Défice é um resultado histórico, mas não “podemos abrir os cordões à bolsa”

Teixeira dos Santos considera o défice de 0,9% um resultado histórico. Sobre a capitalização da Caixa no défice concorda com Centeno, mas avisa "é preciso dar sustentabilidade a este resultado".

Foi ministro das Finanças no Governo de Sócrates, com quem se viria a incompatibilizar entre outras coisas porque chamou a troika, contra a vontade do então primeiro-ministro. Apesar disso diz que não está arrependido de ter enfrentado esse desafio. E o balanço que faz, apesar das dificuldades, é positivo. Teixeira dos Santos mostra-se completamente surpreso com o escândalo à volta de José Sócrates, espera que a Justiça atue o mais rápido possível, para o bem de todos, inclusive o de Sócrates.

Admite que a “gerigonça” eliminou o ambiente de crispação que se vivia, mas reconhece que esta “pode ter dificuldades em avançar com medidas mais ousadas”. Teixeira dos Santos deixa ainda um alerta para “algumas medidas mais recentes que procuram recuar na flexibilidade” do mercado laboral. Sobre um eventual regresso à política, o ex-ministro das Finanças, diz que não está nos seus horizontes, até porque o seu futuro passa pelo EuroBic, mas deixa uma porta entreaberta.

Algum dia se arrependeu de ter aceitado o convite para ministro das Finanças?

Não, não. Foi um desafio que na altura entendi que não devia recusar e não estou arrependido de ter enfrentado esse desafio. Não foi fácil, tive bons e maus momentos como é natural, mas o balanço que faço é positivo. Tenho consciência que foi um período muito difícil para o país, apanhando com uma crise sem precedentes mas tenho consciência que procurei dar o meu melhor, a todos os níveis, no sentido de prestar um serviço público, e de ser capaz de enfrentar aquelas dificuldades. Para mim foi uma experiência, mesmo assim, muito enriquecedora. Também é sofrendo que aprendemos e nos tornamos mais fortes para o futuro.

E algum dia se arrependeu de não ter chamado a troika mais cedo?

Era difícil chamar a troika mais cedo. A troika foi chamada no momento certo. Logo após a Irlanda ter chamado a troika, pensou-se que a troika poderia também entrar em Portugal, estávamos em finais de 2010, mas nesse período, existiu uma mudança na forma como a União Europeia e, em particular, a área do euro, começou a encarar os processos de resolução, aquilo que na altura se chamava uma abordagem mais compreensiva da crise, tendo-se começado a falar de um mecanismo de apoio permanente, porque o atual mecanismo de estabilidade que agora existe era nessa altura uma coisa ainda muito provisória, o que levou a que Portugal procurasse resolver a situação através dessa via. Foi assim que surgiu o programa de estabilidade e crescimento, o chamado PECIV, que visava em consonância com a nova orientação europeia encontrar o caminho para Portugal enfrentar as dificuldades que tinha na altura. Como sabemos politicamente isso não foi possível e precipitou obviamente a outra solução que foi chamar os nossos parceiros europeus e o FMI.

Mesmo contra a vontade do primeiro-ministro.

Inicialmente contra a vontade, mas é evidente que ele próprio acabou por reconhecer e tomar a decisão e anunciá-la que era preciso chamar a troika.

Não, quem anunciou foi o ministro das Finanças.

Ele resistiu na altura a que a troika fosse chamada, mas quando confrontado com a minha posição de que era necessário chamá-la, acho que concluiu que precisava de vir. E anunciou isso. Creio que na altura tomou uma boa decisão.

O Governo apresentou o menor défice da democracia (0,9% sem contabilizar a CGD), isto é um bom presságio para a economia portuguesa?

É um resultado histórico, sem dúvida. É importante que o país tenha atingido um nível de desempenho operacional como esse, é bom para a economia, porque em termos de confiança, de perceção de risco, de condições de financiamento em geral do país, isso é benéfico, e tem um impacto na confiança da comunidade empresarial e dos investidores e isso é importante. Isto é algo que contribui para essa confiança. Este é um sinal positivo que reforça a confiança dos investidores estrangeiros na economia portuguesa. Agora o grande desafio que temos pela frente é o de dar sustentabilidade a este resultado. O rigor orçamental vai continuar a ser uma grande preocupação porque muitos podem ser tentados a considerar que agora que chegamos a este ponto podemos abrir os cordões à bolsa, nada mais errado do que pensar dessa forma.

E quem é que tem razão, o Mário Centeno ou o Eurostat, no que diz respeito à contabilização da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos no défice orçamental?

Estou inteiramente de acordo com o ministro Mário Centeno. Tenho muita dificuldade em perceber o tratamento que o Eurostat quer dar à capitalização da Caixa Geral de Depósitos. A Caixa é um ativo do Estado, o Estado é o acionista e como qualquer acionista privado, deve meter capital na sua empresa, ou no seu banco. O Estado, enquanto acionista de um banco deve poder colocar capital no banco. E temos de separar isso da gestão financeira e o orçamento público, no meu entender. Por outro lado, pelo menos do que me foi dado a perceber, o aumento de capital da Caixa foi negociado com a Comissão Europeia, precisamente para dissipar que houvesse aqui uma ajuda de Estado. A operação foi escrutinada e acompanhada por Bruxelas. Não vejo razões, para misturar isto com aquilo que tem a ver com o Orçamento. O Eurostat teve um entendimento contrário a isso e, em minha opinião, erradamente, e isso é algo que me preocupa porque denota um enviesamento ideológico contra a participação do Estado em empresas públicas. A União Europeia não tem de ter uma ideologia quanto aquilo que deve ser a maior ou menor participação do Estado neste ou noutro setor de atividade.

