Os altos e baixos da dívida pública portuguesa

O percurso da dívida portuguesa parece uma etapa de montanha: existem algumas descidas, mas as subidas superam e muito. Para amortizar a dívida, cada cidadão teria de pagar mais de 23 mil euros.

Foram poucos os anos em que a dívida pública decresceu desde que existe democracia em Portugal. Mas na análise intranual é possível verificar algumas descidas nesta montanha: são poucas, cirúrgicas e a longo prazo foram mais do que compensados por subidas a pique. A forma “mais justa” de observar a evolução da dívida pública — na ótica de Maastricht, a que interessa às instituições europeias — e fazer comparações entre governos é calculando-a em percentagem do Produto Interno Bruto. Não só porque existe o limite europeu de 60% do PIB, mas também porque avalia a forma como determinado Governo conseguiu colocar a economia a crescer e, por isso, fazer diminuir o “peso” da dívida. Vamos decifrar esta cordilheira elencando os cumes e relevos que a fizeram até agora.

A dívida pública portuguesa em percentagem do Produto Interno Bruto de 1974 e 2016.
Fonte: Conselho de Finanças Públicas (até 2013) e Banco de Portugal.
Raquel Sá Martins

É entre 2005 e 2011 e entre 2011 e 2016 que se verificam as subidas mais íngremes da dívida pública portuguesa. Os contributos para esse aumento são mais complicados de explicar do que as interações geotectónicas. O principal abalo é explicado pelo empréstimo de 78 mil milhões da troika (resgate financeiro), a partir de 2011. Além disso, existiram várias falhas tectónicas que abalaram a dívida pública divididas por três categorias:

  • O impacto dos sucessivos défices primários (segundo o Conselho de Finanças Públicas representam 40% do total);
  • A dinâmica desfavorável entre os juros e o crescimento do produto (o chamado efeito dinâmico ou “bola de neve” (representam 30%);
  • O ajustamento défice-dívida (representa 30%);

O impacto dos défices é uma marca que acompanha quase todas as etapas desta evolução, mas com especial enfoque nos anos de 2005, 2009 (défice de -9,8%) e 2010 (défice de -11,2%). A partir de 2010, os anos de 2011 e 2012 foram especialmente afetados pelo que se chama o ajustamento défice-dívida, o que inclui o alargamento do perímetro das Administrações Públicas que trouxeram as dívidas de empresas públicas que anteriormente não contavam. Em 2011 e 2012, com a recessão em Portugal, foi claro o efeito “bola de neve” dada a diminuição do PIB nominal, o que se relaciona diretamente com o rácio da dívida pública.

É sempre importante recordar que, para Portugal cumprir os critérios definidos pelo Tratado de Maastricht, o défice das contas públicas tinha de ser inferior a 3% do Produto Interno Bruto — o que deverá acontecer em 2016 — e a dívida pública deve estar abaixo do limitar de 60% do PIB, o que não acontece desde 2003. Ou seja, há 14 anos.

Os resgastes dos bancos

Não há dúvidas de que os resgastes aos bancos portugueses nos últimos dez anos pressionaram a evolução da dívida. A desconfiança sobre Portugal aumentou, as taxas de juro de financiamento também e, por isso, o custo de suporte da dívida foi pesando cada vez mais nos Orçamentos de Estado. Mas a nacionalização ou resolução de bancos penalizaram ainda mais essa tendência.

Desde 2008, o sistema financeiro já recebeu 14.348 milhões de euros em apoios públicos, revelou o Tribunal de Contas no final do ano passado. Para este valor contribuem mais de três mil milhões de euros dos contribuintes gastos com o BPN e outros 2.255 milhões de euros gastos com o Banif, aos quais se soma ainda uma garantia pública no valor de 746 milhões de euros.

A fatura do BPN, por seu lado, já superou os três mil milhões de euros: vai em 3.241 milhões. O Tribunal notou ainda que as sociedades-veículo Parups, Parvalorem e Parparticipadas — criadas para gerir ativos do BPN — apresentavam capitais próprios negativos no montante de 2.201 milhões de euros (excluindo do passivo empréstimos do Estado no valor de 2.440 milhões) e ainda beneficiavam de garantias no valor de 3.098 milhões de euros, prestadas pelo Estado.

No caso do BES, o Fundo de Resolução tem 4.953 milhões em dívida cujo principal credor é o Tesouro. Ou seja, o Estado, que teve de se financiar para depois financiar a resolução em Novo Banco. O mais recente caso é o do Banif, uma fatura que custou ao Estado no mínimo 2.930 milhões de euros. Acresce agora a recapitalização da CGD em que o Estado vai ter de injetar até 2,5 mil milhões de euros.

