Fiscalização das contas dos partidos em risco. Há nova lei, mas Entidade das Contas diz que não tem meios

Ao ECO, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos alerta que não estão garantidos mais recursos. E que assim não consegue cumprir as funções da nova lei do financiamento partidário.

O jurista Figueiredo Dias, discursa durante a tomada de posse dos novos membros da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

As alterações à lei do financiamento partidário já foram promulgadas, mas ainda não há meios para as aplicar. O alerta é dado pelo presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), José Figueiredo Dias, em declarações ao ECO. A polémica lei traz mais funções, mas a Entidade tem apenas três elementos que, sem mais recursos, não conseguirão garantir o cumprimento das novas competências. Os partidos vão entregar contas de 2017 já no final de maio.

Não existe qualquer ‘garantia’ de que tal reforço vai ser concretizado e, como tal, não temos ainda assegurada qualquer mudança na estrutura da ECFP”, revela José Figueiredo Dias, em respostas escritas ao ECO. Anteriormente, a Entidade apenas auxiliava através de pareceres o Tribunal Constitucional. Mas quando a nova lei estiver no terreno — ainda não foi publicada em Diário da República –, a Entidade das Contas passará a ter de fiscalizar, inspecionar, fazer auditorias e aplicar multas aos partidos.

Para o presidente da Entidade das Contas é claro que “se não for feito esse esforço não será possível para a ECFP assegurar o cumprimento das funções que lhe vão ser atribuídas pela nova lei”. Ou seja, sem mais recursos materiais e humanos ficará em causa a fiscalização das contas dos partidos, um processo que atualmente já sofre de “atrasos crónicos” — expressão de Manuel da Costa Andrade, atual presidente do Tribunal Constitucional (TC). Já no final de maio, altura em que as alterações deverão estar em vigor, a Entidade das Contas vai receber pela primeira vez as contas dos partidos relativas a 2017 sobre as qual terá de se pronunciar “o prazo máximo de um ano a contar do dia da sua receção”.

Se não for feito esse esforço não será possível para a ECFP assegurar o cumprimento das funções que lhe vão ser atribuídas pela nova lei.

José Figueiredo Dias

Presidente da Entidade das Contas e Financiamento Políticos

Neste momento, a entidade criada em 2005 tem três membros: um presidente e duas vogais. Apesar do acréscimo de competências acordada entre os partidos, a composição da Entidade manteve-se inalterada na lei. No final do ano passado, quando se começou a discutir a nova lei do financiamento dos partidos, José Figueiredo Dias já tinha deixado o alerta: “A ECFP entende que o extraordinário aumento de competências que a lei recentemente aprovada pela Assembleia da República lhe confere tem de ser necessariamente acompanhada de um significativo reforço dos seus meios materiais e humanos“.

Segundo o balanço da atividade do Tribunal Constitucional do ano passado, 2017 foi o primeiro ano em que não foi produzido nenhum acórdão sobre a fiscalização das contas eleitorais e partidárias. O último acórdão deste tipo refere-se às eleições para a Assembleia da Madeira realizadas em 2011, de acordo com a Lusa. Isto significa que as contas das campanhas eleitorais desde 2013 aguardam fiscalização. Com a nova legislação, o TC passa a ser apenas a entidade para onde os partidos podem recorrer das decisões da ECFP.

Na nova lei aprovada no Parlamento e promulgada pelo Presidente da República lê-se que a ECFP passa a ter como “funções a apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como a aplicação das respetivas coimas”. Incluem-se neste leque as eleições para a Presidência da República, para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas das regiões autónomas e as autárquicas. A Entidade das Contas poderá realizar, por sua iniciativa, inspeções e auditorias. Mas nada mudou quanto aos recursos disponíveis.

A versão atual da Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos prevê que “o apoio administrativo necessário ao funcionamento da Entidade é prestado pelo Tribunal Constitucional”. Ou seja, os encargos da Entidade das Contas são suportados pela dotação orçamental que é atribuída ao TC todos os anos pelo Orçamento do Estado. Em resposta ao ECO, José Figueiredo Dias admite que a ECFP “não tem sequer autonomia administrativa e financeira e, como tal, não tem nem os meios nem o poder de resolver a questão”.

Ainda assim, tem duas alternativas que podem, em teoria, reforçar os seus recursos humanos. Uma delas passa por “requisitar ou destacar técnicos qualificados de quaisquer serviços públicos”, algo que está a fazer, segundo um aviso publicado esta terça-feira em Diário da República. Além disso, pode recorrer a serviços externos ao Estado, o que também já aconteceu no passado.

Já no ano passado, José Figueiredo Dias tinha falado da questão de falta de recursos, mesmo antes dos partidos se terem unido para reforçar as competências da ECFP. Na sua tomada de posse, no verão, o novo presidente alertou para a “escassez de meios qualificados em face do crescente volume de trabalho” e a “exiguidade dos prazos legais cujo cumprimento rigoroso se revela irrealista”.

Além da falta de meios, há ainda outro pormenor presente na lei que poderá atrasar mais os processos. Ao contrário do que acontecia até agora, a ECFP deixa de poder definir como é que os partidos devem apresentar as contas uma vez que essa norma foi revogada pelos partidos. Sem o poder de regulamentar e uniformizar essa informação, não é “possível assegurar a normalização contabilística da apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais”, alerta José Figueiredo Dias, uma alteração que provoca “grande apreensão”.

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