Viagens pagas já fizeram sete baixas no Estado. Há mais onze em risco de cair

Três secretários de Estado, dois chefes de gabinete, um assessor e um adjunto foram afastados do Governo por terem aceitado convites. Vários outros quadros do Estado podem vir a ter o mesmo destino.

A 3 de agosto de 2016, a Sábado dava a primeira notícia do caso que ficou conhecido por Galpgate: Fernando Rocha Andrade, então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, viajou a França, a convite da Galp, para assistir a um dos jogos da seleção nacional do campeonato europeu de futebol. As despesas, escreveu a publicação, foram todas pagas pela petrolífera. Para além das óbvias questões éticas que se levantavam pelo facto de uma empresa privada oferecer um presente a um governante, a principal polémica girava em torno do conflito fiscal entre o Estado e a Galp, que recusa pagar uma dívida de 100 milhões de euros relativa à contribuição extraordinária sobre o setor energético.

Foi uma questão de meses para que, ao Galpgate, se sucedessem outros: Huawei, NOS e Oracle são as empresas que também já estão a ser escrutinadas pelos convites que fizeram e despesas que pagaram a políticos e gestores públicos. A lista de governantes, deputados, autarcas e altos quadros de empresas e instituições do Estado vai longa e as notícias já recuam a viagens que foram feitas em 2014.

Sete governantes e assessores governamentais já tiveram de abandonar os cargos na sequência dos convites que aceitaram e, com o assunto na ordem do dia, há mais nomes em risco. Isto porque, depois do caso da Galp, o executivo de António Costa aprovou um código de conduta que passou a prever que governantes e dirigentes da Administração Pública só possam aceitar presentes com um valor até 150 euros. Assim, os quadros do Estado que viajaram a convite de empresas privadas já depois de ter sido aprovado este código de conduta poderão vir a ser exonerados.

Galp fez seis baixas

As primeiras baixas foram as dos governantes que aceitaram os convites da Galp. Depois de Fernando Rocha Andrade, soube-se que João Vasconcelos, então secretário de Estado da Indústria, e Jorge Costa Oliveira, na altura secretário de Estado da Internacionalização, também viajaram a França à conta da petrolífera.

Os três acabaram por pedir exoneração dos respetivos cargos e pediram também para ser constituídos arguidos, o que veio a acontecer. Para além deles, outros três responsáveis governamentais foram exonerados e constituídos arguidos: Vítor Escária, ex-assessor do primeiro-ministro, João Bezerra da Silva, ex-chefe de gabinete de Rocha Andrade, e Pedro de Almeida Matias, ex-chefe de gabinete de João Vasconcelos.

Estes foram os que caíram. Mas há outros nomes da política nacional que aceitaram convites da Galp, mas que acabaram por não sofrer grandes consequências. É o caso de Álvaro Beijinha, presidente da Câmara de Santiago do Cacém, da CDU, e Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, do PS. Os dois viajaram a Lyon, a convite da Galp, para assistir ao jogo da seleção nacional contra a Hungria. Mantêm os cargos e, até agora, não foram constituídos arguidos.

Há ainda três deputados do PSD que chegaram a estar envolvidos no caso: o Observador avançou que Luís Montenegro, então líder da bancada parlamentar do PSD, Hugo Soares, na altura vice-presidente da bancada parlamentar, e Luís Campos Ferreira, antigo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, viajaram a França a convite do empresário Joaquim Oliveira. Contudo, os três garantiram que os custos dessa viagem foram suportados pelos próprios.

Resta ainda o deputado social-democrata Cristóvão Norte, que confirmou ter viajado ao Euro 2016 a convite da Galp. A sua imunidade parlamentar foi levantada e o deputado acabou por também ser constituído arguido.

Huawei fez uma baixa

Tinham passado pouco mais de duas semanas desde que os três secretários de Estado apresentaram a demissão e estalava nova polémica com viagens pagas, desta vez pela Huawei. O caso foi contado pelo Observador, que avançou que a empresa chinesa convidou vários políticos portugueses à China.

