• Entrevista por:
  • Helena Garrido e Paula Nunes

“É inaceitável que o Banco de Portugal continue a fazer ‘outsourcing’ de auditorias e legislação”

Há sintomas de governamentalização e amplificação dos conflitos na proposta para a supervisão da banca. Antes de mudar é preciso saber o que aconteceu e reestruturar o Banco de Portugal.

Falamos sobre regulação e supervisão, outra das áreas que tem merecido a investigação do economista e professor universitário Nuno Garoupa. É uma conversa que nos permite perceber alguns dos problemas e escolhas que enfrentamos. Para Nuno Garoupa o país não aderiu verdadeiramente ao modelo de regulação, continua influenciado pelo que designa de “Estado pombalista, dirigista e interventivo”. Na sua perspetiva, não existem reguladores independentes em Portugal e não há nenhuma diferença entre o modelo atual e o governamentalizado das direções-gerais.

É nessa linha que quando chegamos ao tema da proposta de alteração do modelo de regulação e supervisão da banca que Nuno Garoupa diz recear que se esteja perante a perspetiva de governamentalização, nomeadamente quando se propõe criar uma nova entidade onde estará um representante do Ministério das Finanças.

Na sua opinião, antes de mudar, era preciso fazer livro branco sobre o que se passou na banca, um diagnóstico que permitisse escolher um modelo que respondesse ao que falhou. Esse mesmo diagnóstico permitiria que cada um defendesse o modelo mais adequado às suas convicções ideológicas.

Nuno Garoupa considera que a supervisão bancária falhou mais em Portugal do que, por exemplo, em Espanha, onde se atuou mais cedo e de forma mais transparente. Reformar o Banco de Portugal é o que considera ser uma prioridade já que a autoridade de supervisão nunca se preparou para o euro. E é neste contexto que considera “inaceitável” que o Banco de Portugal delegue as suas funções em auditores e sociedades de advogados.

Nesta segunda parte da entrevista, depois do tema da Justiça, a conversa começa pela atualidade, nomeadamente pelo caso EDP.

Um dos casos da atualidade é o da EDP, relacionado com os famosos contratos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual). Foi primeiro um problema de regulação? A regulação falhou antes de se chegar à Justiça?

Temos que distinguir a questão política, da regulatória e eventualmente da penal. Seria muito mau para o país se aquilo que os políticos não conseguiram resolver, as rendas excessivas da EDP, se transforme num problema penal. Não devemos misturar a questão das rendas excessivas com alegações de corrupção, que é outra questão completamente diferente.

A questão das rendas excessivas foi um problema político e regulatório. Devia ter sido acautelado. Não estou a dizer que a EDP não tenha alguns argumentos do seu lado. É válido o argumento da EDP de que o Estado, a seu tempo, também beneficiou de uma série de vantagens derivadas da forma como estava regulado. Agora também é verdade que é um pouco difícil explicar que a EDP esteja hoje a beneficiar de vantagens com 20 anos. Temos um regime tão generoso de prescrições em matéria penal, também temos que ter prescrições nas rendas. Já ganhou, já prescreveu. Não pode ser.

Há questões que tem a ver com a parte regulatória e que devem ser enquadradas…

"Todos nos recordamos que o secretário de Estado da Energia [de Pedro Passos Coelho] saiu do Governo dizendo publicamente que era uma vítima do combate às rendas da EDP. E que era a EDP que tinha forçado a sua saída. Isso não provocou qualquer repúdio na sociedade portuguesa. (…) Se aquilo é verdade, devia ter preocupado imenso a sociedade portuguesa. E é evidente que não fez (…) Há um problema da própria Assembleia da República e dos próprios órgãos de soberania.”

Nuno Garoupa

Professor universitário

Há um parecer de 2004 da entidade reguladora do setor elétrico, que identifica problemas graves no diploma que altera os Contratos de Aquisição de Energia para CMECs. Isso não foi respeitado. Para si, isto significa menos independência das autoridades reguladoras?

Significa que há um problema estrutural nos nossos reguladores. É preciso não esquecer que o próprio Estado também teve uma presença na EDP até bastante tarde. Há contradições internas do Estado, a que se seguem depois as contradições internas do regulador.

