Trabalho remoto: já não é preciso picar o ponto

  • Juliana Nogueira Santos
  • 6 Maio 2017

Da informática à criação de conteúdo multimédia, já são muitos os profissionais que trabalham remotamente. O ECO foi saber porquê.

A digitalização mudou radicalmente o funcionamento do nosso quotidiano, desde coisas tão pequenas como a forma como socializamos, até à forma como trabalhamos. A facilidade de acesso a ligações rápidas de internet, a flexibilização dos sistemas de trabalho e a naturalidade com que já são encaradas as relações virtuais foram fatores que possibilitaram o aparecimento de novas modalidades de trabalho, como é o caso do trabalho remoto.

Um trabalhador em regime de trabalho remoto é aquele que trabalha fora dos escritórios de uma empresa, mas que continua a produzir para a mesma. Estes podem ser freelancers, trabalhadores remotos — aqueles que têm um espaço fixo de trabalho — ou completamente nómadas — aqueles que simplesmente têm o mundo inteiro como escritório.

E quais são os trabalhos que podem passar a este regime? Em média, cerca de metade das profissões que existem hoje podem ser executadas a partir de qualquer lugar. A informática, o design, a arquitetura, a criação de conteúdo multimédia, as vendas e o atendimento a clientes são todas áreas remote friendly, mas espera-se que com os avanços tecnológicos, esta lista se torne bastante mais extensa.

Mas será que vale a pena trabalhar remotamente? O ECO falou com quem já o fez, quem o estuda e quem o prepara para que possa perceber se, no seu caso, esta mudança de vida vale a pena.

Uma mudança de chip

Pedro Oliveira começou a trabalhar remotamente em 2012. Ele estava em Lisboa e a empresa para a qual trabalhava em Leiria. A proximidade cultural e geográfica era grande, pelo que Pedro não sentiu muitas diferenças: “Se houvesse algum problema, em duas horas estava na empresa”.

Em 2015 fundou, juntamente com José Paiva, a Landing.jobs, uma plataforma de recrutamento em tecnologia e passou a gerir a equipa remotamente a partir de Londres. “É preciso mudar completamente o chip” garante, ao ECO, Pedro Oliveira. “A forma como se trabalha muda drasticamente, mas a motivação é tudo”.

A autonomia e a flexibilidade são duas características do trabalho remoto que agradam a Pedro. “Se antes se media o esforço pelas horas, agora mede-se através dos objetivos. Deixa de fazer sentido picar o ponto”. Além disto, e como habitualmente são trabalhos que necessitam de muito foco, ajuda ter um espaço próprio de concentração.

Ainda assim, afirma que o esforço para que esta solução resulte tem de vir não só do trabalhador, mas também da empresa, aspeto que não se tem vindo a observar. “Há um desequilíbrio entre os dois lados. As empresas não estão a acompanhar as vontades dos trabalhadores”, nota Pedro Oliveira.

A sua empresa, a Landing.jobs conta atualmente com quatro membros da equipa em regime de trabalho remoto, sendo que dois estão em Londres, um em Barcelona, um em Colónia. A restante equipa, cerca de 20 trabalhadores, está nos escritórios de Lisboa.

Remoto e produtivo

Para Tiago Sá “mudar o chip” não tem sido muito difícil. Corria o ano de 2015 e o informático trabalhava em Londres, numa startup, mas a distância do seu país estava a deixá-lo cansado da cidade. Queria voltar para Portugal. “Cheguei a despedir-me porque não havia muito para mudar de ideias”, afirma Tiago.

A empresa compreendeu a situação, mas não estava disposta a perder um dos seus empregados, por isso propôs que o informático voltasse para Lisboa e continuasse a colaborar remotamente. Tiago aceitou a proposta e a startup preparou tudo a preceito: “Puseram câmaras nos escritórios e eu acompanhava tudo o que estava a acontecer. Quando tínhamos reuniões por Skype, era só aceder à câmara da sala e conseguia ver toda a gente.”

Tiago Sá é web developer na ASOS, uma loja online de moda.

Durante os anos de faculdade Tiago já tinha trabalhado em regime de freelancer, pelo que a rotina não foi um choque. As diferenças foram mais expressivas nos resultados ao fim do dia: “Quando mudei para remoto, fiquei mais produtivo”, confessa Tiago. “No escritório é mais fácil perder o foco.”

Entretanto passou para outra empresa, no mesmo regime, mas em casa o mais difícil era organizar-se. Não por razões pessoais, mas porque esta nova empresa não o permitia. “A organização é muito importante, um empregado que esteja em casa stressa muito se não souber o que fazer”

Já no princípio deste ano, chegou a altura de procurar outro desafio. A oportunidade veio da cidade que já conhecia bem, Londres. “Custa-me muito estar parado e achei que podia aprender mais em Londres, por isso aceitei”, recorda Tiago. Voltou então para a capital britânica em fevereiro deste ano para trabalhar como web developer nos escritórios da ASOS, uma conhecida loja de moda online.