Desta vez, eram nomes do PSD: Sérgio Azevedo, vice-presidente da bancada do PSD, Luís Newton, presidente da junta de freguesia da Estrela, Ângelo Pereira, presidente do PSD/Oeiras, Nuno Custódio, vice-presidente do PSD/Oeiras, Paulo Vistas, presidente da Câmara de Oeiras, Rodrigo Gonçalves, vice-presidente do PSD/Lisboa, e João Mota Lopes, ex-diretor do Instituto de Informática da Segurança Social e militante do PSD, foram alguns dos que aceitaram viajar à China a convite da Huawei.

Só mais tarde apareceu o primeiro nome ligado ao Governo: Nuno Barreto, adjunto do secretário de Estado das Comunidades, viajou à China em janeiro deste ano, com estadia paga pela Huawei. A viagem foi feita já depois de ter sido aprovado o novo código de conduta e Nuno Barreto acabou por ser exonerado do cargo.

Este fim de semana, o Expresso avançou nova história a envolver a Huawei. Em junho de 2015, seis altos quadros do Estado (cinco ligados ao Ministério da Saúde e um à Autoridade Tributária) viajaram à China a convite de uma empresa parceira da tecnológica.

No caso dos quadros da Saúde, tratou-se de uma visita ao hospital de Zheng Zhou, para observar como funciona o sistema de telemedicina daquela unidade de saúde. O convite foi feito, em conjunto, pela Huawei e pela NOS, que pagou os custos da viagem (cerca 12.500 euros por 14 bilhetes de avião), segundo apurou o ECO. Não é ainda claro quem pagou os custos de alojamento e alimentação, uma vez que a Huawei refere apenas que “não pagou qualquer viagem”.

Esta viagem decorreu entre os dias 2 e 15 de junho de 2015 e contou com 14 convidados, dois quais cinco são altos quadros da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS): Rui Gomes, da Direção de Sistemas de Informação; Nuno Lucas, do departamento de Comunicações, Infraestruturas, Produção e Segurança; Rute Belchior, da Direção de Compras Transversais; Ana Maurício d’Avó, responsável de Comunicação e Relações Públicas; e Artur Trindade Mimoso, vogal executivo do conselho de administração da SPMS.

Para uma outra viagem, também promovida pela Huawei e também em 2015, foi convidado Carlos Santos, diretor de IT da Autoridade Tributária.

Oracle junta-se à festa dos convites

Esta terça-feira, foi a vez de a Oracle se juntar à polémica das viagens pagas a quadros do Estado. A notícia foi avançada pelo Observador, que deu conta de que, em 2014, 53 portugueses viajaram a São Francisco, a convite da Oracle e de empresas parceiras, para participar no Oracle Open World, um evento anual promovido pela tecnológica norte-americana.

Entre esses convidados, estão cinco altos funcionários do Estado, dos quais três ainda estão em funções: Francisco Baptista, chefe da Equipa Multidisciplinar de Sistemas em Produção (EMSP) da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna; Diogo Reis, da equipa da Plataforma de Dados da Saúde da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS); e Carlos Santos, da Autoridade Tributária (o mesmo que está envolvido nas viagens à sede da Huawei na China).

Para esse evento, foram ainda convidados diretores e funcionários de empresas públicas ou participadas do Estado, como a TAP, Caixa Geral de Depósitos (CGD), OGMA e Galp Energia.

Para além dessa viagem em 2014, avançou o ECO, a SPMS participou na edição do ano passado do Oracle Open World. Nesta viagem, segundo o Observador, participaram seis quadros da SPMS, dos quais dois tiveram as despesas pagas por uma empresa parceira da Oracle: Raquel Vilas, coordenadora de registos nacionais, e Pedro Miranda, coordenador dos sistemas de suporte a Programas Estruturais de Saúde. Esta viagem decorreu entre os dias 18 e 22 de setembro de 2016 — imediatamente depois de o Executivo de António Costa ter aprovado um código de conduta para membros do Governo e dirigentes da Administração Pública.

