Ivo Rosa é o juiz que vai decidir a fase de instrução da Operação Marquês

É este o resultado do sorteio eletrónico que decide o juiz de instrução. Com 50% de hipóteses a seu favor, Ivo Rosa é quem decide agora se a Operação Marquês segue ou não para julgamento.

É oficial: Ivo Rosa é o magistrado que vai decidir a fase de instrução da Operação Marquês. O que significa que terá a decisão de dar seguimento ou não ao caso para a fase seguinte, a de julgamento. O juiz era a escolha mais esperada entre os arguidos deste megaprocesso, depois de Carlos Alexandre ter estado à frente da fase de inquérito, e por Ivo Rosa ser conhecido por dar algum “travão” às teses defendidas pelos procuradores do Ministério Público.

“Calhou-me a mim”, disse o juiz, que deixou a sala do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) onde foi feito o sorteio, assim que o resultado foi revelado. Já Carlos Alexandre esteve ontem e hoje de folga para não estar presente no momento do sorteio. Veja como aconteceu no vídeo abaixo:

O processo de seleção do juiz teve por base um sorteio — feito por via eletrónica — e o resultado foi um de dois cenários possíveis, dado que Ivo Rosa só divide o TCIC com o juiz Carlos Alexandre.

Recorde-se que a Operação Marquês tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, que está acusado de 31 crimes. O inquérito deste processo resultou na acusação de 28 arguidos — 19 pessoas (entre as quais o ex-ministro Armando Vara e o banqueiro Ricardo Salgado) e nove empresas — e está relacionado com a prática de quase duas centenas de crimes económico e financeiros.

Esta nova fase de instrução é uma fase processual, meramente facultativa. Na prática consiste numa espécie de “pré-julgamento”, isto é, visa confirmar ou não os indícios recolhidos na fase de investigação e pode ser requerida pelos arguidos como forma de tentar impedir que cheguem a julgamento. Poderá, por isso, resultar no fim do processo, caso Ivo Rosa decida dar razão às defesas e não seguir para a próxima fase.

Dos 28 arguidos houve 13 a pedirem a abertura desta fase, entre eles José Sócrates, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Armando Vara, Hélder Bataglia e Carlos Santos Silva.

Apenas Ricardo Salgado não requereu seguir para instrução. Os advogados do ex-banqueiro defenderam que o arguido “não pretende sujeitar-se ao risco de se submeter a este cenário”.

Sobre ter calhado a Ivo Rosa esta fase, João Araújo disse ao ECO que “o resultado não importa, mas finalmente no processo há um juiz legal e não um escolhido pelo Ministério Público. Não gostaria que fosse o Carlos Alexandre porque não é um juiz imparcial“, rematou.

Não tenho qualquer comentário, a não ser a manifestação do respeito pelo trabalho dos senhores magistrados, em geral, e do senhor magistrado em causa, em particular, tendo testemunhado ao longo dos anos a sua isenção, o seu saber e empenho, à semelhança, aliás, de outros com quem tenho trabalhado e que igualmente considero” referiu Rui Patrício, advogado de de Hélder Bataglia, sobre a escolha de Ivo Rosa, ao ECO.

João Medeiros, advogado de Diogo Ferreira, e Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, não quiseram comentar o resultado. Já a advogada de Carlos Santos Silva, Paula Lourenço, afirmou que fica “satisfeita por não ser o mesmo juiz que fez o acompanhamento de toda a fase de inquérito”. Tiago Rodrigues Basto, advogado de Armando Vara, declarou que “a questão não era que tinha de ser o juiz Ivo Rosa. Não podia era ser Carlos Alexandre. Agora temos um juiz que vai aferir o que se passou e se há algum problema para a validade dos atos praticados por Carlos Alexandre”.

