Criminosos à solta na bolsa de Lisboa. Estes foram apanhados

Desde a informação privilegiada que veio pela rádio, ao banco que quis ganhar milhões, até ao recurso a uma offshore para esconder o rasto dos ganhos ilegais, são vários os crimes na bolsa de Lisboa.

Ganhar em bolsa é fácil? Não. A menos que se saiba o que vai acontecer antes de… acontecer. E há muitos que têm, nos últimos anos, conseguido ter acesso a essa informação privilegiada, utilizando-a de forma ilícita. Isso tem acontecido, de acordo com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), especialmente aquando das ofertas públicas de aquisição (OPA).

Desde a informação privilegiada que veio pela rádio, ao banco que quis ganhar milhões, até ao recurso a uma offshore para esconder o rasto dos ganhos ilegais, são vários os crimes que agora começam a ser revelados pela polícia da bolsa. São casos de crimes realizados em contexto de OPA, mas também há casos de manipulação de mercado nas 20 decisões judiciais proferidas em 2016.

Na sombra do Panamá: acabou-se o descanso no paraíso fiscal

Depois das revelações dos Panama Papers, foi a vez de um investidor ser apanhado na rota deste offshore. Era “especialmente habilitado”, descreve a CMVM: foi parte dos órgãos sociais da sociedade aberta do PSI-20, de uma instituição de crédito e de um intermediário financeiro. Para mais, assessorou a preparação de uma OPA e como tal, ficou na lista dos detentores de informação privilegiada. Ainda assim, cerca de um mês antes da referida OPA, comprou ações e deu ordem para que fosse comprada uma quantidade ainda maior. Vendeu a totalidade no âmbito da aquisição potestativa e com isso, conseguiu uma mais-valia de quase 50% do montante investido.

Este foi o “circuito bastante opaco”: as ordens de compra foram dadas pessoalmente. As operações foram feitas através de uma conta num banco suíço, cujo titular era uma “sociedade domiciliada na jurisdição offshore do Panamá” — o sigilo assegurado pela falta de acordos de cooperação internacional. Só com autorização da FINMA, a “CMVM suíça”, é que foi possível obter a identidade do investidor como beneficiário da conta e das transações. O processo está suspenso, a acusação por deduzir. Mas a mais-valia foi devolvida ao Estado e foi ainda obrigado a entregar quantias pecuniárias a instituições de solidariedade.

A informação privilegiada que tanto aguardava… na rádio

É provavelmente o caso com a justificação mais insólita. O investidor acusado em simultâneo com o respetivo cônjuge, era administrador executivo de um banco em 2010, data em que compraram 750.000 euros em ações numa sociedade que, no mesmo dia, anunciou uma proposta de fusão. Foram vendidas nas duas sessões seguintes dando origem a mais-valias “de valor relevante”. O banco do qual era administrador detinha participação numa das duas sociedades em processo de fusão e a transação aparece em contraste com o histórico de negociação.

"Um investidor qualificado, intermediário financeiro especializado na gestão de ativos, que efetuou, ao longo de um ano, operações de compra de uma determinada ação. Operações que envolviam normalmente pequenas quantidades, com especial incidência nos leilões de fecho, sobretudo nos últimos instantes.”

Exemplo de um crime de mercado

CMVM

Em 2011 o Ministério Público deduziu a acusação e em 2015 deu-se o julgamento. Os arguidos foram absolvidos pelo Tribunal Criminal do Porto dada a seguinte justificação: o investidor alega ter agido em função de uma notícia que ouvira na rádio, enquanto conduzia. A notícia anunciava um aumento dos títulos transacionados nessa manhã. Desde então, o Ministério Público já interpôs dois recursos, perante a primeira e uma segunda absolvição.

Retorno imediato de 30%? Sim, com informação privilegiada

A CMVM identificou “indícios fortes de utilização de informação privilegiada por dois investidores, que adquiriram ações de uma sociedade nas vésperas da divulgação de comunicado de informação privilegiada, procedendo à sua total alienação na sessão seguinte (a do dia de saída do anúncio) com uma rentabilidade imediata de cerca de 30%”. “As operações de compra foram repartidas por um dos arguidos, pelo seu pai e por uma sociedade da qual um dos arguidos era sócio-gerente”, refere o regulador, salientando que “nunca antes os arguidos haviam comprado nem vendido ações da sociedade em causa, nem de nenhuma outra sociedade do mesmo setor”.

