Pequim como destino

  • ECO
  • 1 Março 2018

Como é que nos adaptamos a um país onde a cultura e a língua nos desafiam todos os dias? Três portugueses a residir em Pequim contam como o conseguiram ao ponto de já se sentirem em casa.

Em 2010, o chef Paulo Quaresma tomou uma decisão: enviar currículos para diversos países e aceitar a primeira proposta de trabalho que recebesse. Calhou que viesse do Hotel Legendale, em Pequim. Não hesitou e partiu. Primeiro pensando que ia apenas por uma temporada, mas acabou por ir ficando e hoje, aos 43 anos, desempenha as funções de chef executivo.

Depois de, em Portugal, ter trabalhado em locais como o Café Café, em Lisboa, ou o Hotel Pestana Cascais, rumou para a China “somente com uma mala”. Mas hoje já possui uma “bagagem maior”, reconhece com sentido de humor. Desde logo porque ali encontrou a sua cara-metade e dessa união nasceram já dois filhos. Aliás, a mulher constituiu a principal ajuda na sua adaptação à cidade, uma vez que no início “não foi muito fácil, porque a língua e a cultura são muito diferentes”, explica por e-mail. “Algo tão simples como pedir um copo de água fresca pode ser difícil, principalmente num país em que todos bebem chá ou água quente mesmo no verão. Ou, então, para poder apanhar um táxi necessitava sempre de ligar a alguém que falasse inglês e chinês para então passar o telemóvel ao taxista”, exemplifica. Até mesmo encontrar um restaurante recomendado por alguém podia complexo, porque “não percebia nada dos caracteres chineses”.

Hoje admite que estas situações “até são cómicas, mas na altura levavam ao desespero”. Para facilitar a vida, acabou por estabelecer “um acordo” com a mulher, apesar de atualmente já conseguir exprimir-se e movimentar-se bem: “Ela trata de tudo o que se relaciona com a China e eu com Portugal.”

Quanto a voltar ao país natal, o chef assume que esse é um projeto que tem, mas ainda deve permanecer em Pequim mais algum tempo. Ou, então, poderá acontecer que se deixe tentar por outro destino próximo: “Se tiver oportunidade ainda gostaria de ir a outro país asiático ganhar mais experiência profissional e contactar com outras culturas, a Ásia é fascinante.”

O desafio da comunicação

Quem também se mudou para Pequim por motivos profissionais foi a arquiteta Sofia David, 39 anos. Primeiro, em 2004, esteve em Xangai, mas logo em 2005 mudou-se para a capital chinesa, quando o atelier para o qual trabalhava ganhou o concurso para um novo projeto.

Lembra-se que a adaptação não foi imediata, pois “achava tudo muito diferente”. “Nunca achei que fosse viver na China e desconhecia muito da cultura chinesa. Ir ao supermercado, por exemplo, era uma aventura devido à língua, que era a principal barreira”, refere. Nesse sentido, aponta mesmo a comunicação como “o grande entrave à adaptação, tanto a nível pessoal como profissional”. Ainda assim, lembra que “muita coisa mudou desde 2004 e agora há muitas mais pessoas a falar inglês”. Já em termos laborais, precisou de aprender e interiorizar aquilo que denomina como “subtilezas culturais”. Por exemplo, perceber que na China “a palavra talvez quer dizer um redondo não”.

Mas, na sua opinião, também é possível encontrar paralelismos com a cultura portuguesa: “As relações intrafamiliares são bastante semelhantes às nossas. Os avós têm um papel fundamental na educação dos netos e os pais dependem muito da sua ajuda para poderem trabalhar, o que é uma situação também frequente em Portugal.”

“Pequim não representa a China”

Sofia David assume que “também se sente em casa em Pequim”, desde logo porque é nesta cidade que tem a sua família nuclear. “Foi aqui que nasceram os meus filhos e eles só conhecem outras casas quando vamos de férias. O nosso quotidiano é cá”.

Mas a arquiteta reconhece igualmente que “Pequim não representa a China”. “Tal como noutros países, a capital tem um acesso maior a serviços e cultura”, resume. Nesse sentido, identifica as vantagens de viver numa cidade desta dimensão: “Os meus filhos têm a sorte de fazer amigos de muitos países e de poderem, através deles, conhecer culturas muito diferentes. Espero que essa experiência lhes traga a respetiva tolerância no futuro.”

