Da Renault à Enron. Quando as empresas levam os próprios CEO à Justiça

Carlos Ghosn foi detido esta segunda-feira por fraude fiscal. O caso não é, no entanto, inédito e assemelha-se a outros casos como o de Thomas Borgen do Danske Bank há apenas dois meses.

Há lideranças empresariais mais ou menos carismáticas e há empresas indissociáveis dos seus presidentes executivos. É o caso do grupo automóvel Renault-Nissan e de Carlos Ghosn. No entanto, esta segunda-feira foi a própria empresa a denunciar que o CEO usava o grupo para evasão fiscal. A situação não foi, no entanto, inédita e assemelha-se a tantas outras, como a do Danske Bank ou da Cambridge Analytica, também este ano.

  • Renault-Nissan

O patrão da gigante automóvel, Carlos Ghosn, está a ser investigado por fraude fiscal no Japão e foi detido esta segunda-feira, segundo confirmou o CEO da Nissan, Hiroto Saikawa. A empresa já está a acionar os mecanismos necessários para terminar o contrato de Ghosn, levando a um tombo superior a 10% nas ações da Renault durante a manhã, para mínimos de quatro anos.

O gestor brasileiro de ascendência libanesa era um dos poucos estrangeiros a ocupar uma posição de liderança no Japão. Ghosn chegou à Nissan, em 1999, para o lugar de presidente executivo e para liderar a recuperação do fabricante, com sede em Yokohama, depois de ter oficializado uma aliança com a francesa Renault. Conseguiu dar a volta ao grupo, salvando-o da ameaça de falência.

Quase duas décadas depois, foi a própria Nissan a anunciar que Ghosn utilizava ativos da empresa para uso pessoal. O brasileiro é também suspeito de ter subestimado as declarações de impostos pessoais, depois de, em junho, os acionistas da Renault terem aprovado um prémio de 7,4 milhões de euros. A esse valor acrescem ainda 9,2 milhões de euros que recebeu no último ano enquanto CEO da Nissan.

  • Danske Bank

Os primeiros dados apontavam para 30 mil milhões de euros de origem russa lavados na Estónia, que teriam sido descobertos por uma auditoria independente. Dois meses depois de ter sido descoberto o escândalo do banco dinamarquês Danske Bank, sabe-se que o valor envolve mais de 200 mil milhões de euros em pagamentos de não residentes entre 2007 e 2015. A análise às contas havia sido, afinal, pedida pelo responsável pela unidade de trading do banco para a região dos Bálticos.

Empresas fantasma eram usadas para encobrir a identidade de pagamentos originários na Estónia, Rússia, Letónia, Chipre e Reino Unido, de acordo com a análise pedida por Howard Wilkinson, que já tinha avisado a administração em Copenhaga sobre atividades suspeitas em 2013. O caso está a ser investigado na Dinamarca, Estónia, EUA e Reino Unido.

Apesar de ainda não haver conclusões judiciais, o então CEO do Danske Bank, Thomas Borgen, demitiu-se justificando que apesar de não ser pessoalmente responsável do ponto de vista judicial, foi, em última análise, responsável. As consequências não ficaram por aí. O regulador dinamarquês alertou para os riscos reputacionais e de compliance do banco, tendo aumentado os requisitos de capital em dez mil milhões de coroas dinamarquesas (cerca de 1,34 mil milhões de euros). As ações do banco negoceiam mais de 40% abaixo do valor a que cotavam no final de fevereiro.

  • Cambridge Analytica

A falha na segurança que expôs dados de 87 milhões de utilizadores da maior rede social do mundo — depois de uma empresa de estudos de mercados que trabalhou para a campanha eleitoral de Donald Trump ter tomado posse de informações pessoais — foi um dos casos mais mediáticos este ano. O Facebook tremeu, mas foi na Cambridge Analytica que rolaram cabeças. Em ambos os casos, além da oposição externa, houve críticas internas.

Ao longo de um ano, Christopher Wylie (então diretor de research da empresa de estudos de mercados) ajudou os jornais norte-americanos The Observer e The New York Times numa investigação que levou à descoberta, em março deste ano, do uso ilegal de dados pessoais dos utilizadores do Facebook pela Cambridge Analytica. Apenas um dia depois de as notícias terem sido conhecidas, caia o CEO, Alexander Nix.

