BCE reduz estímulos, mas não estraga contas a Portugal

Portugal espera poupanças de juros na ordem os 300 milhões em 2018. Decisão do banco central de reduzir compras de dívida não deverá afetar as taxas das obrigações portuguesas, dizem os analistas.

Mario Draghi e Vítor Constâncio à entrada para a conferência de imprensa na sede do BCE, em Frankfurt.Flickr BCE

O Banco Central Europeu (BCE) deu mais um passo decisivo rumo à retirada definitiva dos estímulos monetários que têm contido o risco na Zona Euro nos últimos anos, mas os analistas duvidam que a decisão de cortar as compras de obrigações para metade a partir de janeiro vá perturbar os juros da dívida portuguesa.

Um cenário de instabilidade no mercado de dívida ganharia maior relevância para um Governo a fazer contas ao que vai poupar com juros da dívida para manter o défice estável, como é o caso do português. As estimativas incluídas no Orçamento do Estado para 2018 apontam para poupanças de 300 milhões de euros com os encargos no serviço da dívida. Qualquer passo em falso de Mario Draghi que afetasse a confiança dos investidores poderia provocar um rombo nos cofres públicos. Mas não é o que deverá acontecer, antecipam os analistas.

“Em termos gerais, o resultado da reunião é positivo para a periferia do euro, incluindo Portugal“, diz Jens Peter Sørensen, analista chefe do Danske Bank, ao ECO. “Olhando para a frente, penso que com o anúncio do BCE, o ciclo favorável no rating de Portugal e o défice baixo… tudo isto vai contribuir para uma redução do diferencial entre as obrigações portuguesas e italianas para zero pontos antes do final do ano”, acrescenta. As taxas nacionais estão 30 pontos acima das italianas.

Filipe Silva, do Banco Carregosa, descarta também qualquer impacto no mercado de dívida de Portugal. “Mais importante do que a redução do montante mensal de compras de ativos por parte do BCE é a certeza que tivemos hoje que as compras vão manter-se até setembro de 2018 e que podem mesmo continuar para lá dessa data“, explica Filipe Silva ao ECO. “Ou seja, o BCE vai continuar como grande comprador no mercado de dívida, suportando a dívida dos países como Portugal que poderiam ter juros mais altos, dado que têm um risco também mais elevado”, contextualiza.

Na conferência de imprensa, o responsável italiano acabaria por voltar às palavras mágicas que têm descansado os investidores quando o assunto (tabu) é a redução dos estímulos monetários, o famoso tapering: O programa não vai terminar de um dia para o outro. Mantemos o final em aberto”.

"Mais importante do que a redução do montante mensal de compras de ativos por parte do BCE é a certeza que tivemos hoje que as compras vão manter-se até setembro de 2018 e que podem mesmo continuar para lá dessa data.”

Filipe Silva

Gestor de ativos do Banco Carregosa

Antes disso, já o BCE havia anunciado que pretende reinvestir em novas compras o dinheiro que vai reaver com as as obrigações que entretanto vencerem. Isto acontecerá depois de setembro de 2018, se for necessário, explicou Draghi. Contas feitas pelo banco ABN Amro apontam para montantes na ordem dos 15 mil milhões a 20 mil milhões de euros mensais de reinvestimentos, anulando em grande parte a redução do ritmo de compras líquidas anunciada esta quinta-feira em Frankfurt.

Reduzir compras? Para Portugal já o fez há um ano

Mas há outro fator relevante que leva o mercado a desconsiderar as decisões tomadas hoje por Mario Draghi em relação a Portugal. Se o BCE vai cortar para metade as compras de dívida pública em janeiro, a verdade é que esse tapering no mercado de dívida nacional já se tem verificado há um ano. Porquê?

De acordo com a chave de capital junto do banco central, o Governo português poderia observar compras mensais na ordem dos 1.300 milhões de euros. Mas as regras do programa estabelecem que a instituição apenas pode comprar 30% de uma linha de obrigações, circunstância que está a restringir fortemente a intervenção do BCE no mercado português.

Compras em Portugal já estão pela metade… há um ano

Fonte: BCE

De acordo com os dados mensais do BCE, a média de compras mensais no último ano situa-se nos 591 milhões de euros. Em setembro, a instituição comprou apenas 494 milhões de euros em obrigações nacionais. Aos investidores, o IGCP tem sublinhado que Portugal tem sido uma das principais “vítimas” destas restrições, sinalizando que noutras condições mais flexíveis o banco central estaria a adquirir mais dívida pública portuguesa, forçando uma descida dos juros.

“Na verdade, o BCE não está a comprar muita dívida portuguesa se comprarmos com o que acontece com Itália. Por isso, a reação será mais neutra nas obrigações portuguesas do que é nas obrigações italianas”, frisava Jens Peter Sørensen.

Em mercado secundário, os juros portugueses corrigem hoje em toda a linha. A taxa implícita nas obrigações a dez anos, a referência no mercado, cedia sete pontos base para 2,238%, o nível mais baixo desde maio de 2015.

Além do BCE, também a Standard & Poor’s tem ajudado a melhor a perceção de risco de Portugal junto dos investidores, depois de em setembro ter colocado a dívida da República com um rating acima do nível “lixo”. Em dezembro, é a vez de a Fitch atualizar a notação portuguesa e, depois de ter melhorado outlook na última decisão, pode ser a próxima agência a transferir o país do grau de “investimento especulativo” para o grau de “investimento de qualidade”, recolocando as obrigações portuguesas no radar de grandes fundos internacionais.

"Na verdade, o BCE não está a comprar muita dívida portuguesa se comprarmos com o que acontece com Itália. Por isso, a reação será mais neutra nas obrigações portuguesas do que é nas obrigações italianas.”

Jens Peter Sørensen

Analista chefe do Danske Bank

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