Europa – Império ou Nação?

Há um muro político, económico e cultural que separa a Europa das Nações das Nações da Europa. É um conflito ideológico que implica duas visões alternativas para o futuro da União.

Por violação dos valores da Europa, pelo voto do Parlamento Europeu, a Hungria sofre as sanções associadas ao Artigo 7 do Tratado de Lisboa. No limite, estará mesmo em causa o exercício do direito de voto e de participação nas decisões da União. Refira-se que a Polónia, por decisão da Comissão, já se encontra sob vigilância do Artigo 7. Viktor Orbán, Primeiro-Ministro húngaro, considera a decisão uma retaliação pura e simples, um exercício autoritário que coloca em causa os valores liberais da própria constituição da Europa. Afinal, o modelo de referência da Europa encara o espírito da civilização política com o rigor de uma imposição a cumprir por todas as nações.

A Europa é o Império pacífico e racional que garante a tolerância entre as nações. A hipocrisia, a arrogância e a leviandade sempre foram um activo político por excelência. A União pode estar a perder a esmagadora superioridade política e económica que a torna numa instituição invencível e poderosa, base e centro de irradiação de uma identidade liberal e aquisitiva. A acção de Bruxelas não se pode confundir com uma cruzada contra a dissidência populista, seja motivada pelo entusiasmo federalista, seja legitimada pela indiferença ou simples consentimento dos cidadãos da Europa. Os ideais da Europa são tecnocratas, funcionalistas e politicamente anti-sépticos.

Há um muro político, económico e cultural que separa a Europa Central da Europa Ocidental. A amnésia histórica que domina no Ocidente não tem correspondência na parte Central do Continente. Em Budapeste, em conversa ‘off the record’, um membro do partido de Orbán afirmava que o seu avô tinha servido a Alemanha, o seu pai tinha obedecido a Moscovo, mas ele pretendia tão-somente estar ao serviço do povo da Hungria. A Europa não entende esta linguagem e esta obrigação política de uma nação várias vezes varrida do mapa da História. George Steiner recorda a propósito que a herança do Império Austro-Húngaro não se evaporou no vazio.

A viagem entre Budapeste e Viena de Áustria é uma lição sobre o passado do Continente. Na marginal cosmopolita do Danúbio, nos cafés de Viena, surgem as referências de Popper, a imaginação de Schumpeter, a visão de Hayek. Será possível imaginar a política e a economia da civilização da Europa sem o contributo intelectual destes ilustres europeus? A Europa Central é a confluência e o conflito de energias sociais, políticas e económicas que resultam de uma instabilidade fundamental, uma compressão de forças opostas num espaço em violenta contracção. Declínio imperial, emancipação étnica, ocupação alemã, ocupação soviética, libertação, adesão à União Europeia, uma sucessão de acontecimentos complexos e traumáticos que desvia o epicentro das preocupações da Europa Central das convenções vigentes da vida política e económica de Bruxelas. Nesta parte do Continente, o termo ‘Eurásia’ ganha uma outra perspectiva, uma outra e mais profunda dimensão.

Há um muro político, económico e cultural que separa a Europa das Nações das Nações da Europa. Este é um conflito ideológico pelo racional do projecto europeu, um conflito que implica duas visões alternativas para o futuro da União. De um lado o “globalismo” de Macron, do outro lado o “nacionalismo” de Salvini, o expoente por excelência da afirmação da força da Nação no contexto da União. Daqui resulta a peculiar confluência entre a Europa do Sul e a Europa do Centro, uma congregação ideológica em torno da ideia de Nação, politicamente celebrada no manifesto para a criação da “Liga das Ligas”, um novo grupo político com o objectivo de ocupar um espaço essencial no plenário do Parlamento Europeu. Refira-se que no lançamento do manifesto, em Milão, esteve presente Viktor Orbán como convidado de honra de Matteo Salvini.

A Europa está a tornar-se demasiado complexa para o discurso político codificado e monolítico que se eleva de Bruxelas. Os eixos de reconciliação multiplicam-se para além do eixo Paris-Berlim. O novo discurso nacionalista e populista sedimentou-se politicamente com um conjunto de argumentos que têm um indesmentível sucesso eleitoral. As instituições europeias que simbolizam o ‘establishment’ político, social e económico começam a exibir algumas fissuras e alguma fadiga. Num movimento reflexo em sentidos contrários, “globalistas” e “nacionalistas” começam a recorrer a um discurso virulento e autoritário, pouco comum até agora, mas prevalecente na cultura política do Continente. Nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, os europeus terão de optar por uma das duas vias. Será que ainda há espaço para uma terceira via?

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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