Manuel Tarré: “Não está fora de questão termos uma fábrica noutro lado”

Em curso está um investimento de cinco milhões de euros para aumentar a capacidade da fábrica, mas a vontade de aumentar a capacidade de exportação da Gelpeixe abre a porta a comprar uma nova unidade.

A Gelpeixe começou por ser uma pequena empresa que vendia gelados da Olá no concelho de Loures. Hoje é uma média empresa, com os olhos postos no exterior e na capacidade de expansão. Neste momento está em curso um projeto de cinco milhões de euros para aumentar a capacidade da fábrica e que vai implicar a contratação de mais pessoas.

Manuel Tarré, que iniciou a empresa há 40 anos, com o seu pai e irmão, tem orgulho naquilo que construiu. A aposta é continuar a crescer, apostar na exportação e até, possivelmente, abrir uma nova unidade noutra localização. Crescer alavancado na banca está fora de questão, mas o respeito que existe com a família Soares dos Santos ajuda a alimentar as perspetivas de expansão.

O CEO da Gelpeixe fala das consequências da aposta na marca branca, da aventura “trágica” que foi a aposta na Venezuela, no tempo de José Sócrates, e dos mercados onde pretende vingar.

Nos períodos de crise os produtos de marca branca tiveram uma maior preponderância do que têm hoje?

A marca branca tem mais de uma década. No início viu-se muito a marca branca como uma ameaça às marcas do fornecedor. Houve empresas que optaram por não fazer marcas brancas e vingar apenas com a própria marca. Nós não escolhemos esse caminho, mas se a marca branca é uma das opções que temos para fazer parcerias no mercado, assim o fazemos. Claro que perdemos notoriedade com a nossa marca. É verdade. Mas a marca branca também tem uma conotação grande junto do consumidor. O consumidor tem a perceção, que não é errada, de que a marca branca tem uma relação preço qualidade mais aceitável, muitas vezes também fruto da política de preços que os grandes grupos fazem. A marca branca é uma constante hoje.

Quando faz a avaliação do custo benefício, do ponto de vista da marca, considera que foi uma aposta ganha?

Não tenho a certeza se foi ganha. Mas para poder ter a Gelpeixe com uma dimensão nacional, com peso, teria de arriscar muito a nível da promoção da marca. Teria de gastar milhões de euros, tendo sempre o risco de, a determinado momento, um cliente dizer: “não estamos interessados na sua marca”. Quando temos uma dimensão do género que temos na Gelpeixe, temos de ser flexíveis e entender que todos os projetos são válidos: os das marcas próprias, os das nossas marcas, ou qualquer outro projeto. Avaliámos e vimos se fazia sentido, porque não temos dimensão para jogar esses jogos.

Qual é agora a quota de mercado da Gelpeixe?

Andamos à volta de 7 a 8% de mercado.

E as vossas marcas brancas?

Dentro da Gelpeixe, do que nós embalamos, cerca de 70% é marca branca, marca do cliente.

Esta é a altura de voltar a tentar relançar a marca Gelpeixe?

Fazemos isso sempre, porque o que o mercado nos pede é inovação e diferenciação. Todos os anos somos forçados a criar produtos novos, embalagens novas, algo que seja apetecível ao consumidor, que faça querer experimentar. Provavelmente fazemos dez testes e ganhamos um. O que já não é mau. Mas temos de testar. Mas a marca que usamos na exportação, que é a nossa, tem continuado a crescer. Na percentagem que temos na exportação a nossa marca conta bastante.

Como explica essa diferença?

Há mercados que pontuam muito para nós. É o caso de Angola. Em Angola a marca Gelpeixe é uma referência. Fomos das primeiras empresas a entrar em Angola. Estamos em muitas cadeias alimentares. Há outros países onde a referência da marca é bem-vinda: como no Luxemburgo. Estamos a dar os primeiros passos em França onde os clientes preferem estar na nossa marca, porque a embalagem já está feita em várias línguas, porque há uma comunidade portuguesa que serviu para alavancar essas compras e porque esses grupos sentem que não têm a tradição de mudar para as marcas próprias do grupo e, por isso, aceitam naturalmente a nossa marca. Na exportação, a maior parte do que vendemos em peixe congelado é com a nossa marca.

E neste momento qual é o peso da exportação?

Estamos a chegar a 20%.

