Nem todo o trabalho independente conta para dar acesso a prestações de desemprego

  • Cristina Oliveira da Silva
  • 4 Julho 2018

Novas regras dizem que é possível juntar trabalho dependente e independente para cumprir prazo de garantia, critério para aceder a prestações de desemprego. Mas nem todos as situações são abrangidas.

Com as novas regras de proteção social que entraram em vigor este mês, vai ser possível “juntar” períodos de trabalho em regimes diferentes para aceder a prestações de desemprego, que poderão assim abranger mais pessoas. O diploma fala na possibilidade de considerar trabalho por conta de outrem e atividade independente mas, neste último caso, há restrições. Nem todo o trabalho independente será considerado para formar o chamado “prazo de garantia”, critério que permite aceder a proteção social no desemprego.

No caso concreto do subsídio de desemprego, atribuído a trabalhadores dependentes, continua a ser necessário reunir 360 dias de trabalho por conta de outrem nos 24 meses anteriores ao desemprego para aceder à prestação (ou 180 dias nos 12 meses anteriores, no caso de subsídio social de desemprego). Mas agora, o novo decreto-lei acrescenta que, “quando necessário, podem ser considerados os períodos de registo de remunerações por exercício de atividade profissional independente”, continuando a excluir outras situações já antes previstas.

Também no caso do subsídio por cessação de atividade — para recibos verdes economicamente dependentes — e do subsídio por cessação de atividade profissional — para empresários em nome individual, gerentes e administradores — será possível “juntar” descontos em âmbitos diferentes para aceder às prestações: “quando necessário, podem ainda ser considerados os períodos de registo de remunerações no âmbito do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem e do regime dos trabalhadores independentes”, diz o diploma.

Quer isto dizer que todo o trabalho independente conta para os prazos de garantia? Não. Ao ECO, fonte do Ministério do Trabalho garante que “só contam os períodos em que o trabalhador independente foi economicamente dependente” — em causa estão os recibos verdes que concentram grande parte do seu rendimento anual (80% até final de 2017, mais de 50% a partir deste ano) numa única entidade e que têm direito, cumprindo outros requisitos, a subsídio por cessação de atividade.

Já uma nota publicada no site da Segurança Social indica que podem ser considerados, se necessário, “todos os períodos de registo de remunerações, cuja taxa contributiva contemple a proteção no desemprego“, o que também parece abranger empresários em nome individual, gerentes ou administradores com direito a subsídio por cessação de atividade profissional.

Os trabalhadores independentes sem atividade empresarial e que ficam fora do conceito de dependência económica não têm hoje direito a prestações de desemprego. E, pela resposta de fonte oficial, no caso de trabalho independente só o período de descontos em que o trabalhador foi considerado economicamente dependente conta para o prazo de garantia que dá acesso a prestações — de outra forma, o período não será contabilizado, mesmo que a pessoa se torne, por exemplo, trabalhador por conta de outrem.

Ao ECO, o deputado bloquista José Soeiro critica esta visão. “A versão publicada fala de se acumular o prazo de garantia enquanto trabalhador independente e trabalhador por conta de outrem para acesso ao subsídio de desemprego, sem colocar para efeitos desse prazo de garantia a necessidade de haver dependência económica”, refere o deputado. “Mas segundo o que o Governo nos disse, a interpretação que os serviços fazem é que, no caso dos trabalhadores independentes, só conta para prazo de garantia o tempo em que estiveram com dependência económica”. Para José Soeiro, “há uma falta de clareza na redação”, que “pode gerar dúvidas e até contradições entre a interpretação que os cidadãos legitimamente fazem” e a ação dos serviços. Era preciso “coerência e transparência” entre a redação do diploma e o modo como é aplicado, defende.

Ainda no âmbito destas mudanças, note-se que o acesso ao subsídio para recibos verdes economicamente dependentes também foi alargado através da redução, para metade, do prazo de garantia — 360 dias de contribuições nos 24 meses anteriores. Esta alteração tem efeitos práticos, no acesso à prestação, em duas fases, face às alterações no conceito de dependência económica (outra via de alargamento da abrangência do apoio). No caso de empresários, o prazo de garantia continua nos 720 dias.

Subsídio fica mais acessível. E o valor?

Há ainda outro ponto que parece estar por resolver no novo diploma. Fonte oficial do Ministério do Trabalho já tinha indicado que, apesar de o prazo de garantia poder juntar descontos no âmbito de situações diferentes, é preciso olhar para o regime em que o trabalhador está integrado quando pede a prestação: se a última atividade foi desempenhada enquanto trabalhador por conta de outrem, tem direito a subsídio de desemprego, se foi como trabalhador independente economicamente dependente, tem direito a subsídio por cessação de atividade, por exemplo. Além disso, indicou também que a possibilidade de “acumular” descontos de regimes diferentes só conta para prazo de garantia, e não para o valor do subsídio.

"Parece-me incoerente que se diga que em determinadas circunstâncias está garantido o acesso ao direito [subsídio], mas esse direito depois é um vazio, porque não tem correspondência a nenhum montante.”

José Soeiro

Deputado do BE

Portanto, um trabalhador que reúna, por exemplo, 10 meses de trabalho independente economicamente dependente e, depois, dois meses de trabalho por conta de outrem deve ter direito a subsídio de desemprego. Mas nesta prestação, o cálculo tem por base os primeiros 12 meses dos últimos 14, antes do mês do desemprego. Se para calcular o valor do subsídio desta pessoa só contam os descontos que fez enquanto trabalhador dependente e estes não encaixarem nos primeiros 12 dos últimos 14, como é calculado o subsídio? Os esclarecimentos não foram dados ao Bloco de Esquerda, que teme que as regras possam culminar num subsídio de zero euros, ainda que as mudanças tornem a prestação mais abrangente. E mesmo quem tenha, naquelas condições, três meses de descontos como trabalhador por conta de outrem em vez de dois, só vê um mês ser tido em conta num cálculo que olha para o conjunto de 12 meses (e, depois para uma percentagem deste valor)?

O decreto-lei também vem introduzir alterações na fórmula de cálculo do subsídio para recibos verdes economicamente dependentes, deixando de olhar para o escalão contributivo (conceito que desaparece em 2019) e passando também a ter em conta as remunerações registadas nos primeiros 12 meses dos últimos 14, antes do mês do desemprego — divide-se o valor por 360, depois multiplica-se por 0,65 e de seguida ainda é preciso multiplicar (como antes) pela percentagem de dependência económica. O ECO abordou a questão do valor do subsídio em casos concretos junto do Ministério do Trabalho e não obteve resposta.

“Parece-me incoerente que se diga que em determinadas circunstâncias está garantido o acesso ao direito [subsídio], mas esse direito depois é um vazio, porque não tem correspondência a nenhum montante“, afirma José Soeiro. “É preciso haver uma adaptação do modo de cálculo da prestação de desemprego, para os casos em que as pessoas tenham prazo de garantia mas só tenham por exemplo esses dois meses”, diz o deputado.

José Soeiro também defende que é “preciso acautelar valores mínimos” para quem tiver pouco tempo de descontos num determinado regime, mas que consiga perfazer o prazo de garantia por totalizar conjuntos distintos de remunerações. “Os valores mínimos podem até ser adaptados e não serem exatamente os mesmos” já previstos. O subsídio de desemprego mínimo corresponde a um Indexante dos Apoios Sociais mas pode ficar abaixo, se 75% do valor líquido da remuneração de referência for inferior.

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