Portugal sem margem política para mexer em 75% da despesa

Se um Governo precisar de fazer consolidação orçamental, que instrumentos tem ao seu alcance? Quase 75% da despesa está bloqueada e a carga fiscal já não tem mais margem de subida.

Portugal tem pouca margem política para baixar a despesa pública caso precise de aplicar uma estratégia de consolidação orçamental. Quase 75% dos gastos do Estado, excluídos os juros, destinam-se a pagar salários e prestações sociais, o que torna rígida a estrutura de despesa pública. Este é um risco para as finanças públicas portuguesas que o Conselho de Finanças Públicas (CFP) classifica como “severo” e que assume particular relevância numa altura em que o Governo prepara o Orçamento do Estado para 2019 (OE 2019), pressionado para voltar a aumentar os custos com pessoal e pensionistas.

As conclusões da instituição liderada por Teodora Cardoso constam de um relatório publicado esta quarta-feira sobre “Riscos orçamentais e sustentabilidade das finanças públicas”. Uma análise mais focada no médio e longo prazo e que o CFP passará a atualizar de dois em dois anos, mas que não deixa de constituir um alerta para os governos à medida que estes preparam os planos orçamentais para os anos seguintes.

“As despesas com pessoal e com as prestações sociais representam quase 75% da despesa primária ajustada, um peso que tem vindo a aumentar desde 1995, constituindo assim o principal fator de aumento da despesa pública”, lê-se no relatório. “Trata-se de despesas rígidas, cuja utilização para efeitos de consolidação orçamental acarreta custos políticos muito significativos, e que são significativamente afetadas por fatores exógenos, como a demografia.”

Isto significa que há um bloco de despesas que estão praticamente bloqueadas, já que politicamente é muito difícil fazer consolidação através da sua redução.

 

No relatório, o CFP explica que depois de uma subida das despesas, estas começaram a baixar com a crise financeira. Porém, em 2013 e 2014, “o comportamento descendente da despesa sofre uma reversão, maioritariamente explicada pelo efeito das decisões do Tribunal Constitucional, bloqueando a suspensão dos subsídios de férias e de Natal e a aplicação da redução remuneratória determinada no Orçamento do Estado para 2014”.

Por último, a partir de 2016, “a despesa ajustada retoma a trajetória ascendente, refletindo sobretudo a reposição total dos salários da Função Pública e a atualização das prestações sociais”.

O CFP lembra também que as pressões demográficas aumentam os gastos com prestações sociais e cuidados de saúde e sublinha a divergência entre as despesas efetivamente gastas e as que estavam previstas como um fator de risco.

Despesa não ajuda, mas receita também não

Mas se do lado da despesa os governos não poderão contar com grande margem de corte no caso de precisarem de corrigir o défice, também não contarão com grande ajuda do lado da receita. É que, segundo a análise do CFP, Portugal terá esgotado a margem para aumentar impostos.

A correção dos desequilíbrios orçamentais nos últimos anos resultou “maioritariamente” de medidas aplicadas no lado da receita, tendo daí resultado uma subida “significativa” da carga fiscal. “A dependência do aumento da carga fiscal para suprir necessidades de financiamento decorrentes de ciclos económicos constitui um risco orçamental elevado, uma vez que tende a agravar os efeitos da contração da economia.”

No momento atual não está em cima da mesa uma discussão sobre aumento de impostos. No entanto, apesar de a economia portuguesa ter conseguido, no ano passado, crescer ao ritmo mais elevado desde 2000, o Governo não reduziu todos os impostos que tinham sido aumentados na sequência da crise económica. O Executivo planeou uma descida faseada do IRS, não baixou o ISP (que aumentou pouco depois de tomar posse), introduziu em fevereiro de 2017 o imposto sobre o açúcar e a taxa de IVA sobre a eletricidade e o gás permanece nos 23% aplicados em outubro de 2011.

Além de considerar que o nível de carga fiscal – que nos últimos anos se situou entre os 34% e os 35% do PIB – é um risco orçamental elevado, o CFP refere que a comparação com a média da União Europeia (38,8% contra 34,4% em 2016) mostra “uma folga apenas aparente“, já que alguns dos mais diretos concorrentes apresentam rácios de carga fiscal mais distantes da média europeia.

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