E os vossos principais mercados de exportação são?

A Europa: Espanha, França, Luxemburgo, Suíça, Polónia, algo em Itália, estamos a iniciarmos também na Alemanha. Depois fora daqui temos Macau, Timor, onde fazemos muito pouco, Hong Kong, estamos neste momento a tentar abrir uma operação na China, Moçambique, Angola, Cabo Verde.

Os vossos mercados estão muito alavancados onde existem comunidades portuguesas?

Não. Tirando Angola, onde existe uma extensão natural para Portugal, apesar de às vezes poder haver algumas tensões. Quando estamos em Angola sentimo-nos um pouco angolanos e os angolanos quando estão aqui sentem-se um pouco portugueses. Sentimos que faz parte de nós e no mercado de Angola essa tem sido a grande realidade para a aceitação dos nossos produtos.

Angola é o seu principal mercado de exportação?

Sim, é um dos grandes mercados de exportação.

Receia que as alterações políticas que se vivem em Angola possam perturbar o vosso negócio?

Claro. Quando se é empresário tem-se receio de tudo, que amanhã aconteça qualquer coisa. Angola é só um dos muitos problemas que podemos ter. Entendo a preocupação e as orientações que possam surgir de uma nova dinâmica política e cá estaremos também para adaptar a nossa capacidade de parceria numa Angola que possa vir a ser diferente.

Entendo a preocupação e as orientações que possam surgir de uma nova dinâmica política e cá estaremos também para adaptar a nossa capacidade de parceria numa Angola que possa vir a ser diferente.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Como tem resolvido as questões de atrasos de pagamentos, questões cambiais, etc..?

Não temos tido problemas. A relação que temos com a maior parte dos clientes é de há muitos anos e em termos de pagamentos têm cumprido como sempre cumpriram.

Foi um dos empresários que também tentou aproveitar a onda para ir para a Venezuela. Como ficou essa aventura?

Trágica. Foi simpático deslocar-me lá duas ou três vezes, foram simpáticas as promessas feitas pelo Governo local, foram muito simpáticas as dimensões dos negócios que foram prometidas, foram muito simpáticos assinar contratos à frente do nosso ex-primeiro-ministro Sócrates com promessas de que iriam acontecer volumes avultados. Foi muito simpático sentir que a Gelpeixe não teria capacidade de fornecer aquelas quantidades de peixe que a Venezuela precisava e através da associação do setor, poder criar dinâmicas para todos ganharmos. O facto é que não passamos de uma simpatia que durou algumas semanas, bastante dinheiro investido em contratos e viagens para não dar em absolutamente nada. Não por falta de rigor nosso. Passaram-se algumas coisas…

Ao nível do Governo venezuelano?

Do Governo venezuelano. Acho que o governo local fez um bom trabalho, envolveu-se politicamente, estabeleceram-se parcerias, aceitaram-se os acordos, mas estamos a falar de países onde a forma como os negócios se desenvolvem, o próprio significado das palavras, mesmo que se fale no idioma deles, não está em linha com nosso. Dizermos: “eu vou fazer” não quer dizer que se vai ou sequer que se pense vir a fazer.

Os vossos negócios eram feitos ao abrigo do acordo estabelecido com a Galp — petróleo por comida — e da conta caucionada junto da Caixa Geral de Depósitos?

Esse foi o ponto de partida dos acordos. O que a Venezuela importasse tinha esse tipo de garantia.

Mas mesmo assim falhou.

Sim, porque não se conseguiu fechar. Depois de voltarmos das viagens, os interlocutores que eram muito simpáticos durante as visitas, nas amostras que pretendiam, no meu caso pediram 150 toneladas de amostra, a pagar logicamente, mas para empresas de quatro a cinco mil toneladas, que eu não teria capacidade, mas o setor todo unido poderia ter. Era uma alavancagem muito grande para todas as empresas do setor. Mas não chegámos à fase de sermos ressarcidos porque nunca conseguimos fazer nada. O que me pediram a determinado momento foi que enviasse essas quantidades em troca de uma palavra de que me iriam pagar. Mas nestes negócios não pode ser desta forma. Cheguei a ter reuniões até aqui em Lisboa, com uma missão que veio, que diziam “Ó Manuel, mande à vontade que nós depois mandamos o dinheiro”. Disse que não era possível assim, ou mandavam cartas de crédito ou pagavam antecipadamente.