As almofadas financeiras

Lembra-se da almofada endinheirada que o Executivo PSD/CDS criou? Esse facto foi até celebrado por Maria Luís Albuquerque, então ministra das Finanças, e criticado pela oposição. Este é o dinheiro que não se aloca a nenhuma despesa e fica em depósitos garantindo uma folga caso a dívida sofra choques nos mercados. O principal receio para Portugal é que a DBRS — a única agência de rating que torna a dívida atraente para os investidores — baixe a classificação da dívida pública portuguesa para o nível de lixo.

“Cofres cheios” foi a expressão utilizada pela ministra das Finanças social-democrata. Quão cheios? 17 mil milhões de euros. Mas este dinheiro não deixa de ser dívida e, por isso, conta para a acumulação da dívida portuguesa e tem de ser pago o juro relativo ao empréstimo em causa. Esta folga também traz encargos para o Estado, apesar de proteger a curto e médio prazo os potenciais choques que incidam sobre os mercados financeiros.

A almofada financeira também aumentou em 2016: a almofada de liquidez aumentou 41% em 2016, a maior subida desde 2012. Uma parte dos 9,3 mil milhões de euros devia ter sido utilizada na recapitalização da Caixa Geral de Depósitos mas a operação ficou para 2017 e uma parte do valor que sobrou serviu para pagar mais cedo o empréstimo ao Fundo Monetário Internacional.

Os défices não descem, a dívida sobe

O Estado tem défice, logo deve ser esse o único valor a acrescentar à dívida a cada ano, correto? Não é bem assim: “Embora o aumento da dívida pública decorra essencialmente da necessidade de financiar o défice das Administrações Públicas, existem outros fatores que podem influenciar a variação da dívida pública, em termos absolutos”, explica um apontamento de 2013 do Conselho de Finanças Públicas. Ou seja, existem gastos do Estado que, não estando incluídos no défice, têm de ser financiados contraindo mais dívida. O CFP resume algumas dessas operações em 2010, 2011 e 2012:

Para agravar as coisas, o Eurostat descobriu que Portugal estava a omitir a dívida de empresas públicas, dívida que não era incluída nas contas públicas. Ou seja, o país continuava a endividar-se, mas essa dívida não era contabilizada. Por exemplo: empresas públicas que não estavam no perímetro das Administrações Públicas e que, ao longo dos anos, foram integrando esse círculo, aumento assim o volume da dívida. O impacto dessa inclusão pode ser vista neste gráfico, segundo os cálculo do CFP:

Entre 2009 e 2012, a dívida pública deu um salto de 52%. Dessa percentagem, 44 pontos percentuais foram da responsabilidade do alargamento de perímetro, que absorveu o endividamento dessas entidades. “Os restantes 8 p.p. do PIB (aproximadamente 15% do total) ficaram a dever-se ao aumento do endividamento das entidades e operações reclassificadas, bem como ao endividamento que o Estado teve que efetuar para assegurar o financiamento das empresas públicas reclassificadas (EPR), substituindo-se ao mercado financeiro”, explica o CFP.

Numa visão mais alargada no período a considerar, a conclusão é semelhante: “O acréscimo de 72 p.p. do PIB do rácio da dívida entre 1999 e 2012 encontra-se repartido, aproximadamente, na mesma proporção que a registada nos quatro anos mais recentes, tendo o universo das Administrações Públicas, sem considerar as reclassificações de entidades e operações e o financiamento às EPR, sido responsável por 60 p.p. desse incremento“, lê-se no mesmo documento.

Uma das formas de “atrasar” o aumento da dívida é também ter pagamentos em atraso aos fornecedores. Contudo, independentemente destes vários fatores, o acumular de défices negativos desde que há democracia pesam na dívida. E, por sua, o “peso” da dívida, por causa dos juros que são pagos anualmente, começa a aumentar o défice anual.

A evolução do PIB

A recessão portuguesa ajudou para o agravamento da dívida, ainda que em volume esta também tenha aumentado. O cálculo da dívida pública em percentagem do PIB dita que se o Produto Interno Bruto aumentar, então a dívida pública “pesa menos”, mesmo que em termos absolutos continue igual. Em 2009, a economia portuguesa contraiu 1,9% seguida de uma evolução positiva de 2,6% em 2010. Mas os dois seguintes foram de recessão crítica: em 2011, o PIB desceu 2,1 e em 2012 caiu 4,4%, prejudicando assim o rácio da dívida.

“Desde o final de 2008, o rácio da dívida registou um significativo incremento de 52 p.p. do PIB (passando de 72 para 124% do PIB em 2012), decorrente dos acréscimos anuais verificados, os quais foram sempre superiores a dez pontos percentuais”, lê-se na análise à dívida pública feita pelo CFP em 2013. “O crescimento do rácio foi acentuado pela quebra do PIB nominal“, explica o Conselho de Finanças Públicas no mesmo documento.

Para amortizar os 241,1 mil milhões de euros de dívida, cada cidadão teria de pagar mais de 23 mil euros.

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