Não quero dizer que o regulador é impotente, mas mostra alguma incapacidade de impor as suas decisões. Isso tem a ver não tanto com uma realidade jurídica, porque ela é comparável com a de qualquer outro dos 27 países da Europa ou mais concretamente os 15 países mais ricos da Europa. Há é um problema político claro. Todos nos recordamos que o secretário de Estado da Energia [de Pedro Passos Coelho] saiu do Governo dizendo publicamente que era uma vítima do combate às rendas da EDP. E que era a EDP que tinha forçado a sua saída. Isso não provocou qualquer repúdio na sociedade portuguesa. Durante dois dias houve pessoas a comentar, aquelas coisas que acontecem muito em Portugal que há um epifenómeno de grande protesto, mas depois passa. Mas se aquilo é verdade, devia ter preocupado imenso a sociedade portuguesa. Porque se há alguém que tem que sair do Governo e argumenta que a sua saída é forçada por uma grande empresa, porque não quer implementar um conjunto de políticas que afetam os interesses dessa grande empresa, isto devia fazer-nos refletir imenso. E é evidente que não fez.

"Não há Estado regulador em Portugal. Temos um Estado que importou a arquitetura regulatória, porque lhe foi imposta pela União Europeia. Mas o Estado mantém-se igual: interventivo e não regulador. É um Estado pombalista em que se baseia na filosofia da nossa classe política há 200 anos.”

Nuno Garoupa

Professor universitário

E a entidade reguladora do setor deveria ter atuado de alguma maneira?

Vou mais longe. Há um problema da própria Assembleia da República e dos próprios órgãos de soberania. Esse episódio não foi inventado na comunicação social. Houve afirmações, declarações. Se há declarações do próprio devia ter havido um imenso repúdio e imensa reflexão sobre o assunto. E não houve. Acho que a sociedade portuguesa aí tem alguns problemas, de mobilização neste tipo de causas.

Não só a sociedade, mas também as elites, ou não?

O problema é que as elites são prisioneiras da sociedade. Se a sociedade não se mobiliza, as elites também não se mobilizam. E maximizam a sua utilidade e não a utilidade da sociedade.

Disse recentemente que o Estado regulador em Portugal morreu antes de começar. A frase é sua. Na sua análise não existe de todo supervisão e regulação independente em Portugal?

Não há Estado regulador em Portugal. Temos um Estado que importou a arquitetura regulatória, porque lhe foi imposta pela União Europeia. Mas o Estado mantém-se igual: interventivo e não regulador. É um Estado pombalista que se baseia na filosofia da nossa classe política há 200 anos. Um Estado dirigista que comanda as políticas económicas e entre elas a política industrial. E agências regulatórias não são parte de um Estado dirigista porque partem de um modelo em que o Estado sai da sua intervenção industrial, económica no seu todo, e entrega isso a observadores independentes, que têm que dosear a concorrência e os aspetos regulatórios das várias empresas no mercado. E o Estado participa como se fosse mais um ator económico. Não é essa a nossa filosofia. Existe uma espécie de problema de esquizofrenia. Por um lado queremos aproximarmo-nos dos modelos do Estado regulador, porque no fundo temos consciência que, apesar das crises, o capitalismo regulado é o que produz a maior riqueza. Mas por outro lado e ao mesmo tempo temos esta lógica dirigista dos últimos 200 anos, que nos impede de nos libertarmos disso.

O que eu rejeito são as explicações de que o problema é termos elites pequenas, que todos conhecem. Isso também acontece na Holanda, e na Bélgica, e na Suíça, e muitos outros países até mais pequenos que nós. Porque é que nesses países elites pequenas são capazes de gerar estados reguladores e nós não conseguimos libertar-nos do Estado dirigista? Tem a ver com aspetos culturais, quase antropológicos, da forma como nos organizámos nos últimos 200 anos, de não nos conseguirmos libertar do dirigismo do Estado. Que é o que não existe na Holanda ou Bélgica. Esta necessidade de o Estado estar presente em todos os setores. De o Estado estar constantemente a imiscuir-se nos setores.

É um erro a classe política responder com legislação a cada crise pontual que temos. Mas se algum político vem dizer à comunicação social “eu não vou fazer legislação”, será acusado de não estar a fazer nada.

Nuno Garoupa

Professor universitário

Não são só os políticos que o querem são também os cidadãos?

É um erro a classe política responder com legislação a cada crise pontual que temos. Mas se algum político vem dizer à comunicação social “eu não vou fazer legislação”, será acusado de não estar a fazer nada. É verdade que fazem legislação a mais, mas por outro lado a sociedade considera que fazer alguma coisa é legislar. Portanto, estamos permanentemente a legislar porque a classe política sente necessidade de responder a qualquer exigência da cidadania. É parte desta ideia do Estado como motor da Economia.

Estaríamos melhor servidos, face à situação que descreveu, se tivéssemos mantido as direções-gerais em vez de serem entidades reguladoras?