Tenho muita dificuldade em perceber o tratamento que o Eurostat quer dar à capitalização da Caixa Geral de Depósitos. O Estado, enquanto acionista de um banco deve poder colocar capital no banco.

Fernando Teixeira dos Santos

Presidente do EuroBic

Como é que analisa a gerigonça?

Esta solução governativa teve o grande mérito de repor e de restaurar a confiança dos portugueses no seu país, e na sua economia. Vivíamos um ambiente de crispação política muito acentuado e esse desanuviamento foi muito positivo, sem dúvida que a própria Presidência da República foi muito importante neste contexto, agora sinto é que esta solução pode ter dificuldades em avançar com medidas mais ousadas ou reformas na economia que entendo necessárias. Vejo resistência dos partidos mais à esquerda, em certo tipo de mudanças que no meu entender são necessárias para o país.

Está a pensar em que tipo de reformas?

Estou a pensar até no caso mais recente da reforma laboral. O país com alguma prudência e cautela atento aos equilíbrios de força que é preciso ter, progrediu para alguma flexibilização no mercado laboral, porém vejo com alguma preocupação algumas medidas mais recentes que procuram recuar um pouco nessa flexibilidade.

Os empresários estão muito relutantes quanto ao banco de horas, por exemplo…

Esse é um aspeto em que tínhamos algo de positivo, e isto também vem nos livros, tudo o que encareça o trabalho, e que aumente o custo de trabalho acaba por ter um custo negativo no nível de emprego.

A oposição está bem entregue ao Rui Rio, outro homem do norte?

Espero que Rui Rio venha a ser uma oposição que cumpra o papel histórico de estimular quem está no Governo, a não fugir ao seu programa e a promover o bem do país. Desejo que o Rui Rio venha a ser um bom líder da oposição.

Tem essas condições?

Constato que está a começar com alguma dificuldade, sobretudo dificuldades internas que parecem querer colocar alguns pauzinhos na engrenagem. Mas espero que o Rui Rio venha a revelar-se o líder da oposição que o país precisa.

O seu futuro não passa mais pela política?

Já passou, meu futuro agora é aqui no EuroBic, procuro não ver muito mais longe que isso. Estou quase em fim de carreira, não tenho muitas preocupações com o meu futuro.

Não afasta então a possibilidade de voltar um dia à política?

Não coloco a possibilidade de voltar à política, nem a desejo. Já estive muitos anos em cargos públicos, entre secretário de Estado e ministro das Finanças foram dez anos, já dei o suficiente à causa pública daí que dos cenários futuros para que possa olhar não faz parte um regresso à política, mas desde sempre me habituei a não ter planos para o futuro e estar sempre disponível para enfrentar desafios. Sempre pautei a minha vida assim, foi assim que fui parar à política, à CMVM, ao Governo, agora a um banco, estive na universidade. É com este espírito de abertura que devemos estar, procurando enfrentar desafios relativamente aos quais tenhamos a perceção que possamos dar um contributo relevante.

Foi para mim uma surpresa ver Sócrates envolvido neste processo.

Fernando Teixeira dos Santos

Presidente do EuroBic

Surpreendeu-o o escândalo à volta do ex-primeiro-ministro, José Sócrates?

Sem dúvida que fiquei surpreendido.

Nada indicava, nada fazia…

Absolutamente nada. Foi para mim uma surpresa vê-lo envolvido em todo este processo. Para mim é inteiramente inesperado, tudo o que se tem vindo a dizer e a comentar, mas espero que as autoridades esclareçam tudo isso e, espero que o mais rapidamente possível, para benefício de todos nós e dele próprio.

Já falou com ele desde que rebentou o caso?

Não.

A imagem dos políticos e dos banqueiros pode recuperar destes casos?

É sempre possível recuperar e essa deve ser uma prioridade da classe política, sem dúvida, e da banca também. Com o apoio do regulador, o quadro da regulação e da supervisão neste domínio é importante, e obviamente com o próprio comportamento e a postura das instituições, mas demora o seu tempo. Toda a gente sabe que a reputação se perde de um dia para o outro e demora depois muito tempo a restabelecer-se. Mas há que persistir no esforço que o setor tem vindo a fazer e se virmos bem…

Mas ficaram ambas abaladas?

Sem dúvida que sim. Mas particularmente no que tem a ver com o setor bancário, vemos que os rostos que temos à frente do setor bancário são novos, temos novos protagonistas, e é esse o desafio que os novos protagonistas têm. As instituições têm muito que ver com as pessoas que estão à sua frente e com a sua capacidade de gerar confiança juntos dos seus clientes. Estão todos seriamente empenhados.

E na política também é assim?

Creio que sim, a política também tem vindo a ter uma mudança importante na sua forma de estar, até o comportamento dos políticos. Estas alterações têm muito a ver com a perceção que a própria classe política tem de que está debaixo dos holofotes e que está mais escrutinada o que a obriga a um maior rigor na forma como atua e se comporta.

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