contra a austeridade na Europa? Quanto terá custado a alteração da política de antecipação de pagamentos ao FMI? Quanto terá custado a defesa recente, por parte de Mário Centeno, do alívio imediato da dívida grega? Quanto continuarão a custar as propostas de políticos da geringonça para a reestruturação da dívida e para a saída do euro?

No início do programa de ajustamento, o Presidente Obama equiparou a situação portuguesa à vivida na Grécia. Durante o programa de ajustamento e, sobretudo, depois do fim do programa e do regresso aos mercados, Portugal afastou-se da situação grega e aproximou-se da Irlanda. Com a geringonça, e por detrás de um discurso “optimista”, parece que os actuais governantes e apoiantes estão definitivamente decididos a voltar ao passado. Convém, no entanto, sinalizar que a história recente já provou que as estratégias “de fuga para a frente” sem adesão à realidade e de “enterrar a cabeça na areia” podem ter resultados desastrosos para os portugueses.

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