Para ser honesto e coerente, não faz grande diferença. Sai-nos um bocadinho mais caro. Mas também não vamos entrar no discurso miserabilista de que são os salários dos reguladores que criam os problemas orçamentais.

"Se a regulação tivesse sido mais eficaz hoje éramos mais competitivos.(…) E na minha opinião perdemos competitividade por causa de políticas económicas interventivas e que voltam a um Estado dirigista, que é um problema que nós temos cultural.”

Nuno Garoupa

Professor universitário

A questão é se fazia diferença em termos de eficácia e não de captura?

Para as pessoas que defendem, como eu, um Estado regulador a sério, temos um problema até mais grave: a introdução das agendas regulatórias coincide com o período de crise estrutural da economia portuguesa. Portanto, poderia fazer a demagogia económica fácil de correlacionar as duas coisas e dizer “vejam, quando aparecerem as agências regulatórias a economia ficou menos competitiva e até desaceleramos nos últimos 20 anos”. Não é o caso. Acho que é daquelas correlações espúrias que aprendemos em estatística. Provavelmente o que explica a perda de competitividade da nossa economia também explica porque é que as agências regulatórias não tiveram a eficácia que deviam ter numa economia mais competitiva.

Ou seja, se elas tivessem sido mais eficazes, provavelmente seriamos mais competitivos?

Acho que sim. Ou pelo menos os fatores que explicam a ineficácia da regulação são fatores que também explicam, na minha opinião, porque é que nós perdemos competitividade nos últimos 20 anos. E na minha opinião perdemos competitividade por causa de políticas económicas interventivas e que voltam a um Estado dirigista, que é um problema que nós temos cultural.

"O que mais me choca é que estamos em 2017 a discutir propostas de alteração à regulação da banca sem um diagnóstico claro sobre o que aconteceu.”

Nuno Garoupa

Professor universitário

Qual é o caso que o chocou mais neste domínio da regulação?

Temos um problema grave nos mercados financeiros, em particular no sistema bancário. O que mais me choca é que estamos em 2017 a discutir propostas de alteração à regulação da banca sem um diagnóstico claro sobre o que aconteceu.

Já nem digo um consenso mas duas ou três escolas de pensamento que nos venham dizer que correu mal. Houve falhas de regulação porque os reguladores foram capturados pelo setor? Ou houve falhas por captura política, isto é, os reguladores foram capturados pela tutela? Ou houve falhas de regulação por questões técnicas, isto é, os reguladores não eram pessoas preparadas, não tinham informação, não tinham estrutura? Ou ainda porque se alterou o contexto europeu e surgiram mais falhas de mercado? São quatro explicações possíveis, completamente diferentes, para aquilo que aconteceu. Nós neste momento não temos um Livro Branco, um conjunto de conclusões que nos permitam fazer esse diagnóstico.

Quem é que poderia fazer esse Livro Branco?

Deveria ser feito por observadores externos, mas com o apoio quer do Ministério das Finanças, quer dos reguladores do setor.

Mas não têm todos culpas no cartório?

Por isso é que o Livro Branco tem de apurar responsabilidades.

Mas o problema é encontrar alguém que não tenha estado envolvido direta ou indiretamente nos casos.

Se formos buscar especialistas exteriores ao país encontramos pessoas que não tiveram envolvidas e que podem fazer esse tipo de análise. O que não pode ser, por exemplo, é voltarmos à OCDE ou ao Fundo Monetário porque têm interesses já aqui dentro. Mas existem milhares de outras instituições e especialistas por este mundo fora.

"O nosso sistema de regulação e supervisão da banca falhou bastante mais do que o sistema espanhol. (…) O modelo espanhol permitiu detetar e resolver o problema mais cedo e permitiu a transparência do programa. O nosso não. E essa é uma questão que também temos de abordar: porque é que nós acordámos tão tarde?”

Nuno Garoupa

Professor universitário

Devia ser feito esse estudo antes de se avançar para alterações no modelo de regulação da banca?

Antes de se avançar, sim, porque vamos fazer alterações sem saber exatamente o que aconteceu. Qualquer destes quatro diagnósticos que acabei de fazer leva a reformas completamente distintas. Se foi um problema político, é uma questão; se isto foi um problema de captura pelos regulados é outra; se os reguladores até eram muto bons mas o que houve foi uma alteração do contexto internacional que criou enormes falhas de mercado e os reguladores, por melhor preparados que estivessem, não conseguiam regular, isso é outro problema completamente diferente.

