Like & Dislike: Quem vai dar a má notícia aos associados do Montepio?

O código das Mutualistas prevê um mecanismo de injeção de capital na instituição, sem recorrer a artifícios contabilísticos. Os associados podem, e se calhar devem, ser chamados a contribuir.

Todos estão a criticar o “martelanço” no balanço da Associação Mutualista Montepio Geral por deitar mãos a um esquema que, sendo legal, vem mascarar artificialmente a miséria que são as contas da instituição. O que é perigoso já que o património da Associação serve de garantia aos produtos mutualistas que são vendidos aos balcões da Caixa Económica.

Sendo uma IPSS, que poderia a Mutualista fazer, ao invés, para tapar o buraco nas contas? Existe uma resposta óbvia, mas se calhar não agrada a todos.

Depois da crise financeira, os bancos deitaram mãos a este mecanismo legal dos ativos por impostos diferidos, — DTA na sigla inglesa, — que no caso da banca até podia ser convertido em créditos fiscais para melhorar os rácios. Só que, esta é uma solução que comprou tempo, mas não resolveu o problema de fundo da banca. Para tal, os bancos tiveram mesmo de pedir dinheiro aos seus acionistas e fazer aumentos de capital.

A Associação, cujo principal ativo é o banco, deitou mãos a este artifício contabilístico que permite alindar as contas, mas sem resolver nenhum problema de fundo. Como explicava Bagão Félix, aqui no ECO, transformou “contas estruturalmente negativas em contas conjunturalmente positivas”.

Logo, para resolver o problema estrutural, é preciso pedir dinheiro aos acionistas. E quem são os acionistas da Associação Mutualista? São os mais de 600 mil associados. E estas famílias podem ser chamadas a ajudar a IPSS? Podem e, se calhar, devem.

Como recordava o economista Eugénio Rosa, o Código das Associações Mutualistas, no seu artigo 20º, afirma o seguinte: “É obrigatória a alteração do regulamento de benefícios com vista a restabelecer o necessário equilíbrio técnico-financeiro sempre que, pela análise dos balanços organizados nos termos do artigo 53.º e de outros instrumentos de gestão, se verifique a impossibilidade de concessão, atual ou futura, dos benefícios nele estabelecidos”.

Resumindo, o que este artigo refere é que os associados podem ser chamados a contribuir para capitalizar a instituição caso esta esteja numa situação de desequilíbrio financeiro, aceitando uma redução de juros dos seus produtos mutualistas, ou aceitando um haircut no capital que investiram.

Neste cenário, os mutualistas com produtos da Associação estariam a abdicar de parte da rendibilidade ou mesmo de uma fatia do que investiram para “comprar” uma espécie de seguro que protegesse o seu capital. Capital que, além de não ter a segurança do Fundo de Garantia de Depósitos, está protegido por um património artificialmente insuflado por créditos fiscais.

Dos 808 milhões de euros de ativos por impostos diferidos que a Associação Mutualista contabilizou no balanço, – e que aumentou os capitais próprios de 250 milhões de euros negativos para 510 milhões positivos –, qual é a parte que servirá para proteger o dinheiro investido nos produtos mutualistas em caso de necessidade? Zero. Porque esse dinheiro não existe.

Estando a Associação a atuar num autêntico vazio em termos de supervisão, quem deveria sugerir esta medida aos associados? O presidente da Associação, na assembleia de 28 de março. Tomás Correia deveria explicar aos associados a real situação das contas do banco que, sem esta “borla fiscal”, tem um buraco (sem contar com os interesses minoritários) de 346,6 milhões de euros. E explicar as alternativas para resolver o problema mesmo que algumas possam ser mais dolorosas a curto prazo. Se, mesmo assim, os associados decidirem manter a atual situação, então estariam por sua conta e risco. É normal ficarmos deslumbrados com um truque de magia que não percebemos; mas depois de explicado a coisa normalmente perde a piada.

Sucessivos anos a acumular prejuízos, e a oferecer retornos nos produtos mutualistas muitas vezes acima dos valores que são praticados no mercado, não se resolvem de um dia para outro com um truque de contabilidade. É preciso injetar dinheiro fresco.

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