O vírus dos transportes que prospera com um buraco de milhões

Desde que nasceu, a Uber registou perdas de 4 mil milhões de dólares. Mas continua a convencer os investidores e é hoje a startup mais valiosa do mundo.

Economia da partilha: várias pessoas, a nível global, partilham recursos através de uma plataforma comum. As pessoas: os condutores e os conduzidos. Os recursos: os carros dos condutores. A plataforma comum: a aplicação da Uber.

Se levarmos o esforço de síntese ao extremo, pode definir-se assim o modelo de negócio da Uber. Só que, por trás, há um mundo de números, estratégias de crescimento, captação de investimento e gestão de dívida que faz com que a startup mais valiosa do mundo consiga sê-lo, mesmo com prejuízos de, pelo menos, quatro mil milhões de dólares, registados ao longo dos seus sete anos de existência.

Começando do início: a Uber nasceu em 2009, pelas mãos dos amigos Travis Kalanick e Garrett Camp. A ideia era criar um serviço de mobilidade urbana inovador, que aliasse o luxo à tecnologia. Sete anos depois, os números são esmagadores. A aplicação já funciona em 470 cidades, de 70 países, contando com um milhão de condutores associados à plataforma. Faz três milhões de viagens por dia e, só em 2015, teve 10 mil milhões de viagens agendas.

Esses não são sequer os números que impõem mais respeito. Atualmente, a Uber está avaliada em 68 mil milhões de dólares, ou 60,6 mil milhões de euros. É a startup privada mais valiosa do mundo e, a par do Facebook, foi a única a conseguir ficar avaliada em 50 mil milhões de dólares ao final de cinco anos de vida.

A Uber em 30 segundos

Como conseguiu isto? Funciona como um vírus, com cinco focos de propagação. Pelo menos, é essa a conclusão de um estudo recente da consultora Fabernovel, que analisa os segredos que estão por trás deste crescimento explosivo.

  • Foco número um: sintetizar o problema. A Uber identificou um mercado — o dos transportes — mal servido e criou uma plataforma para servi-lo dez vezes melhor. Como? Com uma aplicação que liga condutores e passageiros em tempo real, dispensando intermediários ou apoio operacional significativo. E sem ativos materiais. Isto é, a Uber não detém nenhum dos carros com que oferece as viagens aos utilizadores. Os carros são detidos ou pelos condutores, ou por empresas de rent-a-car. Em Portugal, por exemplo, a Prodigydivision e a Choice Car (do grupo Salvador Caetano) são duas das empresas que trabalham com a Uber.
  • Foco número dois: espalhar as sementes. A chave é encontrar o melhor ambiente para incubar a sua ideia em circunstâncias favoráveis. Em cada cidade onde opera, a Uber contrata uma equipa coesa e preparada para um lançamento em menos de dois meses (chegou a conseguir lançar o serviço em cinco dias) e, depois, não poupa no investimento para criar oferta, chegando a pagar 500 dólares para atrair motoristas de outras plataformas e oferecendo 10 dólares a novos passageiros e a passageiros que recomendem o seu serviço.
  • Foco número três: tornar-se contagiosa. Para isso, alavanca a base de utilizadores e estabeleceu parcerias com outras entidades para exponenciar o efeito vírus. Ou seja, quando atinge uma massa significativa num mercado, os efeitos de rede começam a surgir tanto do lado da oferta como da procura.
  • Foco número quatro: mudar rapidamente. A Uber não parou de inovar para alargar o mercado e eliminar a concorrência. Passou de oferecer o serviço com carros executivos (o UberCab) para modalidades com carros de privados (UberX), de transporte coletivo (UberPOOL) e de logística (UberEATS).
  • Foco número cinco: defender. É uma equação simples. Ou defende o seu mercado de reguladores e concorrência, ou será substituído.

À boleia da fé dos investidores

É um modelo quase infalível que esconde dívidas de milhões. Desde 2009, quando nasceu, a Uber já acumula perdas de, pelo menos, 4 mil milhões de dólares, um valor difícil de bater. Só em 2015, registou um EBITDA (resultados antes de impostos, juros, amortizações e depreciações) negativo de 2 mil milhões de dólares.

As comissões aos condutores são, segundo os administradores da Uber, a principal razão para os prejuízos. Mas a estratégia agressiva de entrada nos mercados também partilha uma fatia importante da culpa. Em 2015, a empresa perdeu mil milhões de dólares quando tentou reforçar a presença no mercado chinês.

Como é possível sobreviver a estes níveis de endividamento? Com a fé dos investidores. “A Uber é sustentada não pelas suas receitas mas, também, pela captação de investimento. E não há dúvidas que os investidores acreditam que o futuro da Uber é muito promissor”, refere ao ECO Nuno Ribeiro, country manager da Fabernovel em Portugal. Em sete anos de vida, a empresa angariou um total de 14 mil milhões de dólares, em 16 rondas de investimento.

“Há uma visão de poder conquistar vários mercados na área dos transportes (que está em grande transformação) e que a médio-longo prazo possa tornar-se muito rentável. É com base nesta expectativa que o mercado/investidores fazem com que a sua valorização seja de 68 mil milhões de dólares (com base na última ronda de investimento)”, acrescenta o responsável.

Por outro lado, diz, a Uber conta com uma “forte liderança, muito know how acumulado, capacidade tecnológica e condições financeiras (pelo investimento que atraiu” para resistir à eventual resposta de players mais fortes e “conseguir uma forte quota de mercado nos transportes”.

O futuro é autónomo

Se o modelo “vírus” funcionar a longo prazo, o futuro da Uber passa por se transformar numa rede de transportes perfeitamente otimizada. E isso passa pela autonomização.

A Uber planeia substituir a sua frota de motoristas por uma frota de carros autónomos assim que a tecnologia o permita, o que resultará em viagens mais baratas, sem a preocupação das comissões dos motoristas. Entre as ações com que já avançou nesse sentido, contam-se as seguintes:

  • Abriu um centro de investigação em Pittsburg, no ano passado, para construir os próprios carros autónomos.
  • Alegadamente, pré-encomendou 100 mil Mercedes, que vai adquirir quando estes já tiverem tecnologia de auto-condução.
  • Estabeleceu uma joint-venture com a Volvo para desenvolver carros autónomos.
  • Adquiriu a OTTO, empresa que desenvolve software para camiões autónomos.

“Não sabemos se vão conseguir, sabemos que estão a investir fortemente para conseguir fazê-lo”, conclui Nuno Ribeiro.

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