Eleições francesas: Desta vez as sondagens são de fiar?

A acreditar nas previsões, Le Pen passa à segunda ronda mas dificilmente vencerá. Mas é possível que venham aí surpresas? "Se tudo é possível, podemos mesmo falar em surpresas?", responde um analista.

As sondagens têm estado debaixo de fogo nos últimos anos por acertarem ao lado, em várias eleições decisivas, nas preferências dos eleitores. Os casos mais flagrantes serão talvez o referendo do Brexit, onde se sobrestimou a vontade dos britânicos de permanecer na União Europeia, e as eleições norte-americanas onde se subestimou o apoio ao candidato republicano Donald Trump, resultando em surpresa generalizada quando os votos foram contados. Mas desta vez as sondagens serão de fiar?

Mathieu Gallard, analista no Instituto Ipsos em França, disse ao ECO que, em França, também se tem ouvido o mesmo discurso. “Houve muitas críticas em relação às sondagens, tanto da parte dos candidatos como também dos cidadãos”, afirma. “Acusam-nos de não mostrar a realidade política”.

Um jornalista da revista científica Nature tentou perceber as razões que podem estar a levar ao que chama “uma crise nas sondagens”. Uma das principais razões que apontam é a mudança na dinâmica de contacto com os eleitores. “Até há dez anos, as organizações de sondagens podiam perceber a opinião pública simplesmente telefonando para casa das pessoas. Mas agora grandes segmentos da população dos países desenvolvidos abdicaram dos seus telefones fixos e trocaram-nos por telemóveis”, o que torna as coisas mais complicadas para quem realiza sondagens, lê-se no artigo. E há outra particularidade que torna as eleições mais difíceis de prever: “Saber quem vai votar”. As sondagens até podem apontar as intenções de voto corretamente, mas se os apoiantes de um ou outro candidato estiverem menos mobilizados para ir às urnas isso vai afetar o resultado.

A primeira volta das eleições francesas conta com 11 candidatos.Chabe01 / Wikimedia Commons

A eleição de Donald Trump foi um dos grandes pontos de viragem para as sondagens no meio anglófono, onde a vitória de Hillary Clinton era considerada certa. Mas o renomado blog de agregação de sondagens FiveThirtyEight relativizou essas perdas numa publicação sobre o erro das previsões. “A falha não foi sem precedentes nem, nos dias que correm, assim tão invulgar”, escreveram os analistas. “Todas as sondagens, e todas as previsões baseadas nelas, são probabilísticas: Há sempre uma hipótese de que o favorito perca”.

"Todos os candidatos do topo estão tão próximos que seria consistente com as sondagens que qualquer par deles ficasse em primeiro.”

Stephen Fisher

Universidade de Oxford

Sendo assim, o que esperar das eleições francesas, que têm neste momento o candidato Emmanuel Macron como favorito? O independente lidera por uma margem pequena as sondagens de quem passa à segunda volta. Se isso acontecer, é o incontestável favorito para chegar à presidência, por ser considerado superior a qualquer adversário com que se possa defrontar. Mas é muito magra a margem que separa Macron de Le Pen e depois do terceiro e quarto classificado, François Fillon e Jean-Luc Mélenchon, para esta primeira volta. Uma diferença que se situa mesmo dentro da margem de erro das sondagens.

“Todos os candidatos do topo estão tão próximos que seria consistente com as sondagens que qualquer par deles ficasse em primeiro”, afirma o perito em sondagens Stephen Fisher, da Universidade de Oxford, ao ECO, quando questionado sobre se há espaço para uma grande reviravolta em relação ao que está previsto para os votos dos franceses neste domingo. Os quatro candidatos principais estavam todos entre os 18,5 e os 25% das intenções de voto em diferentes sondagens esta sexta-feira, o que acaba por deixar tudo em aberto para domingo.

Onde é que há espaço para as sondagens falharem nesta primeira volta? “Se virmos que, no resultado final, dois dos candidatos ficaram muito à frente dos outros dois, a distribuição do voto seria muito diferente do previsto, e aí há espaço para uma reviravolta e para as sondagens estarem, tecnicamente, erradas”, afirma Stephen Fisher, que reconhece alguns problemas nos trabalhos franceses. “Falando de forma generalizada, parecem ser de boa qualidade”, acrescenta. “Mas posso dizer, que na minha perspetiva, vendo isto de fora, as sondagens parecem estar preocupantemente de acordo umas com as outras, e com pouca variação de amostragem”.