Alexander Tayler foi, assim, promovido de chief data officer a CEO, mas ocupou a posição apenas um mês e, em abril, também ele caiu. Seis semanas após o escândalo ser tornado público, a Cambridge Analytica não resistiu: abriu insolvência tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos. Do lado do Facebook, os acionistas pediram a saída de Mark Zuckerberg, mas — entre pedidos de desculpa e reforço da segurança da rede social — o CEO mantêm-se na liderança da empresa detentora da maior rede social do mundo.

  • Barclays

O banco britânico ainda não se tinha recomposto de um processo judicial relacionado com informação enganadora durante um aumento de capital, nem do escândalo de manipulação da taxa de juro Libor, quando se viu envolvido numa nova polémica. No ano passado, o CEO do Barclays, Jes Staley, foi acusado de usar a equipa de segurança interna para encontrar os autores de duas cartas anónimas enviadas por membros da equipa que denunciavam a conduta de um membro senior.

Em duas cartas, funcionários do Barclays acusavam de conduta imprópria o recém-contratado Tim Main, que havia trabalhado com Staley no banco norte-americano JP Morgan. O CEO reagiu às acusações com o lançamento de uma caça às bruxas interna. Não conseguiu encontrar os culpados, mas sim um problema financeiro e reputacional.

Os reguladores britânicos — a Autoridade de Conduta Financeira e a Autoridade de Regulação Prudencial do Banco de Inglaterra — em conjunto com o próprio Barclays acabaram por multar Jes Staley em 1,1 milhões de libras esterlinas (cerca de 1,235 milhões de euros). O CEO manteve-se, no entanto, no cargo.

  • Rio Tinto

O grupo mineiro com sede em Londres, Rio Tinto, comprou 3,7 mil milhões de dólares em ativos relacionados com carvão moçambicano no verão de 2011. A empresa tinha planos ambiciosos de vender mais de 40 milhões de toneladas de carvão por ano através da atividade ao longo do rio Zambezi. No entanto, pouco tempo depois da aquisição, os obstáculos começaram a surgir, tendo culminado na proibição por parte do Governo moçambicano de exploração da matéria-prima na região.

No final de 2011, a Rio Tinto tinha já percebido que conseguiria, no cenário mais otimista, vender 5% do montante inicial estimado. E mesmo este, era de menor qualidade que o esperado. No ano seguinte, a empresa já sabia que o negócio ruinoso viria a ter um impacto negativo de 680 milhões de dólares nas contas da empresa. Apesar disso, manteve a mina e na folha de balanço representava três mil milhões de euros.

As conclusões são do regulador dos mercados norte-americano, que acabou por investigar o caso depois de uma denúncia interna. Tendo-se apercebido da conduta enganosa e do impacto que poderia vir a ter, um funcionário da empresa passou por cima do então chief financial officer, Guy Elliott, e do então CEO, Tom Albanese, e denunciou o caso diretamente ao chairman da Rio Tinto. Os dois perderam o emprego, foram acusados de fraude e a imparidade representou mais de 80% da perda de valor da Rio Tinto nos dois anos seguintes.

  • Enron

Menos recente, mas não menos mediático, foi o caso da Enron. Após 14 anos na prisão, o antigo CEO da energética Jeff Skilling foi libertado. Apesar do longo período, a pena recebida pelo agora sexagenário — por 19 crimes de conspiração, fraude financeira, inside trading e informação enganosa prestada a auditores — era de 24 anos. Tudo começou, tal como nos outros casos, com uma denúncia interna.

Galardoada com prémios de inovação, a Enron era uma das empresas mais sólidas dos EUA quando, em 2001, a vice-presidente Sherron Watkins, denunciou o próprio chefe, Ken Lay, por atividades fraudulentas.

A investigação das autoridades norte-americanas acabaram por concluir que o arquiteto do esquema para esconder perdas financeiras de 700 milhões de dólares e apresentar lucros ilusórios foi Skilling, que acabou por ser condenado em 2006. A empresa não resistiu para ver a condenação já que, ainda em 2001, tornou-se a maior falência até então no país.

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