Relatório final da CGD já admite “pressões”, “nomeações partidárias” e “erros de gestão”

Depois de uma primeira versão que afastava pressões dos governos sobre a gestão da Caixa, o relatório final já admite que houve "situações de intervenção e de pressão" e não exclui "erros de gestão".

Já está redigido o relatório final da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que será votado na terça-feira. O documento redigido pelo deputado socialista Carlos Pereira, que na versão preliminar afastava a existência de pressões por parte dos vários governos sobre a política de concessão de crédito da CGD, e também não detetava erros de gestão que possam ter levado às atuais necessidades de recapitalização, admite agora todas estas hipóteses, depois de incluídas várias das propostas de alteração apresentadas por Moisés Ferreira e Miguel Tiago, os deputados do Bloco de Esquerda e do PCP, respetivamente, que integram a comissão. PSD e CDS-PP não fizeram qualquer proposta de alteração ao relatório.

O relatório final continua a sustentar que “não existe qualquer indício documental ou testemunhal na CPI sobre eventuais pressões praticadas por membros do Governo”, mas já não exclui por completo a existência destas pressões.

Nomeações partidárias, a pressão sobre os dividendos a distribuir ao Estado, a utilização do fundo de pensões como medida extraordinária para melhorar o défice do país ou a ‘sensibilização’ para determinados projetos e o cuidado em perguntar sobre a classificação de determinado projeto nacional, tudo isso aconteceu durante este período.

Relatório final da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD

“Não obstante os ex-detentores da pasta das Finanças dos vários governos refutarem a ideia de intervenção política em operações concretas da CGD, é possível verificar que, para além das situações de nomeação de administradores e de estabelecimento de linhas estratégicas, ocorreram, ao longo do tempo, situações de intervenção e de pressão em vários assuntos, assim como o alinhamento entre o que eram as políticas económicas de cada Governo e as políticas da própria Caixa Geral de Depósitos. Nomeações partidárias, a pressão sobre os dividendos a distribuir ao Estado, a utilização do fundo de pensões como medida extraordinária para melhorar o défice do país ou a ‘sensibilização’ para determinados projetos e o cuidado em perguntar sobre a classificação de determinado projeto nacional, tudo isso aconteceu durante este período”. Esta é uma das novas conclusões que agora constam do relatório final, a que o ECO teve acesso.

Ao mesmo tempo, a ideia de que estas pressões não existiram deixou de ser repetida de forma tão exaustiva. O ponto que na versão preliminar concluía que “não há factos que demonstrem a concessão de crédito por pressão ou por favor” deixou de constar da versão final.

Por outro lado, são levantadas dúvidas sobre alguns dos maiores negócios em que a Caixa se envolveu nos últimos anos. “Não ficou claro o racional de determinados comportamentos da Caixa, nomeadamente na concessão de crédito para aquisição de ações do BCP ou a forma como a CGD se envolveu, não só com o financiamento, mas também participando no capital em determinados projetos, como o Vale do Lobo ou a La Seda”, aponta o relatório.

Não se pode excluir que o aumento de imparidades, de crédito em incumprimento e de prejuízos com participações financeiras não estejam a refletir também erros de gestão e comportamentos menos prudentes no passado.

Relatório final da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD

No fundo, o deputado Carlos Pereira mantém que os depoimentos prestados por antigos governantes e gestores não permitem concluir que houve pressões ou favores, mas, agora, deixa essa possibilidade em aberto:

“Na sequência dos diversos depoimentos para este período de análise, não há elementos que comprovem a ideia de que a dimensão das necessidades de capitalização da CGD seja devida a pressão dos governos para aprovação de créditos de favor, ignorando deliberadamente o risco associado. No entanto, também não fica demonstrada a inexistência dessa pressão. O que se afigura, portanto, mais consistente é não ficar totalmente excluída a existência de erros de concessão de crédito por deficiente avaliação e previsões pouco rigorosas. No entanto, é igualmente plausível concluir que uma parte de negócios com grandes grupos económicos tem arquiteturas cujos racionais não ficaram cabalmente esclarecidos”, pode ler-se no relatório.

Pode ter havido erros de gestão. E subprime não explica tudo

Também os erros de gestão, que dantes não eram sequer mencionados, fazem agora parte do documento. “Ainda que a subcapitalização de 2012, o recurso a Coco’s que reduziram a margem financeira da Caixa, a crise económica, a baixa das taxas e as novas exigências regulatórias tenham impactado a Caixa, levando-a a novas necessidades de capital, não se pode excluir que o aumento de imparidades, de crédito em incumprimento e de prejuízos com participações financeiras não estejam a refletir também erros de gestão e comportamentos menos prudentes no passado“.