Mathieu Gallard, da Ipsos, concorda. A proximidade entre os quatro principais candidatos deixa o campo aberto para que qualquer coisa aconteça. “Se achamos que tudo é possível, será que é uma verdadeira surpresa?”, ironiza o especialista. “Hoje em dia podemos pensar que o mais provável seja uma segunda volta entre Macron e Le Pen”, começa, “mas pode acontecer que por exemplo o eleitorado de um candidato esteja menos mobilizado, ou que a participação seja superior ao esperado”, e tudo isso afeta os resultados finais.

O atentado terrorista da noite de quinta-feira é uma surpresa de última hora que pode também interferir no resultado das eleições. “O atentado é tão próximo do ato eleitoral que pode haver um efeito de contaminação tanto para a Frente Nacional como para a direita“, disse ao ECO o professor de Ciência Política, António Costa Pinto, ainda que “as sondagens demonstrem que o desemprego é a principal preocupação dos eleitores franceses e que o terrorismo só surja em terceiro lugar”. Mas, acrescenta, “o efeito do atentado é relativamente imprevisível dada a sua proximidade, mas também porque a campanha eleitoral já terminou“.

Pedro Magalhães também não exclui que o regresso da questão securitária “possa beneficiar de alguma maneira Marine Le Pen”. O especialista em ciência política disse ao ECO: “Não excluo um movimento a favor de Marine, mas ficaria surpreendido se o efeito fosse muito grande”. Pedro Magalhães sublinha ainda que é normal que os partidos tentem “maximizar o efeito a seu favor, argumentando que têm a melhor solução para resolver o problema”.

O politólogo lembra ainda que “não há dados categóricos que demonstrem, em anteriores atentados terroristas, que tenha havido uma alteração nas intenções de voto ou uma mudança de direção por parte dos candidatos”. “Há sim, normalmente um reforço do apoio aos Presidentes em funções”, acrescenta, mas neste caso François Hollande não está na corrida.

António Costa Pinto sublinha que estas eleições estão a ser seguidas com alguma preocupação “perante a crise dos partidos do centro esquerda, que é muito visível em França”. “A ironia é que, pela primeira vez, pode passar à segunda volta um candidato do centro liberal como é o caso de Macron”, frisa António Costa Pinto.

Para Mathieu Gallard, quando se trabalha dentro da margem de erro — como aconteceu, afirma, no caso do Brexit, por exemplo — as sondagens devem ser utilizadas como um instrumento, e não com certezas, pelos comentadores políticos. “Se olharmos para o que se passou com Trump e o Brexit, não houve um erro enorme nas sondagens”, afirma. Nos EUA, previa-se que mais eleitores votariam em Hillary Clinton, e é verdade — a candidata obteve mais votos mas, devido ao sistema eleitoral norte-americano, não venceu onde importava, no Colégio Eleitoral. “Quando temos sondagens que são tão próximas, não podemos ter a certeza do resultado”, diz. Mas isso “é um erro de comentador político”.

Para que interessam sequer as sondagens?

Que impacto real têm as sondagens afinal de contas? Para os dois especialistas que falaram ao ECO, o impacto é dual. Por um lado, as sondagens podem afetar o comportamento do eleitor. “Do que se fala muito em França é de um voto estratégico”, afirma Mathieu Gallard. “Os eleitores de esquerda, por exemplo, votarão no candidato de esquerda que tenha mais hipóteses de ganhar”. É um efeito limitado que afeta apenas uma parte da população — afinal, alguns já sabem em quem vão votar sejam as sondagens quais forem.

E existe ainda outro tipo de influência que as sondagens podem ter. “Existe um padrão claro em que as sondagens afetam quem tem direito a falar nos media”, afirma Stephen Fisher ao ECO. “Desde que Jean-Luc Mélenchon subiu nas sondagens, a imprensa tem falado muito mais dele, e menos sobre Benoît Hamon porque já não está a sair-se tão bem”, acrescenta. E a publicidade nestas eleições é muito importante, em especial para candidatos que sejam menos conhecidos do público em geral.

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