Mas não podemos concluir que isto foi um problema geral? Porque seja qual for o modelo regulador da banca todos falharam… O famoso modelo holandês Twin Peaks que era usado como referência também falhou…

Todos falharam, mas uns falharam mais do que outros.

Qual é que falhou menos?

Neste momento, se calhar, ainda não sabemos até que ponto o nosso modelo de regulação e supervisão da banca falhou, dado o ciclo de problemas na banca. Se calhar só daqui a cinco anos é que podemos fazer esse balanço. O nosso sistema de regulação e supervisão da banca falhou bastante mais do que o sistema espanhol, apesar da banca espanhola ter imensos problemas.

Acha que o nosso modelo falhou mais do que o modelo espanhol?

Acho, absolutamente. O modelo espanhol permitiu detetar e resolver o problema mais cedo e permitiu a transparência do programa. O nosso não. E essa é uma questão que também temos de abordar: porque é que nós acordámos tão tarde? Foi porque o regulador escondeu o problema ou porque o regulador não viu o problema? Eu não digo que temos de ter um consenso, porque provavelmente é quase impossível pedir a um economista ou a um analista que se situe na área do Bloco de Esquerda que vá ter o mesmo diagnostico que alguém que se situa na área mais liberal. Temos é de ter um diagnóstico que permita, às diferentes ideologias, perceber quais são os fatores que falharam. Por exemplo, não vale a pena fazer reformas profundíssimas da lei se chegarmos à conclusão de que não foi um problema de regulação, em termos de legislação, mas sim de pessoas que estão nos reguladores. Aí a única lição a tirar é que temos de ser mais cuidadosos e mais profissionais nas escolhas dos próximos reguladores. Ora, eu não sei se esse é problema.

O debacle da banca foi o maior problema que nós tivemos em termos coletivos nos últimos 40 anos. E a sensação que tenho é que vamos avançar em força para reformas sem ter tempo para pensar sobre o que falhou. E se o diagnóstico estiver errado vamos fazer grandes reformas para daqui a dez anos estarmos outra vez com problemas.

Acho inaceitável o Banco de Portugal continuar a fazer ‘outsourcing’ quer da parte das auditorias, quer da questão legislativa, nomeadamente a sociedades de advogados de Lisboa. É absolutamente intolerável. O regulador é feito para aplicar a regulação, não é para delegar a aplicação da regulação em ‘outsourcing’ em sociedades de advogados.

Nuno Garoupa

Professor universitário

Não concorda então com a proposta de reforma do modelo de supervisão e regulação da banca que está em cima da mesa?

Eu discordo. Para além de considerar que a proposta não responde a um diagnóstico, discordo em duas questões que me parecem complicadas. Uma é: não percebo muito bem porque é que vamos tentar corrigir o que existe criando novas instituições sem avaliar o Banco de Portugal. Entrando já naquela que é a minha opinião sobre o diagnóstico, um dos problemas que temos é que o Banco de Portugal não foi reestruturado da forma que devia ter sido com o euro. O Banco de Portugal continua a ser uma instituição extremamente pesada, pouco flexível e com sérios problemas de organização.

Sei que o Governador e o Conselho de Administração do Banco de Portugal têm noção do problema e não o conseguiram resolver. Acho inaceitável o Banco de Portugal continuar a fazer ‘outsourcing’ quer das auditorias, quer da legislação, nomeadamente a sociedades de advogados de Lisboa. É absolutamente intolerável.

Porquê?

O regulador é feito para aplicar a regulação, não é para delegar a aplicação da regulação em ‘outsourcing’ em sociedades de advogados. É o único banco central que faz isto em toda a Europa. Isto, há muito, que devia ter sido acautelado. Por exemplo, acho extremamente grave que a resolução que levou à intervenção no Banco Espírito Santo tivesse sido produzida fora do Banco de Portugal. A questão é que já estamos em 2017 e continuamos a ter o mesmo problema. O mesmo se passa em relação às auditorias forenses: como é que não é o Banco de Portugal, diretamente, sem qualquer envolvimento das auditoras, que faz as auditorias forenses? Mais uma vez, se não tem capacidade técnica para o fazer diretamente já devia ter resolvido isso.

Mas isso não é mais eficiente no sentido do custo?

Não, não é. Porque cria uma questão óbvia de conflito de interesses. Se o Banco de Portugal tem condições financeiras, que sabemos que tem, tem de montar os departamentos adequados, como aliás faz a FED nos Estados Unidos. É importante pensar na reforma do Banco de Portugal. Claro que depois levanta-se a questão da posição do Banco Central Europeu, de que o Governo e a Assembleia da República não podem interferir no Banco de Portugal. A minha perceção é que o BCE, se lhe for apresentada uma reforma estrutural do Banco de Portugal para melhorar o seu desempenho estará completamente aberto a essa reforma.

