Grandes investidores do BES acusam Banco de Portugal de discriminação. Regulador vê lei de forma diferente

  • Rita Atalaia
  • 18 Junho 2018

Os grandes investidores lesados pela decisão do BdP de transferir dívida do Novo Banco para o BES "mau" acusam o regulador de discriminação pela nacionalidade. Mas Carlos Costa nega as acusações.

Os grandes investidores lesados pela decisão do Banco de Portugal (BdP) de transferir, em dezembro de 2015, dívida do Novo Banco para o BES “mau” acusam a entidade liderada por Carlos Costa de “discriminação em razão da nacionalidade”. Isto porque, dizem os fundos, os investidores nacionais não foram sujeitos a esta transferência realizada após a resolução da instituição financeira. Acusações que são totalmente rejeitadas pelo regulador por considerar que esta “discriminação” apenas se aplica a Estados-membros. Os fundos são norte-americanos.

“Os queixosos [os grandes fundos] afirmam que a decisão de retransferir dívida [tomada pelo Banco de Portugal] é considerada discriminação em razão da nacionalidade, o que é proibido pela lei da União Europeia, uma vez que visa sobretudo investidores institucionais estrangeiros”, referem os sete fundos numa nota sobre as implicações da decisão do BdP a que o ECO teve acesso, entre os quais está a Attestor Capital, BlackRock, CQS e Pimco.

"Os queixosos [os grandes fundos] afirmam que a decisão de retransferir dívida [tomada pelo Banco de Portugal] é considerada discriminação por nacionalidade, o que é proibido pela lei da União Europeia, uma vez que visa sobretudo investidores institucionais estrangeiros.”

Fundos lesados do BES

Estes investidores alegam que a decisão do banco central viola a liberdade de circulação de capital ao estar a discriminá-los com base na sua origem. Contudo, esta não é a opinião do regulador, que interpreta a legislação de outra forma. Para a entidade liderada por Carlos Costa, o que a lei da UE diz é que estes casos de “discriminação” apenas se aplicam a outros Estados-membros e não a países terceiros, como é o caso.

“Nenhum dos queixosos tem sede na União Europeia. Estão todos sediados nos EUA ou nas ilhas Cayman”, refere o BdP num documento enviado ao Tribunal Administrativo de Lisboa, a que o ECO teve acesso, no âmbito deste processo. O regulador do setor financeiro exclui assim um dos argumentos usado pelos fundos para tentarem recuperar as perdas sofridas pelos seus clientes no seguimento da decisão do banco central de transferir 2,2 mil milhões de euros em títulos de dívida sénior do Novo Banco para a massa insolvente do BES.

"Nenhum dos queixosos tem sede na União Europeia. Estão todos sediados nos EUA ou nas ilhas Cayman.”

Banco de Portugal

“O Tribunal Europeu de Justiça não usa a expressão ‘investidores estrangeiros’ como se estivesse a incluir investidores da Coreia do Norte, EUA ou das ilhas Cayman. Usa a expressão que delineia rigorosamente o âmbito subjetivo da proibição de discriminação: cidadãos ou empresas de “outro Estado-membro da UE”, relembra o BdP.

Para estes investidores, esta posição do regulador sinaliza que há um “membro do Eurossistema que está abertamente a reivindicar o direito de discriminar investidores de países fora da UE”. E, enquanto banco central da região, “tem a capacidade de influenciar a política monetária e um conjunto abrangente de questões de supervisão e regulação. É, por isso, relevante perceber se a posição adotada pelo BdP representa a política da UE quanto ao tratamento de investidores estrangeiros na UE”.

E deixam um alerta: “O resultado destas discussões poderá ter implicações profundas a nível financeiro e político na UE. Caso a posição do BdP sobre a lei da UE prevaleça, os investidores norte-americanos (ou seja, investidores de qualquer país fora da UE) poderão ver as suas reivindicações subordinadas ao capricho de qualquer legislador, tribunal ou autoridade de resolução bancária sem direito a compensação no âmbito da lei da UE”.

Os fundos têm vindo a exercer pressão sobre o BdP, contestando a decisão tomada em dezembro de 2015 e pedindo abertura do regulador para que se chegue a uma solução. Foi no final do ano passado que enviaram mais uma carta ao regulador alertando para os custos desta decisão para o país — algo que voltaram a reforçar nesta exposição. “Os bancos portugueses pagam juros significativamente mais elevados do que os seus pares.” E, até que seja alcançada uma solução, “as instituições financeiras vão continuar a suportar os custos desta decisão sem precedentes”, referiram então os investidores.

Além da carta, criaram um site onde disponibilizam vários documentos relativos a esta transferência. Entre estes, é possível aceder-se à cronologia dos eventos, às contas do Fundo de Resolução referentes a 2016, a decisão sobre a resolução do BES até à transferência de dívida que este grupo contesta.

Apesar da pressão, o processo, que começou em março de 2016, ainda será longo. Esta exposição de ambos os lados é apenas um dos primeiros passos, ficando ainda a faltar toda a fase das alegações e, por fim, a decisão do tribunal.

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