O relatório final deixa ainda de atribuir à “crise do subprime” todas as culpas pela deterioração do balanço da Caixa. “Os resultados da Caixa são influenciados pela crise, mas nem todas as imparidades e prejuízos se podem explicar pelo subprime” é a conclusão que agora surge. “Ao não ter sido possível aceder à lista dos maiores devedores à Caixa Geral de Depósitos, e ao não ter sido possível apurar as datas de produção dos créditos que geraram e/ou geram mais imparidade ou perdas, não é possível escrutinar que outros fatores impactaram negativamente nos resultados da Caixa nestes ou em anos futuros”, aponta o documento. “É, isso isso, possível verificar um aumento das imparidades ao longo dos anos, que refletem, em alguma medida, alterações nas regras de supervisão e nos modelos de mensuração das mesmas, mas não só: refletirão também a crise e o seu impacto nas famílias e empresas que deixaram de conseguir fazer face às suas responsabilidades para a CGD, assim como decisões de gestão, de participações financeiras e de concessão de crédito que expuseram a Caixa a situações que acabaram por produzir perdas e prejuízos”, acrescenta.

Caixa foi “financiador fiel” de operações “com garantias frágeis”

Outro aspeto levantado na versão final do relatório é o possível favorecimento dado pela Caixa a grandes grupos económicos. “Apesar de haver perdas substantivas em muitos dos grandes negócios referidos, não se pode considerar que a Caixa tenha atuado isoladamente no mercado, sendo que muitas dessas perdas afetaram outras instituições bancárias, ou seja, a CGD acompanhou a estratégia de outras instituições ao financiar determinados projetos”, refere o relatório.

Contudo, ressalva, “isso não significa que a gestão da Caixa, ao longo das últimas décadas e determinada pela ação de sucessivos governos, se tenha distanciado o suficiente dos interesses dos grupos económicos que dominam ou dominaram boa parte da economia nacional”. Aliás, “em alguns casos, a CGD agiu como qualquer outro banco privado, sendo um financiador fiel e constante de operações financeiras, muitas vezes com garantias frágeis, independentemente de ter existido nesses negócios uma intervenção ou pressão do representante acionista”.

Porta aberta a nova comissão de inquérito

A versão final do relatório é clara em afirmar que a votação final vai concretizar-se na terça-feira, apesar das contestações do PSD e do CDS-PP, que queriam prolongar os trabalhos até que os deputados recebam a documentação pedida ao Banco de Portugal, à Caixa Geral de Depósitos e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que têm recusado divulgar os documentos solicitados. Mas o deputado Carlos Pereira deixa em aberto a realização de uma nova comissão, para fazer o “contraditório” após a conclusão do processo criminal que decorre atualmente.

“É verdade que está em curso um processo de inquérito com o objeto similar ao da presente CPI”, admite o relatório. “Sucede que o inquérito criminal está em segredo de justiça; a última decisão conhecida pela CPI ainda não transitou em julgado; o Ministério Público considera que o objeto dos autos se constitui numa matéria factual de complexidade elevada — facto relevante para a determinação do prazo máximo de duração do inquérito”, acrescenta.

Assim, conclui o deputado socialista, “não há qualquer previsão temporal para conclusão do processo”, pelo que se mantém o prazo acordado para a votação do relatório final. Seja como for, “o término da presente CPI não invalida a realização de um contraditório após a conclusão do processo criminal”, ressalva, dando a entender que poderá ser realizada uma nova comissão.

Em causa está uma investigação, a decorrer no Departamento de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que está a averiguar factos suscetíveis de integrarem crime de gestão danosa cometida por gestores da CGD. Os investigadores suspeitam de que a CGD tem vindo a acumular, desde meados da década de 2000, vários negócios de concessões de crédito sem garantias bancárias adequadas. O Ministério Público aponta para a existência de créditos em incumprimento que não estão registados como imparidades. As suspeitas são de que exista “ação deliberada no sentido de omitir o passivo gerado na esfera do banco”.

Na semana passada, o PSD também já fez saber que não afasta a hipótese de pedir uma nova comissão. “A democracia não pode ficar sem responder aos cidadãos quando se faz um processo de recapitalização em que os contribuintes injetam cerca de 5 mil milhões no banco público”, disse Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, em entrevista ao Expresso (acesso pago).

Notícia atualizada pela última vez às 20h10.

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