Câmara de Lisboa não paga juros graças a precedente do Fisco

Fernando Medina afirma que não tem base legal para devolver os juros aos lisboetas que pagaram a taxa inconstitucional de Proteção Civil. O ECO teve acesso aos acórdãos em que a Câmara se apoia.

A Câmara Municipal de Lisboa não vai pagar juros quando devolver aos munícipes a taxa de Proteção Civil, que foi considerada inconstitucional, graças a decisões sobre a Autoridade Tributária (AT) que criaram precedente. Várias decisões do Supremo Tribunal Administrativo estabelecem que o juro só deve ser pago se houver um erro dos serviços ao cobrar o montante que tem agora de ser devolvido. Os serviços, porém, não erraram se tiverem cumprido a norma que estava então em vigor.

Após um acórdão do Tribunal Constitucional, publicado no dia 22 de janeiro em Diário da República, ter determinado que a taxa de Proteção Civil cobrada a mais de 223 mil munícipes era inconstitucional e teria de ser devolvida, a Câmara Municipal de Lisboa anunciou que os montantes seriam devolvidos sem o pagamento de juros, visto não haver cabimento legal para tal. Questionada pelo ECO, a Câmara enviou três exemplos de decisões do Supremo Tribunal Administrativo que sustentaram essa ideia.

Os três acórdãos são referentes a cobranças feitas pela Autoridade Tributária e, nos três casos, o impugnante quer que lhe sejam pagos juros sobre os valores que foram devolvidos. A decisão do Supremo Tribunal Administrativo, em todos três casos, é que não existe lugar a pagamento de juros por “se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável aos serviços“, como se lê num dos acórdãos. Ou seja, se os serviços da Autoridade Tributária cumpriram a lei como ela existia no momento da cobrança, mesmo que mais tarde a lei seja considerada inconstitucional, não cometeram um erro quando a cumpriram.

Um dos acórdãos, de 5 de abril de 2017 e assinado pelo juiz relator Francisco Rothes, refere-se ao caso de uma sociedade a quem foi cobrada, no IRC, uma taxa superior relativa aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros. A sociedade entregara a declaração de IRC em maio de 2008, mas a taxa cobrada neste aspeto não foi a de 5%, então em vigor, mas a de 10%, que foi instituída num diploma aprovado a 5 de dezembro de 2008 com efeitos retroativos a 1 de janeiro desse ano. Ora, mais tarde, o Tribunal Constitucional determinou que a lei violava “o princípio da proibição da retroatividade fiscal”. Assim, deveria ter sido cobrada a taxa de 5% e não a de 10%, já que só tinha sido aprovada a 5 de dezembro e os efeitos retroativos eram inconstitucionais.

Porém, decidiu o juiz relator do Supremo Tribunal Administrativo, perante o recurso da sociedade que pretendia o pagamento de juros, que estes não eram devidos. Porquê? Porque a Autoridade Tributária, quando realizou a cobrança, estava a cumprir a lei. Lei essa que determinava os efeitos retroativos a 1 de janeiro. Quando o Tribunal Constitucional assinalou que a lei violava a Constituição, a Autoridade Tributária devolveu os montantes cobrados em excesso.

Assim, assinalou o juiz, a AT “não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma”. Isto é, a AT cumpriu a lei e, por isso, não cometeu erro. Conclusão? “Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte ao abrigo do art. 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu”, lê-se no acórdão.

Existe possibilidade de os juros serem pagos?

A Câmara Municipal de Lisboa escreveu ao ECO num email: “Da análise das disposições legais sobre a matéria, e dos diferentes acórdãos consultados sobre situações similares, esta devolução terá efeito sobre os montantes efetivamente pagos, não havendo lugar a contabilização de juros”. O próprio Presidente da Câmara, Fernando Medina, disse à Lusa que “a Câmara não pode proceder a esse pagamento porque não tem base legal para proceder a esse pagamento”. No entanto, acrescentou: “tenho a dizer que a minha vontade era proceder a esse pagamento com juros, a minha vontade era que isso fosse assim feito dessa forma”.

No entanto, existem vários vereadores da Câmara Municipal e membros da Assembleia Municipal que pretendem que os juros sejam pagos apesar de tudo. Os vereadores do CDS, por exemplo, preparam uma moção que querem ver discutida em breve para que sejam entregues aos munícipes os juros, além dos 58 milhões de euros que a Câmara já pretende devolver. Também o PSD garantiu à Lusa que prepara uma proposta semelhante.

De acordo com o Expresso (acesso pago), o vereador da CDU Carlos Moura defende que “a devolução dos juros é algo que as pessoas podem exigir” legalmente, pelo que a Câmara deve informar as pessoas de tal. Se as pessoas fizeram essa reivindicação, podem contornar “um enquadramento jurídico que não dá margem política” à Câmara para fazer o pagamento, concordando assim com a interpretação do Presidente da Câmara, mas propondo uma alternativa.

A moção do CDS, escreve o Expresso, deverá ser discutida na Assembleia Municipal na reunião do dia 15 de fevereiro, quinta-feira.

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