Os outros quatro (Artur Mimoso, Ana Maurício d’Avó, António Alexandre, que é coordenador do projeto “Receita Sem Papel” da SPMS, e Sara Carrasqueiro, do Planeamento do Sistema de Informação e Gestão de Clientes) viajaram com as despesas pagas pelo Estado.

Onze quadros do Estado em risco de cair

As notícias dos últimos dias resultaram na abertura de vários inquéritos, por parte do Ministério Público e do próprio Governo. E deixam em aberto o afastamento de alguns dos nomes envolvidos nas polémicas.

Começando pelas investigações. O Ministério Público tem várias a decorrer em simultâneo: a mais relevante é a do caso Galpgate, que já conta com dez arguidos: Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos, Jorge Costa Oliveira, Vítor Escária, João Bezerra da Silva e Pedro Almeida Matias foram os primeiros. Seguiram-se Carlos Gomes da Silva, presidente executivo da Galp, Carlos Costa Pina, administrador da petrolífera com os pelouros das novas energias, e a própria Galp. Por fim, o deputado Cristóvão Norte também foi constituído arguido.

Paralelamente ao caso Galpgate, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa investiga também as viagens feitas a França por deputados e autarcas, também a convite da Galp. Em causa estão as mesmas suspeitas: crime de recebimento indevido de vantagem. Neste caso, não foram constituídos arguidos.

Já este mês, o DIAP abriu um inquérito às viagens pagas pela Huawei aos políticos ligados ao PSD. Este inquérito foi, entretanto, alargado às viagens que foram pagas pela NOS aos cinco quadros da SPMS. E, segundo avançou o Público, as viagens pagas pela Oracle também estão a ser investigadas.

Do lado do Governo, as inspeções das várias tutelas abriram os seus próprios inquéritos. A Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) está a investigar as viagens dos quadros da SPMS a convite da Huawei; a Autoridade Tributária abriu um inquérito à viagem feita por Carlos Santos; e a Inspeção Geral da Administração Interna está a investigar a viagem paga pela Oracle a Francisco Baptista.

Ao mesmo tempo que as investigações vão sendo abertas, alguns cargos vão sendo colocados em risco. Os mais iminentes poderão ser os da SPMS, que já colocaram os lugares à disposição. “Os factos ocorridos em junho de 2015 enquadram aspetos que carecem de clarificação ao nível do seu contexto ético, jurídico e institucional”, disse, a propósito das viagens pagas pela NOS em junho de 2015, o ministro da Saúde, em comunicado emitido na segunda-feira.

Adalberto Campos Fernandes salientou “em particular” os casos Artur Trindade Mimoso, vogal executivo do conselho de administração da SPMS, e de Henrique Martins, presidente do conselho de administração, que, ao que se conhece, não participou nas viagens. As viagens pagas pela Oracle em 2014 deverão enquadrar-se neste mesmo contexto, já que Diogo Reis, Raquel Vilas e Pedro Miranda são chefes de equipa.

Tendo em conta que os vários ministérios abriram investigações a todas as viagens pagas, independentemente de terem decorrido antes ou depois de aprovado o novo código de conduta, podem estar em risco todos os quadros que viajaram a convite de empresas privadas. Além dos dois membros da administração da SPMS que colocaram o lugar à disposição, Artur Mimoso e Henriques Martins, há, assim, mais nove quadros que poderão abandonar os cargos: Rui Gomes, Nuno Lucas, Ana Maurício d’Avó, Rute Belchior, Diogo Reis, Raquel Vilas e Pedro Miranda (todos da SPMS); Francisco Baptista (EMSP) e Carlos Santos (Autoridade Tributária).

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