Mas a independência do Banco de Portugal é só em relação à política monetária não é na supervisão…

Sim, exatamente. Mas levantam sempre esta questão. Porque o Banco de Portugal criou esta situação complicada, aliás como todos os reguladores, que para algumas questões é dependente do sistema e europeu e para outras do sistema nacional.

Vive no melhor dos mundos.

Isto é como quando se tem dois chefes… usa o outro chefe para culpar…

Mas acha que o Banco de Portugal está a usar isso para se proteger?

Acho que sim. O Banco de Portugal argumenta que não se pode fazer por causa do BCE em questões que são de semântica. Porque é evidente que o sistema europeu de bancos centrais o que quer é que o Banco de Portugal funcione o melhor possível. Logo, o sistema europeu terá grande interesse em tudo o que forem alterações para melhorar o funcionamento do Banco de Portugal.

"Na proposta de reforma de supervisão e regulação da banca, para além do problema de estarmos a criar mais instituições, há a questão dos reguladores ficarem sujeitos a uma outra entidade que tem a preponderância do Ministério das Finanças. Isso é que me parece que é perverter a regulação.”

Nuno Garoupa

Professor universitário

Estava a identificar as razões pelas quais discorda da proposta de alteração do modelo de regulação. Uma delas é a reestruturação do Banco de Portugal. E as outras?

É preciso perceber qual é o problema do Banco de Portugal. E a pessoa indicada para o fazer é o atual Governador, porque é quem melhor conhece e tem mais presente aquilo que são as dificuldades do Banco de Portugal. O governador tem dito publicamente o que também defendo há anos: que quem faz supervisão não deve fazer regulação. Então como é que vamos reformar o Banco de Portugal para separar claramente regulação de supervisão?

Depois, há aqui a questão do metaregulador na proposta de reforma. Confesso que o metaregulador apanhou-me de surpresa, porque não vejo de onde é que vem essa ideia.

Temo que vamos evoluir para um modelo governamentalizado de supervisão e regulação da banca (…) E que terminemos com conflitos permanentes.

Nuno Garoupa

Professor universitário

É um modelo português?

Sim. Dizem alguma coisa sobre o modelo italiano. Mas o modelo italiano não tem verdadeiramente um metaregulador governamentalizado. E é um modelo de duvidosa produção de resultados, porque a banca italiana foi também um dos problemas mais graves na União Europeia. Depois falam do Twin Peaks voltando ao debate de 2009. Mas em 2009 o que se defendia era alguma centralização das atividades de supervisão e não era num metaregulador.

O que está em cima da mesa é criar uma outra instituição que de alguma forma vai ser um chapéu sobre os três reguladores que existem neste momento: Banco de Portugal, seguros e CMVM. Para além do problema de estarmos a criar mais instituições, há a questão dos reguladores ficarem sujeitos a uma outra entidade que tem a preponderância do Ministério das Finanças. Isso é que me parece que é perverter a regulação.

Se me dissessem que isto é a forma de voltar ao sistema de direções-gerais e que dentro do direito europeu não era possível fazer de outra maneira, aí aceito. Se essa for a filosofia, posso ou não concordar mas percebo. Mas não foi isso que foi anunciado. A filosofia anunciada é favorecer a coordenação destas entidades reguladoras mas sob supervisão do Estado, nomeadamente do Ministério das Finanças, através de uma personalidade independente. Entramos aqui na semântica dos independentes, porque independentes são todos, ainda não conheci nenhuma que fosse dependente. Que personalidade mágica independente é essa que nos vai aparecer lá em cima e que vai coordenar estas três instituições?

Temo que vamos evoluir para um modelo governamentalizado que tem duas possíveis implicações: ou de facto governamentaliza aproximando-se do modelo de direções-gerais que não é aquele que eu defendo, mas admito que quem partilhe de uma visão de Estado intervencionista e dirigista, mais à esquerda, pense que é o adequado. Ou então vamos ter conflitos permanentes entre o Banco de Portugal, a CMVM de um lado e a tal entidade reguladora do outro lado.

Ampliamos os conflitos, ou seja, aquele conflito que houve entre o Banco de Portugal e a CMVM passa a ser com outro ator.

Passa a ser com outro ator que, ainda por cima, teoricamente, está acima daqueles dois reguladores. Por isso eu temo que terminemos com conflitos permanentes.

  • Helena Garrido
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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