As transformações que advêm desta nova modalidade de trabalho não se restringem ao ecossistema do trabalhador, mas também à sociedade, como explica ao ECO Isabel Paredes, especialista em Recursos Humanos e professora assistente na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. “Para a sociedade, o teletrabalho pode trazer maior estabilidade comunitária, dado que não é necessário o teletrabalhador mudar de local de residência para um local próximo das instalações da empresa, um aumento do empreendedorismo, menos poluição, com a redução das viagens casa-trabalho-casa, e uma utilização mais eficaz dos recursos energéticos.”

Longe da vista, longe do coração

Se por um lado trabalhar em qualquer lado torna tudo mais flexível para o trabalhador, por outro pode trazer algumas complicações. A ausência constante dos escritórios pode fazer com que o trabalhador remoto não viva a cultura da empresa como deveria viver, sentindo-se assim isolado do resto da equipa.

O isolamento social é, portanto, uma das consequências negativas desta modalidade de trabalho que se pode constituir como a mais prejudicial. O trabalhador, por não ter esse estímulo, pode afastar-se da sua equipa ou mesmo isolar-se em casa, não mantendo uma relação de sociabilidade com os demais.

"Puseram câmaras nos escritórios e eu acompanhava tudo o que estava a acontecer. Quando tínhamos reuniões por Skype, era só aceder à câmara da sala e conseguia ver toda a gente.”

Tiago Sá

Sobre a sua experiência de trabalho remoto.

O espírito de equipa é algo valorizado por Pedro Oliveira, que tenta ir aos escritórios de Lisboa todos os meses, para que consiga manter o contacto com a sua equipa. No entanto, confirma que estar longe tem os seus senãos. “Há vezes em que eu chego à minha empresa e há pessoas que não me conhecem”, afirma, bem-disposto.

Para Tiago Sá, o maior problema deste regime não são os fatores sociais, mas sim a carga de trabalho. Este diz que acaba por trabalhar mais remotamente do que se estivesse num escritório com um horário de oito horas. “Quando estou a trabalhar não dou conta das horas a passar e acabo por ficar mais tempo em frente ao computador”, garante o web developer.

Para a psicologa Isabel Paredes, as consequências negativas vão para além do isolamento social e do autocontrolo: “Podem surgir menores possibilidades de desenvolvimento e promoção, visto que as chefias não têm a possibilidade de observar presencialmente o trabalho, um aumento dos conflitos entre trabalho e vida familiar e, mesmo, consequências negativas para a segurança e a saúde dos colaboradores por falta de boas condições ergonómicas no posto de trabalho”.

Como forma de minimizar os impactos negativos, quer no trabalhador, quer no ambiente da empresa, os empregadores têm de se esforçar por fortalecer constantemente as ligações entre os seus trabalhadores. A comunicação tem de ser fluida e têm de existir momentos em que toda a equipa esteja reunida, como encontros mensais ou atividades periódicas em grupo.

Um ano a trabalhar pelo mundo

Se há muitos que optam por abandonar as secretárias habituais, para poderem ter o mundo como escritório, há outros que não o fazem, não porque não querem, mas porque não têm um plano. A instabilidade e a incerteza associada a esta escolha leva muitos a ficarem apenas pela ambição. A pensar nestes, Greg Caplan e a sua equipa criaram a Remote Year, uma empresa que planeia todos os detalhes de um ano a trabalhar remotamente.

Desde alojamento, passando pelos transportes e pelos espaços de trabalho, até eventos, a Remote Year planeia todos os passos do ano, sendo que o trabalhador só tem de ir escolhendo ao longo desse período o tipo de percurso que quer seguir. Há percursos para todos, desde aqueles que querem aproveitar o tempo para se divertirem até aos que preferem levar uma vida mais fit.

"Os millennials querem sentir que o que fazem tem um propósito, que estão a ser valorizados. Não são como as outras gerações que se ficam por fazer as coisas da mesma maneira.”

Hannah Camarata

Diretora de Expansão e Desenvolvimento da Remote Year

Hannah Camarata foi responsável pelo primeiro grupo de trabalhadores a ingressar nesta aventura de um ano e é agora diretora de expansão e desenvolvimento da empresa. Ao ECO explica que o mais importante é conseguir inserir os viajantes na comunidade que os recebe, porque só assim se vive a experiência ao máximo. “Tem de haver o mesmo número de locais e viajantes no mesmo grupo para que este se torne num ser vivo”.

A partilha de conhecimento entre culturas estabelece-se assim como o ponto forte deste projeto que tal como Hannah afirma, “recebe as mentes mais brilhantes.” E os resultados são os melhores: “É uma experiência que muda uma pessoa. Fica-se mais confiante e olha-se para o mundo com outras lentes.”

Assim, esta nova geração estabelece-se como aquela que não segue os mesmos moldes, nem no que toca ao trabalho. “Os millennials querem sentir que o que fazem tem um propósito, que estão a ser valorizados. Não são como as outras gerações que se ficam por fazer as coisas da mesma maneira”, remata Hannah Camarata.

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