Um país de elevado risco.

De vida, inclusivamente.

Há várias empresas, como a Jerónimo Martins ou o Continente, que têm tentado outras geografias. Tem tentado “colar-se” à expansão destas marcas?

Estamos na Polónia, mas ainda não chegámos à Colômbia, mas estamos em linha quando for oportuno fazer. Estas parcerias são importantes e, no caso do Grupo Jerónimo Martins, há uma tradição muito grande e de respeito mútuo, porque quando iniciámos a Gelpeixe há 40 anos, distribuímos gelados da Olá, como ainda hoje distribuímos, que pertencia ao Grupo Jerónimo Martins. Com o Sr. Soares dos Santos sempre se criou um respeito. Éramos uma empresa muito pequenina que estava a dar os primeiros passos, distribuíamos caixas de gelados aqui pelo concelho de Loures e pouco mais. Houve sempre um carinho e quando estão nestes projetos nós não seremos exceção, porque o grupo comunga dessa filosofia. Somos uma prioridade para eles quando podemos crescer e expandir e crescer com eles, sentem-se confortáveis nesse crescimento e nós confortáveis que assim o sintam.

E a Gelpeixe continua apostada em expandir-se?

Claro. Porque o mercado interno é o que temos.

Isso vai implicar aumentar a capacidade da fábrica? Fazer novos investimentos?

Neste momento temos em curso um projeto de mais de cinco milhões de euros que passa por aumentar a nossa capacidade de frio, novo equipamento de fábrica, novos layouts, equipamento de distribuição mais adequado, renovado, há sem dúvida uma preparação para a exportação, porque o mercado nacional são dez milhões de pessoas. Para termos dimensão temos de pensar na expansão no exterior e, para tal, temos de ser rigorosos, profissionais e dar um apoio igual ou melhor do que os concorrentes locais. Tentamos sempre falar o idioma local. Este investimento permite-nos ter mais espaço para acumular mais matéria-prima, quer produto acabado, permite-nos ter layouts mais leves, redução dos custos de produção, este investimento também inclui um investimento significativo em painéis solares que também reduz o consumo de energia. Na última fatura, depois da montagem dos painéis, tivemos uma redução de 20% no custo de energia, o que é realmente muito bom. Ainda vamos otimizar num ou outro aspeto, por isso, é provável que consigamos chegar aos 25 ou 28% de redução. Estes investimentos são para criar maior força para estarmos no mercado mais competitivo, quer no nacional quer crescermos na exportação.

Vai implicar contratar mais pessoas?

Sim, sim. Vamos crescendo à medida das necessidades. O meu objetivo é, num prazo de quatro anos, pudermos estar com o dobro da exportação. O bom era podermos ter 40 a 50% do valor da faturação na exportação, conseguida através de um aumento da exportação.

O seu valor atual de faturação é?

53 milhões foi o que fizemos o ano passado.

Tem alguns apoios para o investimento que está a fazer aqui na fábrica?

Sim, estamos no Mar2020 com este projeto. É um bom apoio.

O facto de estar em Lisboa não é penalizador para si? Muitos projetos não são elegíveis porque não está numa zona de coesão.

Claro, claro. Mas é preferível ter alguns do que não ter nada. Houve um ministro que uma vez me disse: “É fácil, o senhor sai de Loures e faz a fábrica noutro lado”. É uma resposta política. Estamos aqui, a empresa está sedeada aqui, não tenciono mudar.

Mas estar em Sines ou Leixões, mais próximo da sua matéria-prima não era mais vantajoso?

A minha matéria-prima é nacional que chega por camião e nesses portos não existe quantidade. Ou é importada… Somos demasiado pequenos. O controlo de uma empresa, essa é a minha visão, é podermos estar dentro dela. Se começamos a ter várias unidades, ou temos dentro delas pessoas da nossa inteira confiança, que partilham os nossos ideais, e conseguem levar a nossa gestão, ou então não é fácil. Mas não está completamente fora de questão termos uma fábrica, ou uma unidade noutro lado. Pode vir a acontecer.

Não está completamente fora de questão termos uma fábrica, ou uma unidade noutro lado. Pode vir a acontecer.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Em que horizonte temporal? Em que circunstâncias?

Sempre que o bom senso o recomende.

