Blockchain: Da carne estragada ao setor automóvel

A tecnologia que faz funcionar a bitcoin tem muitas outras aplicações para além da moeda. Está quase a chegar aos carros e até há quem a use para detetar... comida estragada.

Retirar do mercado produtos em circulação é uma tarefa complicada. Tipicamente, acontece quando algo não está como deveria estar. Em 2015, a Volkswagen viu-se obrigada a fazê-lo com 11 milhões de carros, depois do escândalo das emissões poluentes. Este ano, em março, foram notícia as 500 toneladas de carne suspeita que Portugal importou do Brasil. Nos dois casos, falamos de grandes quantidades, cujas unidades em concreto é difícil identificar.

Mas não seria assim se se usasse a blockchain. O sistema que faz a bitcoin funcionar não é mais do que um livro de registos, uma espécie de corrente que regista, de forma inviolável, todas as transações feitas desde que a moeda surgiu em 2007. Facto é que está cada vez mais popular: não só porque a divisa já valorizou na ordem dos três dígitos desde o início do ano, como porque alguns especialistas têm vindo a alertar para o potencial desta tecnologia. Ora, o setor do retalho e o setor automóvel são dois fortes candidatos a verem estes benefícios.

Com um sistema baseado em blockchain, torna-se mais fácil e rápido detetar um lote de produtos que não esteja nas mais perfeitas condiçõesDR

Aliás, o uso da blockchain para detetar comida estragada está muito próximo de ser uma realidade. No final de agosto, a gigante IBM anunciou uma parceria com dez grandes empresas dos setores alimentar e de retalho, no sentido de usar o sistema para isso mesmo: registar o percurso dos alimentos em complexas cadeias de distribuição. Entre elas, companhias como a Nestlé, a Unilever e a Walmart, segundo a Reuters.

A ideia da IBM é ajudar estas empresas a mais facilmente poderem detetar e retirar do mercado algum tipo de produto contaminado ou estragado. A Quartz explica que esta é uma ciência bastante imprecisa. Quando é encontrado um problema, pode levar semanas até se perceber quais os artigos afetados e que têm de ser retirados do mercado. Por um lado, quanto mais tempo demorar o processo, mais provável é a hipótese de estes produtos acabarem à mesa dos consumidores. Por outro, uma decisão de retirar todos os lotes das prateleiras pode representar um custo muito avultado, com outros lotes não afetados a irem, na mesma, parar ao lixo.

Recorrendo a um sistema assente na blockchain, a IBM permitirá que os inspetores da segurança alimentar possam digitalizar o código de barras de um lote que se suspeita estar contaminado e descobrir, exatamente, de onde veio e para onde foi. Ou seja, fica mais fácil perceber a origem dos produtos e em que lojas foram entregues. Por exemplo, a Walmart já experimentou o sistema no âmbito do programa piloto, e foi capaz de descobrir a origem de um lote de mangas em apenas 2,2 segundos, segundo a Forbes. Numa situação normal, poderia demorar uma semana.

Detetando o produto contaminado, é possível recolher só as unidades afetadas, ao invés de todos os lotesPixabay

A lógica é sempre a mesma: acelerar-se o processo, poupando tempo e dinheiro, como explicou ao ECO Louis de Bruin, o responsável da IBM Europa para o segmento de blockchain. Na altura, não deixou margem para dúvidas: “Todos deveriam começar agora mesmo a obter conhecimentos e experiência e a pensar em casos práticos onde a blockchain pode facilitar e simplificar negócios”, disse, numa entrevista por email.

Louis de Bruin também contou ao ECO que a blockchain já é usada internamente, pela empresa e pelos parceiros com quem trabalha. Isso evita erros e oportunidade para fraudes, disse: “Se todos os parceiros tiverem um registo comum, que é a essência da blockchain, todos eles têm acesso imediato aos mesmos dados quando ficam disponíveis”, sublinhou. Mas há outra área onde a tecnológica vê a blockchain a melhorar e facilitar processos. Essa área, como vimos, é o setor automóvel.

Quando há defeitos em automóveis, as marcas recolhem todo o modelo com base no ano. Com a blockchain, podem recolher apenas as unidades afetadasPixabay

Carros? Melhor registar, para não chatear

O cenário é traçado por Mathew Jones, autor de um blogue de tecnologia associado à IBM. Imagine-se que uma fabricante suspeita que algumas oficinas em certos mercados estão a instalar componentes contrafeitos nos carros dos clientes. Como essas componentes normalmente são de qualidade inferior às originais, isso poderá provocar acidentes ou problemas nos automóveis, manchando a credibilidade e a imagem da marca.

“Um sistema baseado na blockchain, conectado a sensores da internet das coisas e a dispositivos inteligentes, permitirá à central de serviço, à fabricante e ao cliente seguir o rasto à origem dos componentes de substituição e ao longo de todos os passos na cadeia de distribuição, até à data de fabrico e localização”, explica Mathew Jones num artigo sobre o tema.

Alguns fabricantes não têm registos de cada componente presente num automóvelPixabay

Este é apenas um dos cenários. Um sistema parecido com aquele que a Walmart experimentou poderá ser usado pelas fabricantes quando têm de recolher carros defeituosos já em circulação. Foi o que aconteceu com a Volkswagen e os 11 milhões de automóveis. No entanto, segundo Mathew Jones, “a maioria das fabricantes não têm uma identificação única de todas as partes de um veículo vendido”. Por isso, quando surgem casos como o da Volkswagen, estas empresas têm de emitir notas de recolha com base “no modelo e ano específico”. E não podem contactar diretamente um cliente a informá-lo de que é um dos visados.

“Um sistema de blockchain que permita às fabricantes identificar todas as componentes irá poupar uma grande quantidade de dinheiro no caso de uma recolha ser necessária no futuro”, continua Mathew Jones. Sem ele, “milhares de clientes” vão continuar a ser importunados desnecessariamente quando acontecem estas situações. E tempo também é dinheiro.

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