Na Autoeuropa, há casais que só estão juntos dois fins de semana até julho

  • Marta Santos Silva
  • 3 Fevereiro 2018

Hoje é o primeiro sábado obrigatório com os novos horários. As folgas não consecutivas, o pouco tempo em família e os turnos rotativos causam desânimo entre os trabalhadores da Autoeuropa.

Este sábado, Ana vai terminar o turno na fábrica da Autoeuropa à meia-noite. Segunda-feira, entra ao trabalho às sete da manhã. Para esta trabalhadora, no primeiro dia em que a fábrica de Palmela implementa o trabalho obrigatório aos sábados, a situação é particularmente difícil porque o marido também começou a trabalhar nos novos horários e têm um filho de oito anos.

Os novos turnos impostos unilateralmente pela administração da Autoeuropa perante a impossibilidade de chegar a um acordo começaram esta semana, e alguns trabalhadores sublinham o impacto nas suas vidas pessoais e familiares. Ao ECO, Ana lamenta: “Afeta-me tudo, desde a escola do miúdo, aos ATLs, até à família…”

As escalas já foram distribuídas até julho. Durante seis semanas, os trabalhadores alternam semanalmente entre o turno da manhã, das 7h até às 16h, e o turno da tarde, das 15h às 24h. Seguem-se duas semanas a trabalhar à noite, das 00h até às 7h, e depois o ciclo recomeça. Além disto, o trabalho ao sábado passa a ser obrigatório, com uma folga rotativa a ser atribuída em vez desse dia. Por vezes, essa folga calha no sábado.

No entanto, para Ana, as vezes em que a folga calha no sábado não são suficientes. “Há famílias que vão ter dois fins de semana juntas em seis meses”, explicou ao ECO. É esse o caso de Ana e do marido, que já sabem quais vão ser os dois fins de semana em que, até julho, poderão estar dois dias em família, com o filho que nas folgas à semana está na escola.

Em agosto, quando uma versão muito semelhante dos horários impostos fora rejeitada pelos trabalhadores e a Autoeuropa acabava de ver a primeira greve da sua história, uma trabalhadora estimou, ao telefone com o ECO, que houvesse cerca de 300 famílias com filhos em que o pai e a mãe fossem ambos trabalhadores da Autoeuropa. Perante este facto, a Segurança Social acabou por intervir, com a possibilidade de abertura extraordinária de creches na zona de Setúbal para cuidar das crianças mais novas caso não houvesse possibilidade de ficarem com um dos familiares.

Ana, por exemplo, não vê hipóteses para o filho de oito anos no caso de o marido ser chamado a trabalhar no mesmo sábado que ela. “No dia em que não tiver onde o deixar ao sábado, vou ficar em casa ou chegar mais tarde”, afirmou. “Durante a semana, para as noites, temos os meus sogros, mas ao fim de semana quando eles vão embora…”

Mesmo para trabalhadores com situações familiares menos complexas, “o impacto é o normal de qualquer pessoa que não tenha folgas consecutivas”, refere Carlos, ao ECO. Para o trabalhador, os dias soltos de descanso não permitem repousar e, muitas vezes, vão dificultar a transição entre horários diurnos e noturnos em apenas um dia.

A Comissão de Trabalhadores está desacreditada. Quem lá está agora, antes defendia que não deveríamos ter de trabalhar os sábados obrigatórios.

Ana F.

Trabalhadora da Autoeuropa

Ana referiu também que as folgas rotativas podem tornar o dia de descanso solitário. “Numa folga durante a semana não estou com o meu filho, que está na escola, nem com o meu marido, que está noutro turno”, explicou. Uma outra trabalhadora também chamada Ana, a quem chamaremos Ana F., disse ter o mesmo problema com a filha, que já tem 18 anos. “Hoje estou em casa”, afirmou esta sexta-feira ao ECO, “mas a minha filha está na faculdade”. “Amanhã vou trabalhar, e depois só tenho o domingo de folga. Torna-se complicado o convívio…

E o ambiente na fábrica de Palmela? Para Ana F., está “muito mau”. “As pessoas estão desmotivadas”, explica. “A Comissão de Trabalhadores está desacreditada. Quem lá está agora, antes defendia que não deveríamos ter de trabalhar os sábados obrigatórios”.

Este tipo de horário é normal?

Questionado sobre as queixas apresentadas pelos trabalhadores perante os novos horários, Eduardo Florindo, do sindicato Site-Sul, afeto à CGTP, evita a questão. “Críticas há sempre”, confessa. “O trabalho de segunda a sábado devia ter sido evitado. Mas agora está aprovado, e há que tentar que os trabalhadores tenham melhores compensações”.

Os aumentos salariais estão a ser negociados nesta altura pela Comissão de Trabalhadores liderada por Fernando Gonçalves, que realizou plenários com os trabalhadores esta quinta-feira para lhes dar conta do ponto de situação. A Comissão pede aumentos de 6,5%, num mínimo de 50 euros, em 2018, enquanto a administração tem como contraproposta um aumento de 3% em 2018 e de 2% em 2019. Este aumento salarial, destacou Carlos ao ECO, devia já ter sido acordado em setembro. “Daqui a nada estamos em setembro outra vez”, acrescentou.

No contexto europeu, os novos horários na Autoeuropa não são inéditos. Georg Leutert, sindicalista do IndustriAll, Global Union [sindicato global], explicou que não é um horário “normal”, mas também não é invulgar. “Há muitos casos em que os empregadores tentam utilizar o máximo da força de trabalho, e arranjam modelos de 17 ou 21 turnos”, afirmou o especialista do setor fabril automóvel ao ECO. “As empresas dizem que é a sua única hipótese de permanecerem competitivas”.

Na Volkswagen em Palmela, os novos turnos surgiram devido ao novo modelo, o T-Roc, que lá está a ser construído. A fabricante de automóveis alemã quer que sejam produzidos 240 mil T-Rocs este ano na Autoeuropa, o que levou à aplicação dos novos horários apesar de não haver acordo com a Comissão de Trabalhadores. Para Georg Leutert, isso é “muito invulgar”, já que a Volkswagen costuma procurar o acordo dos seus trabalhadores em mudanças do género.

O horário até agosto é transitório, mantendo-se apenas até à pausa anual da fábrica. De agosto em diante, os pormenores dos horários e dos turnos ainda estão a ser negociados, mas a administração pretende ter um modelo de laboração contínua com trabalho inclusive ao sábado.

“Não vejo nenhumas fábricas, não há uma única fábrica na Europa Ocidental, que lide com um novo volume de produção ou um novo produto sem que os sindicatos ou comissões de trabalhadores tenham de fazer concessões”, concluiu Georg Leutert.

Vem aí greve?

Apesar de os trabalhadores terem aprovado em plenário a realização de uma greve nos dias 2 e 3 de fevereiro, esta acabou por não se concretizar, porque os sindicatos decidiram não entregar pré-aviso. Porquê? Para não prejudicar as negociações que continuam entre a administração e a Comissão de Trabalhadores.

Para Ana F., que seria a favor de uma greve, a leitura foi outra. “Pareceu-nos que os sindicatos estão do lado da administração e não dos trabalhadores. O interesse único da administração é o da laboração contínua, e fazer carros. E pronto”, disse.

Carlos, no entanto, considera que uma greve seria inoportuna. “Fazermos uma greve, neste preciso momento, era mau. Há um acordo para fazer para depois de agosto”, disse. “Agosto está aí à porta”.

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