Isso é uma resposta politicamente correta.

Sempre que o bom senso o recomende e surja a oportunidade. Não vou dar, como nunca dei, um passo maior do que a perna. Se surgir uma possibilidade de uma parceria com alguém, ou uma empresa esteja disponível para ser comprada, ou algum negócio que nós possamos pontuar, estamos abertos a investir ou partilhar. Mas não tenho em mente concebido que vamos fazer este ou aquele negócio.

Não está neste momento a analisar nenhum negócio em particular?

Não, não estamos. Surgiram ao longo dos anos a hipótese de fazer parcerias ou comprar empresas. Assim como a hipótese de sermos vendidos. É o estarmos no mercado.

Equaciona vender a empresa?

Enquanto estiver vivo não estou a pensar. Depois de morto talvez. (risos) Mas até lá não.

Mas aí a decisão já não será sua.

Depois de morto logo de vez, mas antes acho que não vou fazer isso. Sabe muito bem vir para a empresa à segunda-feira. Enquanto um indivíduo estiver ativo, com projetos, conseguir entusiasmar os que estão connosco todos os dias. Os cabelos brancos vão surgindo. Já fui dos mais novos desta empresa, hoje sou dos mais velhos, entretanto passaram 40 anos e passaram depressa. E fica um grande sorriso destes 40 anos. Houve momentos muito difíceis por que passei e muito bons. Conheci muito boa gente, evoluí bastante, cresci e hoje a dimensão da empresa é internacional. Uma coisa que há 40 anos era impossível pensar que poderíamos chegar onde chegámos hoje. Vamos caminhando, mas uma coisa importante é a forma como vejo os investimentos. E nunca me alavanquei, a empresa nunca se alavancou na banca, passando à banca o risco do seu desenvolvimento. Nunca o fiz.

Porquê?

Porque acho que não é correto fazê-lo

Não pode perder oportunidades de negócio únicas?

Mas isso é preciso estar no mercado de uma forma diferente. Quando a banca chega: “Está bem mas eu para lhe fazer este empréstimo preciso que me dê como garantia a sua fábrica, a sua casa, o seu património…” Este é um risco que nós, num determinado momento da vida, temos que o fazer para o iniciar. Como nós o fizemos há 40 anos.

Agora já não?

Agora já não. Quando estamos a iniciar algo, não temos recursos e temos que arriscar tudo, sim, temos que o fazer, e fizemo-lo. Nós os três o fizemos. Mas já lá vão muitos anos.

“Fica um grande sorriso destes 40 anos. Houve momentos muito difíceis por que passei e muito bons. Conheci muito boa gente, evoluí bastante, cresci e hoje a dimensão da empresa é internacional”, conta Manuel Tarré.Paula Nunes / ECO

O problema é também a banca em si, a forma como conduz os negócios ou é mesmo uma questão de filosofia sua?

Leva-nos a uma longa conversa. A banca passou grandes desafios, viveu momentos áureos, emprestou dinheiro a quem não devia e emprestou pouco dinheiro se calhar a quem devia. Provavelmente teve esquemas que estão a vir aos jornais pouco claros e teve outros lícitos e que apoiaram quem deviam. Passámos momentos em que a banca se sentava connosco e disponibilizavam o dinheiro sem querer nada em troca, além dos juros, logicamente, mas fácil.

Sem grandes garantias…

Sem grandes garantias, vimos casos de pessoas que compravam andares, que é público, e a banca emprestava dinheiro também para comprar mobília, mais o automóvel…

E que resulta no nível de malparado que temos.

Exatamente, isso é de uma inconsciência muito grande, e isto só acontece porque o dinheiro da banca não é deles, é nosso que lá está. Na prática não tínhamos o conhecimento real que temos hoje do que é banca.

A plataforma que está a ser criada para o malparado pode ser a solução?

Não sei, é pelo menos uma tentativa. Conheço empresas que me dizem, os seus gestores, os donos das empresas — não sei se eles são os donos, porque devem tanto dinheiro à banca que quem é o dono é realmente a banca — não há problema em dever o dinheiro. Eles (a banca) nunca nos vão tirar as empresas porque não sabem gerir o negócio, portanto…

A dívida não é para pagar, é para se ir gerindo…

Já tivemos um primeiro-ministro que não disse melhor.

  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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