Rio (afinal) não tomou banho

Portugal é um País onde indivíduos que têm apenas competência para serem contínuos e amanuenses chegam a ministros.

Começo por lhes recordar uma personagem: Calisto Elói. Melhor, Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda. A personagem principal de “A Queda de um Anjo” de Camilo Castelo Branco. Nessa obra satírica, o escritor dava a este ilustre fidalgo transmontano, natural de Caçarelhos, aldeia do concelho de Vimioso, o retrato do deslumbrado que chega da província à capital depois de ser eleito deputado. O “anjo” cai, seduzido pelos luxos e prazeres que não conseguia vislumbrar na sua humilde terra e aos quais sucumbe sem fugir aos pecados. Se houvesse uma verdadeira história de tantos deputados que passaram por São Bento, teríamos muitos sósias da divertida personagem camiliana.

No caso do contemporâneo José Silvano, também transmontano, ex-edil de Mirandela, o caso não se reporta a ter soçobrado a pecados veniais como Calisto Elói. O âmago da questão é de transparência e de ganância. O Expresso noticiou que, entre os dias 18 e 24 de Outubro, este deputado esteve «em trabalho político» (algo que deviam explicar a quem lhes paga os salários em que consiste explicitamente) em Vila Real e Santarém, porém, provavelmente por qualquer dom da ubiquidade, a sua presença foi marcada no sistema do Parlamento. E este ruído que mais uma vez atinge o PSD gira em torno da sua password estar a ser usada por algum colega enquanto ele se ausenta do plenário. Ora, para lá do rigor e transparência, sejamos claros que há a tal questão de ganância porque aqui convém lembrar que os deputados recebem 69 euros de ajudas de custo por cada dia em que participam nos trabalhos parlamentares (informação publicada por vários jornais), mesmo que estejam apenas lá sentados, sem abrir a boca nem ter uma ideia, batendo palmas quando são mandados para isso como qualquer figurante presente naqueles programas matinais de televisão. E, portanto, estas presenças valiam um dinheirinho para o actual secretário-geral do PSD.

Quando questionado sobre este comportamento moralmente reprovável de um membro da sua equipa política, Rui Rio respondeu que «era uma questiúncula». Ora, o colossal problema do líder do PSD é que já são tantas as «questiúnculas” que o rodeiam que a sua credibilidade e a imagem que quis criar estão a esboroar-se. Recordemos que José Silvano já é o segundo no cargo de organização mais importante dos sociais-democratas – o primeiro saiu sem honra nem glória por alegadas irregularidades académicas. E se houver investigação criminal, como poderá ser possível, é o terceiro dirigente do PSD dos eleitos de Rio, somando-se a Elina Marlene e a Salvador Malheiro, sob vigilância da Justiça.

Quando se constrói uma “persona” em comunicação política, o seu “branding” não pode ter brechas. Deve ser coerente, consistente, sólido como o granito, não pode consentir fissuras. Rio baseia-se na criação da sua imagem de uma percepção de homem impoluto, austero, sério, que corta rente e cerce, que não pactua com ilegalidades nem amoralidades. Contudo, à sua volta são inúmeros os sinais de que essa construção de percepção que valida e consolida a sua reputação, e é o seu melhor trunfo eleitoral, está a desaguar com a facilidade de um sopro num castelo de cartas. Sobretudo porque pela boca morre o peixe. Portugal é um País onde indivíduos que têm apenas competência para contínuos e amanuenses chegam a ministros. Isso não é caso virgem, agora, com Rui Rio, sabia-se que ele seria o anjo moral detentor da mangueira que daria, nas suas próprias palavras, um «banho de ética» na falta de convicções. E o autor da sua biografia, Carlos Mota Cardoso, afirmava que «Rio tem um chuveiro de lavagem». Com tanta questiúncula à sua volta, para lá da visível falta de talento, afinal Rio não deu nem tomou banho. De ética.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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