A atuação levantou suspeita de insider trading. O Ministério Público acabou por acusar os dois arguidos da prática de crimes de abuso de informação. Para evitarem julgamento, “os arguidos tiveram que entregar ao Estado e ao SII a totalidade das mais-valias registadas com as transações e sujeitar-se ao pagamento, a título de injunções, de quantias pecuniárias a favor de várias instituições de solidariedade social”.

Jogar ao Preço Certo na bolsa de Lisboa

Nem só de abusos de informação privilegiada se fazem os crimes de bolsa em Lisboa. Há também, de acordo com a CMVM, casos de manipulação de mercado. No caso, o regulador identificou “um investidor qualificado, intermediário financeiro especializado na gestão de ativos, que efetuou, ao longo de um ano, operações de compra de uma determinada ação com um nível de liquidez intermédio”. Essas “operações envolviam normalmente pequenas quantidades, com especial incidência nos leilões de fecho, sobretudo nos últimos instantes“, provocando de forma “sistemática e reiteradamente impactos positivos na cotação dessas ações”, permitindo aos fundos de investimento por ele geridos “uma menos-valia de cerca de 50%”.

Identificado o crime, a CMVM participou o caso ao Ministério Público que deduziu acusação. O Tribunal Criminal de Lisboa condenou em 2016 dois dos arguidos (colaboradores do intermediário financeiro especializado na gestão de ativos, um deles assumindo funções de chefia e direção) ao pagamento de quantias pecuniárias (a título de multas penais) pela prática em coautoria de um crime de manipulação de mercado. O trader, que executou as ordens, foi absolvido.

“Peso pesado” do PSI-20 dá milhões a… um banco

Há também o caso de um banco que comprou ações de uma das cotadas com maior peso no PSI-20 para a sua carteira própria. Segundo a CMVM, “as compras ocorreram nos três dias anteriores à divulgação de informação privilegiada, que provocou uma significativa subida de cotação das ações (mais de 4,5%): uma das maiores de sempre do emitente”. Com a venda de quase todas as ações compradas, a instituição financeira teve uma mais-valia de 10 milhões de euros.

Em 2014, o Ministério Público (MP) deduziu acusação pela prática do crime de abuso de informação. É que, à data dos factos, o “grupo financeiro a que o banco pertencia detinha informação privilegiada sobre o facto que foi divulgado”. As autoridades acabaram por acusar três colaboradores do banco pela prática de crime de abuso de informação. O Tribunal Criminal de Lisboa ainda absolveu os arguidos, mas acabaram mesmo por ser condenados depois de o MP ter interposto recurso. A determinação das penas a aplicar aos arguidos ainda não tinha baixado ao Tribunal de 1ª instância no final de 2016.

As compras ocorreram nos três dias anteriores à divulgação de informação privilegiada, que provocou uma significativa subida de cotação das ações (mais de 4,5%): uma das maiores de sempre do emitente. [um dos pesos pesados do PSI-20].

Exemplo de um crime de mercado

CMVM

Usar produtos alavancados para ganhar numa OPA

A CMVM detetou um caso de abuso de informação privilegiada em que um administrador de um intermediário financeiro, com conhecimentos relevantes sobre o mercado de instrumentos financeiros, “constituiu, dias antes da publicação de um anúncio preliminar de OPA, posições longas em CFD [Contracts For Difference, produtos financeiros que permitem com um valor reduzido ter posições sobre um ativo num montante substancialmente superior] sobre ações da sociedade visada, que encerrou logo após o seu anúncio”. Com estas operações, o investidor obteve uma “mais-valia relevante num curto espaço de tempo”.

De acordo com a CMVM, “no decurso da investigação foi possível apurar a lista de insiders através dos quais o arguido poderá ter obtido informação”. Ficou ainda “demonstrado o caráter excecional das operações realizadas pelo arguido”. O Ministério Público deduziu acusação por abuso de informação, tendo o arguido requerido a abertura de instrução. O processo seguiu para julgamento e, no início de 2016, o Tribunal Criminal de Lisboa proferiu sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de abuso de informação de mercado, tendo atribuído uma pena suspensa de 13 meses de prisão.

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