Banca tem excesso de liquidez. Folga é de 60 mil milhões

  • Rita Atalaia
  • 29 Maio 2017

A banca está a emprestar mais, mas não o suficiente. O saldo está em queda. E o dinheiro em depósitos é superior ao crédito, um sinal de que há liquidez a mais. E isso pesa na rentabilidade.

“Todos [os bancos] temos capacidade para emprestar”. A frase é de Nuno Amado, presidente do BCP. Os bancos estão a dar mais crédito? Estão, mas não ao ponto de permitir que o saldo dos empréstimos concedidos seja, efetivamente, mais elevado. Depois de anos em que foi preciso cortar nos empréstimos, aproximando-os do dinheiro em depósitos, agora o problema é exatamente o oposto. Há liquidez a mais. Quanto? Cerca de 60 mil milhões de euros em dinheiro que a continua sem ser absorvido pela economia. E isso é um problema para um setor que precisa de aumentar a rentabilidade.

Desde a chegada da troika a Portugal, os rácios de transformação, ou seja, a percentagem de crédito concedido em função dos depósitos captados, têm vindo a cair. Com o programa de ajuda financeira, os bancos foram obrigados a reduzir este rácio para baixo da fasquia dos 120%, essencial para desalavancar o setor financeiro português que antes do pedido de ajuda externa apresentava um nível médio superior a 160%. E cumpriram: o rácio caiu. Está agora em 96,4%.

Rácios de transformação do setor bancário

Fonte: Associação Portuguesa de Bancos

A quebra do rácio é sinónimo de menos risco, mas não de eficiência. “Os bancos portugueses são bancos universais, de retalho. Fundamentalmente geram os seus resultados por captação de depósitos e concessão de crédito. Isto é, grosso modo, 65% a 70% dos resultados”, afirma um analista do setor ao ECO. Neste sentido, “se têm rácios de 95%, alguma coisa objetivamente não está a funcionar bem”, explica. Com estes rácios, a folga que os bancos têm para emprestar é de perto de 58 mil milhões, de acordo com os cálculos do ECO, assumindo a fasquia dos 120% que era a referência da troika.

Esta ideia foi deixada por Paulo Macedo. O presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) é o primeiro a dizer que, com o rácio que o banco tem atualmente (88,1%) “não vai gerar rentabilidade”. Macedo quer elevar o rácio até perto de 100%, sendo que não poderá nunca ter um volume de crédito superior ao das poupanças captadas junto dos clientes (acima de 100%), devido ao acordo com a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia no âmbito do processo de recapitalização do banco estatal.

Segundo dados compilados pelo ECO, considerando que os depósitos se mantêm estáveis, o banco do Estado ainda pode dar quase dez mil milhões à economia até chegar aos 100%. Há um “excesso de liquidez” na banca, disse Paulo Macedo. “A Caixa quer conceder crédito a bons projetos. Tem liquidez e um bom rácio de transformação.”

Os bancos portugueses são bancos universais, de retalho. Fundamentalmente geram os seus resultados por captação de depósitos e concessão de crédito. Isto é, grosso modo, 65% a 70% dos resultados (…) Se têm rácios de 95%, alguma coisa objectivamente não está a funcionar bem.

Analista do setor

O mesmo se passa no BCP. O banco liderado por Nuno Amado tem espaço para ceder 15 mil milhões, isto considerando o rácio de transformação de 97%. No ECO Talks, o gestor afirmou que a banca portuguesa tem capacidade para emprestar. E relembrou que “se antes o rácio da banca era de 100 euros de depósito para cada 165 euros de crédito [165%], o rácio atual é de 100 para 100. E isso são boas notícias”. São em termos de risco, e de confiança que passa à economia, mas não em termos da geração de resultados para os bancos.

Há um rácio de transformação ideal?

Não há um rácio de transformação ideal. O que há é “bom senso”, explica um especialista no setor que preferiu não ser identificado. “Faz sentido ser maior que 100% e ser menor que 120%“, avança. Um valor muito longe deste patamar “começa a ser excessivo”, diz. “Foi precisamente por isso que a troika pediu que ficasse abaixo deste nível.” O BPI e o Santander Totta são os dois bancos que estão dentro deste intervalo: 104% e 115,8%, respetivamente.

Filipe Garcia também diz que não há um “número mágico”. O economista refere que “o que se quer é que a atividade bancária seja satisfatória e sustentável para clientes e bancos. Isso pode ser conseguido com rácios mais altos ou mais baixos, dependendo de muitos fatores como a carteira de crédito, custos de estrutura, capital e muitos outros“, diz o economista ao ECO.

“Num futuro previsível, admito que os rácios de transformação aumentem porque a procura por crédito está a aumentar e os bancos têm vindo a resolver as suas contingências de capital bem como a reconhecer imparidades”, conclui.

Mais crédito? Procura é fraca

Durante a crise financeira, havia, relembra um especialista no setor, uma excessiva alavancagem. A ajuda externa obrigou os rácios a recuarem abaixo dos 120%. “De seguida, era suposto haver uma dinâmica mais forte do lado do crédito que permitisse alocar a liquidez que continuava a aparecer no sistema”, nota. Mas isso não aconteceu. “O que tem sido dito por parte dos bancos é que há uma escassez da procura por crédito”, esclarece.

Filipe Garcia, da IMF, explica ao ECO que “os bancos têm sido mais conservadores nos critérios de concessão, mas quem cumpre esses critérios não tem procurado o crédito”. Os bancos estão otimistas, prevendo um aumento da procura. Segundo o último inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito, divulgado pelo Banco de Portugal, a habitação é a finalidade onde a banca se mostra mais confiante em relação a este aumento da procura.

Entre os cinco bancos que responderam, quatro anteciparam um ligeiro aumento da procura de crédito à habitação e três sinalizaram o mesmo, mas relativamente ao crédito ao consumo — aquele que desperta mais preocupação junto do governador do banco central.

Bancos estão a voltar aos velhos hábitos

“Estamos a seguir muito atentamente” estas tendências, afirmou Carlos Costa aos deputados, na comissão de Orçamento e Finanças. Para o mercado, os bancos estão a voltar aos velhos hábitos de concessão de financiamentos que garantem juros mais elevados, mas que têm taxas de incumprimento também elas altas.

“Muitas das tendências que vejo enquanto analista do setor replicam com uma assustadora semelhança muitos dos erros do passado“, diz, referindo-se especificamente ao facto de o modelo de negócio ter um “foco muito grande no crédito ao consumo e ao regresso ao crédito à habitação”. Por trimestre, a banca está a ceder quase dez mil milhões em novo crédito à habitação e ao consumo. Um aumento que não se reflete no saldo do crédito à economia, que continua em queda fruto do contexto de juros muitos baixos. Mas também de as empresas, as boas empresas, não mostrarem grande apetite.

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