London Calling

Londres não percebe que o Brexit não é uma negociação, mas um violento conflito por via diplomática. E não entende que a intenção de Bruxelas é manter a coesão da União satisfazendo a Irlanda.

Após a humilhação e o desastre da Cimeira de Salzburg, Theresa May exige respeito pelo Reino Unido e seriedade nas negociações sobre o Brexit. Neste capítulo, a partir da imagem de tão triste figura é possível recordar alguns princípios políticos que oscilam entre o realismo e o cinismo. Recordem-se quatro definições essenciais. Um Radical é geralmente um político com os dois pés bem assentes no ar. Um Conservador é um político com duas sólidas pernas suportadas contra o solo, mas que nunca aprende a andar para a frente. Um Reaccionário é um sonâmbulo que apenas sabe mover-se para trás. Um Liberal é um político que por excelência sabe usar as mãos e os pés ao serviço de uma ideia política. Neste particular, Theresa May é um objecto político não identificado incapaz da audácia Liberal e paralisada pelo imobilismo Conservador.

Com o Plano de Chequers em ruínas, uma versão excêntrica em que o Reino Unido pretende permanecer no Mercado Único de bens e mercadorias, mas repudia as liberdades de circulação de serviços, pessoas e capitais, uma espécie de Brexit sem Brexit, ruínas aliás decoradas com crueldade política pelos líderes europeus, a Inglaterra arrisca uma condição da política interna que normalmente antecede os momentos de grande perturbação. Incapaz de produzir uma ideia política e operacional sobre o Brexit, o Governo Britânico oscila erraticamente entre as concessões liberais, para agradar aos Remainers, e as promessas reaccionárias, para ganhar o apoio dos Brexiteers. Tudo resulta no caos político de um Governo dividido, de um Partido Tory em turbulência e de um País estupefacto pela incerteza. Subitamente, a Velha Albion do realismo pragmático, do processo democrático credível, da civilidade robusta, desaparece na mais obscura indefinição, entre todas as dúvidas e nenhumas certezas. A Inglaterra do Brexit é um musical sem música.

Entretanto, em caso de não existir acordo, o Governo ameaça não pagar a factura dos 39 mil milhões de libras acordados na lógica da compensação a Bruxelas e no puro espírito da contabilidade da mercearia política. Em termos políticos, esta intenção não tem qualquer peso na negociação, parecendo mais o desespero a falar a linguagem da mais desvairada chantagem. Primeiro, Londres não percebe que o Brexit não é verdadeiramente uma negociação, mas um violento conflito por via diplomática. Segundo, Londres não entende que a intenção de Bruxelas é manter a coesão da União satisfazendo a posição da Irlanda. É com esta finalidade política que surge a ideia de uma continuidade territorial entre a Irlanda e a província britânica da Irlanda do Norte, vulgo Ulster. O preço político recai no lado britânico com uma nova fronteira em pleno Mar da Irlanda. Mas tal significa politicamente o fim do Reino Unido, agora atravessado por uma fronteira imposta por Bruxelas. O cenário político é simplesmente surreal e politicamente inaceitável para Londres.

A sociedade britânica parece estar a ceder na sua habitual resiliência. O eco do conflito político radical abafa as convulsões do Mar do Norte; as dificuldades económicas revelam-se no curto prazo – veja-se as declarações da Jaguar, Land-Rover e da BMW, proprietária da marca Mini; o sentimento de humilhação e ressentimento instala-se entre a população; a hostilidade e o ódio contra a classe política aumentam diariamente. O cenário de longas filas de TIRs em Dover e nas auto-estradas é equacionado nos planos de contingência oficiais; a visão do aeroporto de Heathrow com toda a frota da British Airways estacionada na placa é própria de uma ficção da saga James Bond; o exército em missões de assistência humanitária em território britânico distribuindo alimentos e medicamentos vem consagrado na programação de emergência pós-Brexit pelo próprio Governo. E nem uma palavra sobre o destino da City, apenas a maior praça financeira da “Europa europeísta”.

Costuma dizer-se que um Liberal é um antigo Conservador que teve problemas com a polícia e conheceu os privilégios da prisão. Também se sublinha que um Conservador é um antigo Liberal que conheceu a eficácia de um ladrão. Ao fechar a Inglaterra numa prisão com a eficácia de um ladrão, Theresa May é assim tragicamente Liberal e Conservadora.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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