O juiz madeirense é conhecido por ser reservado, mas polémico, já que é habitual recusar as diligências dos procuradores nas suas decisões, o que lhe tem valido vários recursos e a fama de “persona non grata” entre o Ministério Público. Exemplo mais recente disso foi com o caso dos CMEC, da EDP, em que Ivo Rosa não autorizou buscas ao ex-ministro da economia Manuel Pinho e invalidou a sua constituição como arguido.

Muitos dos seus julgamentos acabaram em absolvições nas Varas Criminais, dado que o juiz costuma decidir com base na existência ou não de uma prova direta, isto é, uma prova considerada categórica ou científica, mais típica em casos de homicídio, e difícil de obter em crimes económicos, onde a prova é, regra geral, de natureza circunstancial.

Entre as decisões mais polémicas estão a do caso do “gangue do multibanco”, em que Ivo Rosa absolveu 11 dos 12 arguidos envolvidos, por não existir, precisamente, nenhuma prova direta. Entre vários crimes, os suspeitos estavam acusados de associação criminosa, roubos e furtos qualificados por assaltarem caixas automáticas. Apenas um membro foi condenado, mas por tráfico de droga.

A decisão foi recorrida e os juízes da Relação de Lisboa anularam a decisão da primeira instância e mandaram repetir o julgamento com outro coletivo, entendendo que foi “com um misto de incompreensão e perplexidade” que tentaram entender as absolvições. Quanto à apreciação da prova consideraram ter mesmo havido um “erro grosseiro e ostensivo”. Em abril de 2012, no segundo julgamento, foram condenados oito dos 12 elementos do grupo, cinco dos quais a penas de prisão efetivas.

As posições de Ivo Rosa já lhe valeram várias participações de procuradores ao Conselho Superior de Magistratura, além de vários recursos para a Relação de Lisboa, muito dos quais alteraram as suas decisões.

Um aluno certinho, um juiz pontual

Ivo Rosa nasceu a 17 de setembro de 1966, e é natural de Santana, na Madeira. É o quarto de cinco irmãos. Deixou a Madeira em 1985 para se ir formar em Direito, em Coimbra.

Aos 26 anos tornou-se juiz, destino que concretizou depois de ter decidido que queria ser magistrado no fim do liceu. Ser advogado nunca foi sequer uma opção. “Já fui com esse objetivo de ser juiz, nunca tive a pretensão de ser advogado”, declarou numa entrevista à RTP Madeira, em setembro do ano passado.

O interesse pela carreira surgiu só no 12º ano, quando uma amiga, cujo pai era advogado, o levou a assistir a um julgamento no Funchal. O bichinho manifestou-se com a encenação em tribunal. “É isso que impressiona mais as pessoas. E a mim, na altura, sobretudo, que devia ter 16 ou 17 anos. Foi o momento que me despertou a atenção”, contou.

Um “jovem regrado e caseiro”. Assim é descrito por Paulo Prada, um colega seu da faculdade, em declarações prestadas ao jornal Público. “Era muito certinho”, um bom aluno que saía pouco à noite.

Entre 1993 e 1999 foi juiz de primeira instância no Funchal, onde julgou processos-crime, cíveis, de família e de trabalho. Ficou conhecido pelas comarcas locais onde passou por concluir sentenças em três ou quatro dias, o que diminuiu o número de processos pendentes nesses tribunais.

Regressa em 1999 a Lisboa, por um ano, mas volta à Madeira, por mais dois anos, de onde volta em definitivo em 2002. Passou uma temporada por dois tribunais de Timor-Leste, entre 2006 e 2009, num de primeira instância e noutro de recurso. Em 2010 regressa às Varas Criminais.

Ivo Rosa tornou-se no primeiro juiz português a ser eleito pela Assembleia Geral das Nações Unidas para o Mecanismo Internacional para os Tribunais Penais Internacionais em 2012. Desde 2015 que divide os processos do TCIC com o “superjuiz” Carlos Alexandre.

 

(Artigo atualizado às 17h15 com vídeo do sorteio e declarações dos advogados dos arguidos).

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