E se, por um lado, considera que “Pequim não é uma cidade fácil, porque é muito poluída e tem um planeamento que a torna muito vasta e difícil de descobrir ao acaso”, também é verdade que constituiu um importante desafio para a sua carreira: “Como arquiteta acho que seria muito difícil trabalhar noutro local em projetos com a dimensão dos que nos são apresentados na China. Por vezes é caótico trabalhar em projetos tão complexos, mas a quantidade de informação que se acumula é uma mais-valia.”

Adaptação fácil

A contrastar com estas experiências, Renato Roldão, 38 anos, refere que a sua adaptação a Pequim, onde reside desde janeiro de 2008, “foi fácil”. Mas há um motivo que o explica: já aqui tinha vivido em 2002, na altura como estudante de língua chinesa. Por isso, quando surgiu a oportunidade de trabalhar na China em projetos relacionados com energia, ambiente e alterações climáticas, decidiu aceitar. “Trata-se de um dos países mais interessantes do mundo para trabalhar nestas áreas de atividade”, explica o Managing Director da ICF, cargo que acumula com a função de Project Team Leader na EU-China ETS Platform, nomeado pela Comissão Europeia.

Lembra-se que quando chegou, pela primeira vez, ficou impressionado com “a imensidão da cidade em termos de área geográfica e número de habitantes e também com o cheiro do ar, diferente do que estava habituado em Portugal, nalguns casos devido às comidas de rua e noutros devido à poluição”. Hoje sente-se completamente em casa, já que desde 2009 vive acompanhado da família constituída pela mulher, Ana, e pelos filhos, Pedro e Bianca, esta com apenas quatro meses de idade.

Do ponto de vista profissional, não tem dúvidas em considerar que “trabalhar na China foi um grande acelerador”, pois permitiu-lhe integrar empresas de grande dimensão, assim como “assumir novas funções e responsabilidades em projetos internacionais entre a China e a União Europeia com elevado perfil técnico e político”. Por isso mesmo, diz que sente que o Comércio Chinês de Licenças de Emissão (China National ETS) “é um pouco como um filho”.

Entende que “cabe a cada um de nós, dentro da sua área profissional, promover a excelência de Portugal no estrangeiro”. E é isso mesmo que faz “todos os dias”, afirma. O seu empenho não passou despercebido e em 2012 foi distinguido com a condecoração de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, como reconhecimento pelo seu trabalho na promoção de Portugal na China.

Portugal é futebol

“Bastante acolhedor” é como Renato Roldão caracteriza o povo chinês. “Não há qualquer tipo de discriminação em relação aos portugueses, até porque os chineses têm boa imagem de Portugal”, explica. O mesmo é-nos garantido por Paulo Quaresma, segundo o qual o povo “é muito pacífico e prestável” e para quem “o facto de o outro ser português é indiferente, pois aqui somos ocidentais”.

O que não é nada indiferente é o brilhantismo que o nosso país tem no futebol. Daí que a principal associação seja sempre, inevitavelmente, ao desporto-rei, como todos confirmam em uníssono. “Não há conversa que não envolva o C Lo, que é como chamam cá o Cristiano Ronaldo”, refere Sofia David. Isso e os pastéis de nata, acrescenta Paulo Quaresma, levando a conversa para a sua zona de eleição – a cozinha.

O que ver e fazer em Pequim

  • Visitar: Cidade Proibida, Grande Muralha (pernoitar nas vilas dos arredores), Palácio de Verão, Templo do Céu, Lama Temple, 798 Art District (antiga zona industrial convertida em centro de arte contemporânea).
  • Provar: Pato à Pequim, Hot Pot à Pequim, Noodles, Jian Bing e Dumplings caseiros.
  • Assistir: Espetáculo de Kung Fu Cha, uma demostração artística de como fazer e servir chá.
  • Admirar: Vista do topo do Jingshan Park, onde se pode ver o eixo central de Pequim e a presença da Cidade Proibida como núcleo da cidade.

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