Dos escândalos à proximidade. Como a banca quer chegar a si

Depois de tantos escândalos, de uma crise que forçou a banca a encolher, a palavra de ordem é, agora, proximidade. É possível? Saiba como os bancos querem reencontrar-se com os clientes.

Enquanto estenderam a mão para receberem a ajuda dos portugueses em resultado da crise que atingiu o setor, com a outra, os bancos vão encolhendo (e muitos acabaram mesmo por desaparecer). Fecham balcões ao mesmo tempo que apregoam proximidade com os clientes. Como é que se conjuga tudo isto? Como é que depois de tudo – incluindo tantos escândalos – os bancos podem reconciliar-se com os portugueses?

BPN, BES, Banif, são apenas os exemplos maiores de bancos que passaram à história. Casos de polícia, mas também de como a crise derrubou instituições que durante anos se expuseram em demasia aos riscos. Mas mesmo outros grandes nomes do setor não ficaram imunes à turbulência que se fez, e continua a fazer, sentir no setor financeiro. Obrigaram a injetar milhares de milhões de euros, parte desses milhões vindos do bolso dos contribuintes.

Sai dinheiro dos bolsos dos portugueses para os rácios da banca, mas também das contas dos clientes para as comissões cada vez mais elevadas cobradas por um setor que precisa de negócio para ser sustentável. Daí que a palavra de ordem seja proximidade. A CGD realça a portugalidade que lhe é inerente no meio de corações de Viana e peças de Bordalo Pinheiro — até o logótipo já tem as cores da bandeira nacional. A história repete-se no Santander, que recupera um velho chavão para chamar as famílias, “Quem quer casa vai ao Totta”. O Novo Banco e Montepio inovam para estar mais perto, com remodeladas instalações e maior interatividade nos serviços.

 

Mas as tentativas de proximidade parecem confinar-se ao espaço dos cartazes. É que fechar balcões virou “moda”. Não há banco que não tenha encerrado espaços de atendimento aos clientes. Se os privados fazem-no sem grande celeuma, a CGD não. Está a fechar e vai continuar a fazê-lo, sempre sob grande escrutínio da população. Não ajuda a passar a mensagem de proximidade, mas é necessário.

Os encerramentos justificam-se “na medida em que Portugal tem uma taxa de agências por cliente que está muito acima da média da União Europeia“, afirma a CGD. Na mesma linha, o Montepio, considera que a atual rede de balcões permite uma “boa cobertura do território nacional“. Para mais, os bancos contactados pelo ECO, os mesmo que constam do gráfico, são unânimes: é preciso reduzir custos para aumentar a rentabilidade.

Quais as soluções que poderão então garantir a proximidade?

A CGD quer lançar-se à estrada e bater à porta das populações rurais a bordo de uma rede de balcões móveis. Mas não é esta a abordagem mais comum. Na maioria dos bancos, quando se fecha uma porta, abre-se uma janela… No computador dos clientes. A aposta agora é no digital.

O Santander Totta acredita que o digital “também é uma forma de proximidade” que se adapta àquilo que “o cliente quer”. Por isso mesmo, o Montepio defende que “o digital nunca será sinónimo de impessoalidade” e afirma que está a “dotar o online de uma maior capacidade de conhecimento do cliente para poder personalizar ainda mais a relação”.

Mas serão estas soluções eficazes?

Elizabete Cardoso, professora na lisboeta Nova SBE e na inglesa Coventry University, é especialista em marketing e a experiência que teve na banca centrou-se na relação com o cliente. O seu percurso permite-lhe concordar com esta nova visão dos bancos. “O valor proximidade não é contraditório com o fecho dos balcões porque hoje em dia estar perto da minha geração ou das gerações mais novas não implica ter um balcão aberto. Pelo contrário, é com orgulho e “carinho” que afirma só ter visitado o balcão do banco que escolheu um par de vezes nos últimos doze anos. “Criar proximidade foi fazer a minha vida mais fácil e não precisar de me deslocar à agência.”, explica Elizabete.

Porém, a professora reconhece que “Há aqui um foco claro em privilegiar as necessidades dos clientes que gostam de self-service em relação aos outros“. Mas e as gerações mais antigas? A verdade é que “o potencial de relação de um banco com um cliente mais velho não oferece o mesmo tipo de rentabilidade de um cliente mais novo“, o que justificará a opção estratégica dos bancos.

E suficientes, são?

O digital tem portanto o seu quê de eficácia. Mas uma última questão: será suficiente para recuperar uma relação tão tumultuosa com os clientes? Elizabete Cardoso considera que não: existe ainda “um caminho épico a trilhar” para que os bancos se tornem “aquilo que a sociedade precisa que eles sejam”.

"Frisaria que esta transição que os bancos estão a fazer do físico para o digital é apenas uma de muitas transformações que teremos de ver na banca, que terão de começar na própria filosofia de gestão e que vão obrigar a repensar o que a banca quer ser no futuro.”

Elizabete Cardoso, especialista em Marketing e professora na Nova SBE e na Coventry University

Construir de novo, sem telhados de vidro

Um lar desfeito precisa de novos alicerces. Como em qualquer relação, um deles é a confiança, mas no caso da banca este é especialmente pertinente. Segundo Elizabete Cardoso, o que define o cliente médio da banca é uma “falta de conhecimento sobre os produtos“, incluindo aqueles que escolhe para si. Numa altura em que tudo na banca é dúbio, mais do que nunca, confiança é sinónimo de clareza.

Elizabete apostaria uma campanha com base no “saiba tudo o que precisa de saber, preto o branco. Sem letras pequeninas”. Uma comunicação assente no “dizer o que vai fazer, fazer o que disse que ia fazer e explicar que fez aquilo que disse que ia fazer“.

“Não é novidade nenhuma que os bancos não gozam dos maiores níveis de confiança”, acrescenta, mas algo mudou: a capacidade dos clientes de manifestarem a sua insatisfação. A tinta que corre nas redes sociais pode ser mais uma mancha na reputação dos bancos. Mas a partilha espontânea de opinião não tem que ser uma pedra no sapato. “Parte grande da estratégia de um banco tem de ser ter boas críticas“, esclarece a professora.

Mas quando Elizabete afirma que “a banca tem de se repensar por dentro”, refere-se a um nível mais profundo: alterações na própria estrutura. A questão da confiança tem que ser “genuína” e “transpirar da empresa para fora” caso contrário, a banca será sempre “gato escondido com rabo de fora”, garante.

No âmbito da apresentação do estudo “Who cares” que avalia a empatia das marcas em Portugal, Manuela Botelho, secretária geral da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN), reconheceu que esta é uma “fase difícil para trabalhar no marketing dos bancos” mas defende que uma atuação ao nível do departamento de marketing não será suficiente, numa posição alinhada com a de Elizabete Cardoso. É necessária uma reorientação em termos de valores e propósito que “tem de vir de cima”.

Editado por Paulo Moutinho

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